top of page

As algas antárticas contra doenças

Atualizado: 19 de nov. de 2020

Por Leandro Clementino


A imagem é uma ilustração de algas marinhas com luvas de boxe no lado esquerdo e seres unicelulares representando as doenças no lado direito.

Ilustração: Joana Ho


Quem nunca tomou um chazinho para curar uma dor de cabeça ou para “acalmar” os nervos? Pois bem, naquele chazinho ingerimos substâncias, produzidas por uma determinada planta, que nos ajudam a melhorar. Estas substâncias são chamadas de produtos naturais, ou seja, substâncias produzidas por plantas, animais, microrganismos, etc., que são utilizadas pelo homem desde a antiguidade para a cura de doenças. Estas substâncias são fonte para o desenvolvimento de novos fármacos a partir de uma série de moléculas inéditas, descobertas nos mais diversos organismos.

Plantas terrestres são tradicionalmente utilizadas para o tratamento de várias doenças, devido ao conhecimento acumulado por anos pela população sobre caules, folhas, sementes e frutos que possuem alguma propriedade medicinal. Isso despertou o interesse científico para o estudo destas plantas e, ainda, foi mais além... Já que os produtos naturais terrestres apresentam tamanho potencial, o que se pode pensar e afirmar sobre os produtos naturais marinhos?


Quando encontramos estas substâncias que apresentam influência no tratamento de alguma doença, as chamamos de moléculas bioativas e em laboratório fazemos uma busca destas moléculas nos mais diversos organismos. Dizemos, então, que fazemos bioprospecção destas moléculas. Embora seja no ambiente terrestre que estão concentrados a maioria dos trabalhos de investigação de produtos naturais, é no ambiente marinho que encontramos a maior diversidade biológica, com cerca de 300.000 espécies de fauna e flora descritas. Nos últimos 50 anos, mais de 20.000 produtos naturais foram descobertos, com as mais diversas aplicações contra micro-organismos, auxiliando o nosso sistema imunológico e até mesmo contra a diabetes. E isto pode ser atribuído ao grande campo de exploração, que vão de algas e fungos até os próprios animais, tornando o ambiente marinho uma fonte de destaque em produtos naturais.

Em meio a toda esta diversidade do ambiente marinho, o nosso foco de estudo concentra-se nas macroalgas [1] , que são utilizadas há muito tempo na alimentação e também no campo medicinal. Elas são distribuídas em três grandes grupos: pardas ou marrons, verdes, e vermelhas. Estes organismos sofrem influência direta do ambiente marinho onde habitam. Por isso, as macroalgas possuem grande aplicabilidade no setor farmacêutico, pois uma vez que ficam expostas a condições climáticas adversas, são capazes de produzir substâncias únicas de grande interesse para o desenvolvimento de novos medicamentos.


A foto mostra três pessoas em um navio. No chão é possível ver grandes quantidades de uma macroalga antártica.

Macroalga antártica Cystosphaera jacquinotii. Fonte: Arquivo pessoal.


Há cerca de dez anos, o projeto “Biodiversidade, monitoramento, estratégias de sobrevivência e prospecção de macroalgas extremófilas da Antártica Marítima”, no âmbito do Programa Antártico Brasileiro, coordenado pelo Professor Doutor Pio Colepicolo (IQ-USP), estuda a diversidade de espécies e diversidade química de algas do continente antártico. As macroalgas desse continente sobrevivem a condições ambientais únicas, em que seu metabolismo produz substâncias importantes para sobrevivência em meio a temperaturas extremamente baixas durante o inverno e temperaturas amenas durante o verão, o que as tornam muito importantes nos estudos de prospecção química de substâncias.


O Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular de Tripanossomatídeos está localizado na FCF-UNESP em Araraquara, é coordenado pela Professora Doutora Marcia Graminha e há mais de 15 anos vem somando esforços no descobrimento de novas substâncias com potencial para tratamento das leishmanioses.

Nosso laboratório é especializado em doenças negligenciadas, com ênfase em leishmanioses, e somos um colaborador do projeto citado há pouco mais de 5 anos. Este conjunto de doenças causa milhares de mortes anualmente e põem em risco cerca de um milhão de pessoas. A leishmaniose é uma doença infecciosa, transmitida pela picada de insetos, e pode afetar a pele do indivíduo ou seus órgãos internos, a depender da forma da doença. O tratamento disponível para as leishmanioses é baseado no uso de quimioterápicos, não específicos, que são altamente tóxicos, por isso são necessários esforços na busca de novos fármacos, e as macroalgas têm sido uma importante fonte de substâncias que ajudam no combate deste conjunto de doenças.


Nosso grupo já testou uma série de substâncias isoladas de macroalgas antárticas, com diversas moléculas que estão em processo de identificação. Todavia, identificamos vários ácidos graxos que apresentaram potencial contra a forma cutânea da doença, causada pela espécie de protozoário Leishmania amazonensis. Estas substâncias foram encontradas nas algas Iridaea cordata (vermelha), Ascoseira mirabilis (parda) e Himantotalus grandifolius (parda) coletadas no continente Antártico, na Baía do Almirantado.



Na foto há uma pessoa coletando as macroalgas na antártica. A pessoa usa roupas, óculos e touca para se proteger do frio.
Coleta de macroalgas antárticas. Fonte: Arquivo pessoal, gentilmente cedida pelo Professor Luiz Rosa.

Estes dados, embora preliminares, nos mostram um indicativo do quanto as macroalgas antárticas possuem potencial para o desenvolvimento de novos fármacos contra as leishmanioses. Recentemente, em parceria com o Laboratório de Química Orgânica do Ambiente Marinho FCF-USP, coordenado pela Professora Doutora Hosana Debonsi, começamos a avaliar a atividade de substâncias produzidas por fungos endofíticos (que vivem em simbiose com o hospedeiro) provenientes das macroalgas antárticas, tentando explorar ao máximo o potencial dos organismos extremófilos antárticos no combate as leishmanioses.

 

Glossário:


moléculas bioativas – São substâncias provenientes da purificação de extratos naturais através de técnicas de separação, como cromatografia.

bioprospecção – Pesquisa e exploração da biodiversidade de uma região, dos seus recursos genéticos e bioquímicos de valor comercial.

macroalgas – É o termo usado pelos biólogos para se referir a organismos eucariotas, fotossintetizadores e pluricelulares, mas que não tem as estruturas especializadas e as formas de reprodução das plantas verdadeiras.

leishmanioses – Conjunto de doenças infecciosas causada por protozoários parasitários do gênero Leishmania transmitidos pela picada de insetos da subfamília dos flebotomíneos

ácidos graxos – Ou ácidos gordos, são ácidos monocarboxílicos de cadeia normal que apresentam o grupo carboxila (–COOH) ligado a uma longa cadeia alquílica, saturada ou insaturada.

simbiose – Interação entre duas espécies que vivem juntas.

 

Referências:


CRAGG, G. M.; NEWMAN, D. J. Natural products: a continuing source of novel drug leads. Biochimica Biophysica Acta, v. 1830, n. 6, p. 3670-3695, 2013.


CARDOZO, K. H.; GUARATINI, T.; BARROS, M. P.; FALCÃO, V. R.; TONON, A. P.; LOPES, N. P.; CAMPOS, S.; TORRES, M. A.; SOUZA, A. O.; COLEPICOLO, P. Metabolites from algae with economical impact. Comparative Biochemistry and Physiology Part C: Toxicology & Pharmacology, v. 146, n. 1, p. 60-78, 2007.


MAYER, A. M.; RODRIGUEZ, A. D.; TAGLIALATELA-SCAFATI, O.; FUSETANI, N. Marine pharmacology in 2009-2011: marine compounds with antibacterial, antidiabetic, antifungal, anti-inflammatory, antiprotozoal, antituberculosis, and antiviral activities; affecting the immune and nervous systems, and other miscellaneous mechanisms of action. Marine Drugs, v. 11, n. 7, p. 2510-2573, 2013.


LOHARIKAR, A.; DUMOLARD, L.; CHU, S.; HYDE, T.; GOODMAN, T. Status of new vaccine introduction – worldwide, september 2016. Weekly Epidemiological Record, n. 1, 2017. Disponível em: <http://www.who.int/wer/2016/wer9123.pdf>. Acesso em: 20 Mai. 2017.


RANGEL, K. C.; DEBONSI, H. M.; CLEMENTINO, L. C.; GRAMINHA, M. A. S.; VILELA, L. Z.; COLEPICOLO, P.; GASPAR, L. R. Antileishmanial activity of the Antarctic red algae Iridaea cordata (Gigartinaceae; Rhodophyta). J Appl Phycol, v. 31, p. 825-834, 2018. https://doi.org/10.1007/s10811-018-1592-1.

 

Sobre o autor:

Leandro Clementino é graduado em Engenharia de Biotecnologia e Bioprocessos (UFCG-PB), Mestre e Doutorando em Biotecnologia (UNESP-SP). Desenvolve projetos voltados para o descobrimento de substâncias bioativas contra as leishmanioses. Trabalha com identificação de metabólitos naturais de plantas tropicais e macroalgas antárticas, bem como substâncias sintéticas e possíveis mecanismos de ação.




355 visualizações7 comentários

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page