Por Juliana Leonel
Ilustração: Joana Ho.
Era uma terça-feira a noite e eu estava na trigésima quarta semana de gestação quando chegou a notícia de que a cidade entraria em quarentena. A universidade já havia suspendido as aulas desde o dia anterior e estudava interromper todas as atividades presenciais (o que se concretizou na sequência).
Até aí tudo estava sob controle, ao menos o máximo de controle que conseguimos ter quando estamos a espera de um bebê: as consultas obstétricas apontavam que tudo estava tranquilo com o desenvolvimento do Ian, já havíamos escolhido a maternidade, a doula, finalizado a roda de gestantes e a mala já estava no carro.
Com certeza, a notícia que deveríamos ficar em isolamento devido a uma pandemia nos preocupou, mas ainda não tínhamos ideia do que viria pela frente. Na semana seguinte aconteceram algumas coisas:
Fui avisada que meu obstetra não estava conseguindo retornar para a cidade e, que quando conseguisse, teria que fazer quarentena (ele havia viajado para um congresso nas semanas anteriores);
as maternidades começaram a colocar regras para a segurança de todos: algumas limitaram o acesso das doulas, outras não estavam aceitando acompanhante (ou seja, teria que ficar sozinha não só durante o parto, mas enquanto estivesse no hospital depois do nascimento do Ian);
ter que ir a clínicas fazer consultas e exames ou mesmo uma ida ao supermercado nos preocupava cada vez mais, principalmente quando havia (e ainda há) muitas pessoas achando que o isolamento, os cuidados e a preocupação com o vírus eram um grande exagero e continuavam com suas atividades normalmente.
Acho que aqui é a hora que deveria dizer que surtei, que fiquei sem chão e que me bateu o desespero total… acho que seria mais ou menos assim, se não fossem os milagres operados em mim pelos hormônios da gestação. Quem me conhece sabe que sou super ansiosa, ligada no 220, sem paciência, que se exige muito (e exige muito dos outros também), etc. Mas a gestação me transformou em uma pessoa mais calma, mais espontânea, com menos cobranças e, principalmente, que não sofre por antecedência. Meu coração estava mais tranquilo e me dizendo que estava fazendo o meu melhor.
Ok, mas ainda tinha que resolver os "detalhes" acima…
Conseguimos ser atendidos pela obstetra da roda de gestantes que participamos e ela não só nos assegurou que estava tudo bem com o bebê e que, por isso, poderíamos reduzir consultas e ultrassons, como indicou uma clínica que vinha até em casa para fazer as coletas para os exames que eu devia fazer. Mas, e o parto? E a ida para a maternidade no meio da pandemia?
Uma opção que havíamos cogitado era de fazer o parto em casa (e assim poderíamos restringir ao máximo o número de pessoas a ter contato conosco e com o bebê). Nunca tive restrições com relação ao parto em casa, nunca duvidei que era tão seguro quanto um realizado na maternidade. Entretanto, duvidava da minha capacidade de "dar conta do recado", não acreditava que teria forças para isso… foi um longa conversa com a obstetra e mais algumas horas de conversa com a doula. Depois de muito refletir, resolvi deixar meu coração (embalado pelos hormônios) me dar a resposta. E ela veio simples e clara: teria meu bebê em casa. Sem me preocupar com trânsito, no fluxo de pessoas na maternidade, se meu marido poderia ou não estar comigo, quem cuidaria do cachorro enquanto estivesse fora… Naquele momento, tudo fez tanto sentido que não tive dúvidas que estava tomando a melhor decisão possível. Estamos (quase) na trigésima nona semana e estou tranquila, em breve o Ian estará nos nossos braços e teremos muitas noite sem dormir pela frente. Vai sair como o planejado? Possivelmente não. A pandemia tem nos ensinado que as coisas podem mudar muito rapidamente e que nem tudo (ou quase nada) está sob o nosso controle. Olho para fora, leio as notícias, vejo os números, as projeções, as ações (ou falta delas) tomadas pelos governantes e penso que não é esse o mundo que quero para o meu filho… Mas, é nesse mundo que ele vai nascer e estamos lutando para melhorá-lo. E me acalenta saber que não estamos sós, nesse momento de incertezas vemos muitas pessoas se unindo, tomando a frente nas lutas e não desanimando. Seguimos juntas! Como serão os primeiros meses dele durante a pandemia? Não sei, talvez daqui 1-2 meses eu tenha uma história completamente diferente para dividir com vocês, mas espero que os hormônios continuem acalmando meu coração. Sei que muitas gestantes, talvez a maioria delas, estejam com o coração apertado, apreensivas e com muito medo nesse momento. Acho que é o natural no momento que estamos vivendo. Nunca vivemos nada como isso antes, então se já está difícil para quem não está à espera de um bebê, imagina para quem vai trazer uma nova vida ao mundo? Sei dos meu privilégios financeiros e que ter um companheiro incansável ao meu lado me permite adaptar melhor a situação atual, mas como estará a cabeça de quem não tem estrutura familiar e/ou a segurança financeira para fazer escolhas?
Nota da autora: o Ian nasceu no amanhecer do dia 22/04/2020, o dia da Terra. Ele nasceu em casa, como planejamos, e veio rápido e intenso para nos dar a certeza que a vida nunca mais será igual e que eu nunca mais serei a pessoa que era antes.
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