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E agora, para onde vamos? Sobre ovos e larvas de peixes e as áreas de proteção ambiental marinhas

Atualizado: 19 de nov. de 2020

Por Clarissa Akemi Kajiya Endo


Ilustração: Joana Ho


O Brasil possui uma vasta área oceânica, a Amazônia Azul, com aproximadamente 4,5 milhões de km². Sabe o que isso representa? Mais da metade da área continental do país! Além de ser extensa, é uma região bastante rica, não somente em recursos minerais (como o petróleo e gás natural), mas também em diversidade biológica. Como sabemos, esses ecossistemas marinhos são impactados pelas mudanças ambientais, causadas por variações climáticas e pelas atividades humanas. Para tentar proteger uma porção destes diversos ecossistemas, foram criadas as áreas de proteção ambiental marinhas (APAs marinhas).


Dentre as áreas que são comumente protegidas estão os recifes de coral, que são ecossistemas especialmente sensíveis às mudanças ambientais, pois algumas espécies de peixes recifais e os próprios corais possuem movimentação limitada quando adultos. Mesmo assim, sabia que algumas espécies de peixes são encontradas em recifes de coral tanto no litoral como nas ilhas oceânicas, separados por distâncias de centenas de quilômetros? Isso é possível porque certos organismos marinhos possuem um ciclo de vida bastante interessante. Muitas espécies possuem ovos e larvas que ficam na coluna d’água “ao sabor” das correntes e do ambiente (lembram do famoso plâncton?). São muitas as variáveis que contribuirão ou não para que esse “bebê” consiga chegar e se estabelecer em sua casa nova. Os desafios dessa jornada ainda não são muito estudados no Brasil. Mas já sabemos da grande importância que essa tal conectividade entre áreas promove na preservação da nossa diversidade.


Pensando em tudo isso, decidi estudar no meu mestrado como as atuais APAs com recifes de coral na costa do Brasil se conectam, promovendo a preservação das espécies desses ambientes. Em outras palavras, como ocorre a troca de indivíduos entre essas áreas. Mas como estudar uma região tão grande, envolvendo tantos processos? Nós utilizamos uma ferramenta chamada modelagem numérica. Combinamos um modelo hidrodinâmico, que prevê os parâmetros físicos dos oceanos (temperatura, salinidade, correntes, etc.) e um outro modelo que prevê a dispersão ou para onde vão os ovos e larvas, chamado de modelo baseado em indivíduo (MBI). Também precisamos escolher uma espécie que fosse representativa desses ambientes e que ocorresse em todas as APAs de interesse. Além disso, era importante que houvessem estudos prévios sobre a biologia, reprodução e distribuição dessa espécie, importantes para que os resultados do modelo fossem o mais próximo do observado na natureza. Por isso escolhemos o gênero Sparisoma, mais conhecidos como budiões ou peixes papagaio.

Áreas de estudo (em vermelho) e foto de um budião (Fonte).



Agora já temos um panorama das ferramentas utilizadas no estudo, mas por onde começamos? Resumidamente, primeiro utilizamos o modelo hidrodinâmico para simular o comportamento dos oceanos durante um período escolhido, nós avaliamos os resultados, para ter certeza que eles se parecem com o que observamos na natureza. Depois estes resultados são fornecidos para o MBI que também usa alguns dados biológicos e calcula o destino dos ovos e larvas de peixe. Assim saberemos a chance de os indivíduos sobreviverem ou morrerem, de onde vieram e para onde foram.


Imagens representando alguns resultados obtidos. Temperatura da superfície do mar de acordo com o modelo hidrodinâmico (esquerda) e possíveis trajetórias dos ovos e larvas do budião (direita).



No fim das contas, a pergunta que não quer calar é: os budiões conseguem chegar em uma nova casa adequada? Os nossos resultados mostraram que a sobrevivência e trajetória dos ovos e das larvas dos budiões variam de acordo com as estações do ano, sendo regulados principalmente pelas correntes superficiais dos oceanos na costa do Brasil. São poucos os que superam os desafios da jornada e conseguem chegar em suas novas casas, indicando que as APAs talvez sejam distantes demais umas das outras. Contudo, existem outras regiões na costa brasileira que podem servir de habitat para estes peixes e que não são protegidas atualmente.


A criação de novas APAs depende de muitos outros fatores que devem ser considerados, além do tamanho e da conectividade, mas nossos resultados indicam que se as APAs fossem maiores haveria um aumento na conectividade, aumentando a diversidade genética e, consequentemente, aumentando a conservação dessas populações de budiões.


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Os resultados obtidos durante o meu mestrado foram publicados na Scientific Reports, da Nature.


Assim, quem quiser saber mais sobre a conectividade entre as APAs na costa do Brasil, pode acessar o artigo em: https://www.nature.com/articles/s41598-019-45042-0

 

Sobre a autora:

Clarissa é formada em Oceanografia pelo IO-USP, possui mestrado pelo programa de pós-graduação em Sensoriamento Remoto pelo INPE e, atualmente, é doutoranda no Institute of Marine Research em parceria com a University of Oslo na Noruega. A autora estuda a dispersão de ovos e larvas de peixes através do uso de modelos numéricos e estatísticos para melhor compreender os processos de conectividade, recrutamento, ecologia e dinâmica de populações. Além de trabalhar com modelos numéricos, adora estar em campo ou embarcada.


LinkedIn: www.linkedin.com/in/clarissa-akemi-kajiya-endo-30827758

Instagram: @clari.endo

E-mail para contato: clari.endo@gmail.com



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2 Comments


douglas.gherardi
Aug 06, 2019

Estou muito orgulhoso da Clarissa pelo belo trabalho. É importante termos uma ferramenta para avaliar a efetividade de uma rede de unidades de conservação em conservar a biodiversidade marinha.

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Jana del Favero
Jana del Favero
Aug 01, 2019

Sou suspeita para falar, completamente apaixonada por esse post e pelo trabalho científico! Parabéns Clarissa!

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