13 de ago de 20205 min

Indecisões da vida na pesquisa

Por Iara M. Scricco

Ilustração por Joana Ho

Ninguém tem a resposta para tudo, mas precisamos tomar decisões a todo instante. Algumas decisões são rápidas e fáceis, outras demoradas e difíceis. Como navegar no meio dessas dúvidas?

No final do ensino médio, a indecisão já tomava conta de mim e do resto da sala. Não sabia como, aos 17 anos, tomar uma decisão que ia me seguir pelo resto da vida, ou mesmo por ter que decidir tão cedo minha profissão e também me perguntava se não deveria adiar a entrada na faculdade. Eu sempre tive o curso de Engenharia Naval em mente, não me pergunte o motivo, nem eu sei. Até que uma vez, em uma feira de profissões, eu assisti uma palestra sobre o curso e desisti na hora. Ao mesmo tempo em que eu queria entrar na área de exatas, não queria efetivamente estudar noções de mecânica, que era a mesma dada a todas as outras engenharias. Plano abortado.

Foi aí que minha mãe me sugeriu o curso de Oceanografia. Comecei a pesquisar e meus ‘olhinhos’ brilharam. Era isso, estava decidido. Mas como sempre, tudo tem seu ônus e bônus, eu teria que mudar de cidade e lidar com várias novas indecisões. Morar sozinha ou dividir apartamento, visitar os pais ou estudar no final de semana, participar de um projeto de iniciação científica com vaga aberta ou escrever um do meu jeito, escolher o tema do TCC (que tecnicamente seria a linha de pesquisa da minha carreira científica)... Felizmente, tive total apoio da minha família e tudo correu bem ao longo de todos os 4 anos de faculdade, em Santos, no litoral de São Paulo. Mas e aí, depois de formada? O que fazer? Para onde ir?

Eu e minha amiga Carla Elliff em um dos embarques que realizamos na graduação em Oceanografia. Nessa foto, realizamos a coleta e armazenamento de sedimento para análise de foraminíferos – para se formar em oceanografia, são obrigatórias 100 horas em atividades embarcadas (Fonte Iara Scricco com licença CC BY-SA-4.0).

O campo da oceanografia é relativamente restrito, no quesito de oportunidades e onde atuar. Fiz um MBA logo que me formei, seguindo mais uma área que faz meu coração bater mais forte, a Gestão Portuária. Durante a graduação, eu fiz estágio voluntário e posteriormente, fui contratada para atuar em uma Unidade de Conservação Marinha. Fui muito feliz lá, aprendi muita coisa, conheci muita gente... mas eu queria mais. Mestrado? Era um caminho. Mas onde? Em que curso? Foi aí que eu participei de dois processos seletivos, Sensoriamento Remoto e Meteorologia. Um envolvia “apenas” uma mudança de cidade, já o outro uma mudança de São Paulo para o Rio Grande do Sul. Os dois cursos abordavam assuntos totalmente novos para mim, já que eu nunca tinha atuado diretamente nessas áreas. Depois de muitas listas, conversas, elencar prós e contras, eu finalmente optei pelo que mais me agradava, mas para isso precisei sair da minha zona de conforto e fui morar em Santa Maria, um cidade no interior do Rio Grande do Sul.

Em um primeiro momento, decidi aprender algo mais amplo e que viria a complementar minha graduação, escolhi a Meteorologia. Tive que me reinventar. Afinal, a dúvida que tinha não era voltar ou não para casa a cada 15 dias (essa frequência aumentou para meses) e sim como cuidar de uma vida, de uma casa e de um mestrado absolutamente sozinha. Conheci bastante gente nessa época, mas sem sombra de dúvidas, foi uma das fases em que me senti mais sozinha. E convém sempre destacarmos que essa fase da pós-graduação é um período de grandes emoções, tanto positivas quanto negativas. A experiência como um todo foi muito válida. Morei em outro estado, dentro do mesmo país, mas com uma cultura muito diferente e interessante. A começar pelas palavras que eram as mesmas, mas significavam coisas diferentes! E sem contar que foi minha única experiência (até hoje) de encarar um frio diariamente, por todo inverno, e não somente alguns dias de férias. Até usei uma bota de neve, pois nunca tinha sentido aquelas ‘agulhas geladas’ entrando no meu pé daquele jeito. Precisei usar 4 cobertores, pijama flanelado e aquecedor ligado para conseguir dormir.

Esse era um dos meus passatempos durante o mestrado, tirar fotos de nuvens, chuvas… e o que mais me chamasse atenção na janela. (Fonte Iara Scricco com licença CC BY-SA-4.0).

Nesse momento, nem tudo era dúvida. Defendido o mestrado em Meteorologia, eu tinha uma certeza: não queria engatar o doutorado logo de cara. Voltei para a casa dos meus pais e decidi abrir meu leque de opções, enviando meu currículo para absolutamente todo mundo e todas as vagas de interesse. Depois de uns 4 meses buscando, fui selecionada para atuar em um projeto de pesquisa, no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Fiquei nessa vaga por 3 anos e meio. Depois, voltou o pensamento de “eu quero mais”.

Não tinha absoluta certeza que era o momento ‘ideal’ para entrar no doutorado, mas o leque de opções não estava muito atrativo no momento. Decidi tentar e dar o meu melhor. Hoje estou no meu segundo trimestre letivo no Doutorado em Ciência do Sistema Terrestre do INPE, em São José dos Campos, e acredito que daqui a 4 anos, vou conseguir conciliar todas as minhas áreas de formação. Com isso terei novas possibilidades de caminhos para decidir percorrer.

Ao longo desses 12 anos desde minha entrada na graduação até hoje no doutorado, eu tive que decidir muitas coisas e, inclusive, muitos rumos para minha vida. Mas nunca tive algo que eu enxergasse claramente como meu destino final. Acho que até mais importante do que tomar decisões, é estar disposta a se jogar em algo que gosta mesmo sem saber com certeza no que vai dar, mas sabendo que fará o seu melhor. Depois da decisão tomada, a gente precisa encarar aquilo com leveza e seguir em frente. Claro que para tudo existe um plano B, mas nem sempre ele é necessário, se a gente encarar aquela situação com um outro olhar ou de uma outra maneira.

Por isso que eu sempre falo, às vezes depois de navegar, derivar também é preciso.


Sobre a autora:

Nascida em Jundiaí, no interior de São Paulo, mas já morou em vários lugares desse “Brasilzão”. Oceanógrafa, Mestre em Meteorologia e atualmente, doutoranda em Ciência do Sistema Terrestre.

Tem experiência com interação oceano-atmosfera, climatologia e está aprendendo algumas linguagens de programação.

É apaixonada pelo mar e por ciência.

Gosta de filmes, séries, adora investigar e se envolver com grupos e projetos novos.

Acredita que ciência tem que ser transmitida, entendida e discutida por todos, independente de qualquer coisa. E que somente dessa forma conseguimos avançar cada vez mais.

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