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Prazer, meu nome é Estromatólito!

Atualizado: 2 de fev. de 2019

Por Alana Cristina e Alina Pellegrinelli


O termo estromatólito provém do grego strôma, que significa "o que cobre" ou "tapete", e de líthos, que significa pedra. Segundo o glossário terminológico da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, estromatólitos são estruturas de crescimento recifal em forma de lentes, montículos ou domos, e que foram desenvolvidas  por associações de bactérias fotossintetizantes (em sua maioria cianobactérias) em ambientes marinhos de águas rasas e quentes (Figura 1).

Figura 1: Estromatólito – Shark bay, Australia


Como sou formado?


A estrutura organo-sedimentar (que significa dizer que é formada por matéria orgânica e sedimento) dos estromatólitos é produzida durante a variação da maré.[1]  Durante a maré alta ocorre o aprisionamento dos sedimentos finos,  e durante a maré baixa as cianobactérias, que são as principais responsáveis pela construção dos estromatólitos, formam uma rede filamentosa, recoberta por uma mucilagem orgânica, que fixa o carbonato de cálcio do meio circundante. Assim, pouco a pouco, vão construindo uma estrutura em camadas que é criada pela agregação de grãos formados a partir de detritos, cimentados pelo carbonato de cálcio (Figura 2). Atualmente sabe-se que existem diferentes tipos de organismos como as bactérias clorofiladas, as rodofíceas e até fungos que também podem contribuir para a construção dos estromatólitos (Krumbein, 1983), assim como as diatomáceas que são de grande contribuição para os estromatólitos mais recentes.

Figura 2: Imagem de lâmina petrográfica de um estromatólito domal (tem forma de domo) da Lagoa Salgada - Rio de Janeiro. Fonte: Silva e Silva, 2007

A Figura 3 abaixo identifica uma amostra de estromatólito em corte transversal, mostrando grãos de areia brancos grudados a polímeros viscosos produzidos por cianobactérias. As cianobactérias podem ser vistas como uma camada verde azul claro logo abaixo da superfície. A imagem é de uma amostra de cerca de 2 cm de largura.

Figura 3 : Cianobactérias sobre polímeros e grãos de areia. Fonte


As camadas dos estromatólitos apresentam diferentes morfologias que representam não só a variação na altura do nível dos oceanos em instantes anteriores no tempo, mas também o registro de uma sucessão das superfícies marinhas em termos de interação com fatores físicos, químicos e biológicos (Holfmann, 1973).  Responsáveis pela injeção de grande parte de oxigênio no meio, as cianobactérias podem ter sido um marco no caminho da evolução dos seres vivos e do clima do planeta, sendo fonte primordial de energia nas teias tróficas e impulsionando a formação da camada de ozônio (que é responsável pela retenção de raios ultravioleta).


Durante a fotossíntese, a captação de carbono inorgânico por essas cianobactérias pode elevar o pH adjacente às células, promovendo a precipitação de carbonato de cálcio (CaCO3). Muito provavelmente essa atividade se perpetuou em resposta à diminuição das emissões de gás carbônico na atmosfera, junto com o aumento na concentração de oxigênio, dentro da escala de tempo geológica. E foi justamente essa situação particular que levou ao desenvolvimento dos estromatólitos.


Os fósseis mais antigos foram encontrados em rochas sedimentares na Austrália (Morrison, 2002) e na África do Sul (Byerly et al., 1986), datando 3,5 bilhões de anos, periodo chamado de Arqueano Recente.  Os estromatólitos tiveram um desenvolvimento rápido  durante o Proterozóico (de 1000 a 900 milhões de anos atrás) chegando ao máximo no final desse mesmo éon (período), como pode ser observado melhor na Figura 4.


A redução de gás carbônico durante o éon Proterozóico pode ter surtido dois efeitos sucessivos sobre a calcificação de cianobactérias. Em primeiro lugar, resultou em uma menor concentração de carbono inorgânico dissolvido, elevando o  pH da água o suficiente para que cristais isolados de carbonato de cálcio circundassem as células bacterianas. Como resultado, florações de cianobactérias planctônicas começaram a precipitar carbonato na coluna de água, cuja acumulação sedimentar começou a dominar as plataformas oceânicas. Em segundo lugar induziu a ativação de mecanismos que aumentaram novamente o pH adjacente às células, promovendo a calcificação de lâminas, bainhas in vivo entre os filamentos de cianobactérias.


Ao final deste período houve um declínio generalizado de abundância e diversidade de estromatólitos (Figura 4) possivelmente causado pelo aumento do pastejo realizado pelos organismos herbívoros e da bioturbação do sedimento (Awramik, 1971).  Esse fato possibilitou maior espaço de colonização do meio por organismos metazoários, que são os animais multicelulares. Evidências para isso foram observadas através de registros encontrados referentes à fauna local de Ediacara, uma região da Austrália onde ocorrem os mais antigos fósseis de metazoários (aqueles com células organizadas em tecidos e órgãos) tornando esta ocorrência de tais fósseis uma das mais importantes do mundo (Cataldo, 2011).

Figura 4: Abundância relativa de estromatólitos durante o tempo geológico.(Fonte: Riding, R, 1991.)

Por que hoje em dia não existem tantos estromatólitos vivos e como eles registram o passado do nosso planeta?


As esteiras microbiais (conjunto de microrganismos colonizando uma superfície criando uma espécie de tapete) são metabolicamente ativas em ecossistemas que conseguem fazer reciclagem de nutrientes, causando uma intensa decomposição aeróbica da matéria orgânica, o que dificulta ainda mais a preservação do fóssil. Os componentes da esteira não são totalmente consolidados, tornando os estromatólitos vítimas de erosão. Por isso hoje não vemos mais tantos estromatólitos como antes. A melhor forma para preservar os fósseis  seria através da litificação precoce, envolvendo a cimentação do carbonato de cálcio, além dos processos de aprisionamento e aglutinação dos sedimentos e/ou precipitação mineral que ocorrem nessas bioconstruções (Awramick & Margulis, 1974). Assim, estes sedimentos podem fornecer dados referentes ao desenvolvimento de cada camada laminada e nos informar sobre o passado.


Além disso, a ativação de mecanismos que aumentam o pH adjacente às cianobactérias e promovem a calcificação das lâminas dos estromatólitos só ocorre quando a pressão parcial de gás carbônico atmosférico cai abaixo de ~0.4%. (Rinding, 2006[6] ).


Onde posso ver estromatólitos atualmente?


Estromatólitos modernos são encontrados principalmente em lagos e lagoas hipersalinas marinhas, onde as condições são extremas devido à alta salinidade, que excluem o pastejo animal. Um destes locais é o Reserve Hamelin Pool Marine Nature Reserve, em Shark Bay na Austrália Ocidental (Figura 5), o qual possui excelentes exemplares que podem ser observados até hoje.

Figura 5: Estromatólitos em Shark Bay na Austrália. Fonte


Outro local é Lagoa Salgada, no norte do Estado do Rio de Janeiro onde os estromatólitos modernos possuem morfologia do tipo domal e em camas (Figura 6).

Figura 6: Estromatólitos da Lagoa Salgada no Rio de Janeiro, Brasil. Fonte: Scrivastava, N.K. 1999.

Os estromatólitos também podem ser encontrados em ambientes de água doce como no Lago Salda, localizado na Turquia, e nos lagos Pavilion (Figura 7) e Kelly em British Columbia, Canada. Isso ocorre pois possuem águas ricas em magnésio, devido a presença de estruturas formadas de hidromagnesita.

Figura 7: Estromatólitos em Pavillon no Canadá. Fonte


Outro local onde é possível encontrar estromatólitos é em Exuma Bays, nas Bahamas (Figura 8), tornando-se peculiar devido a um ambiente de formação que é aberto.

Figura 8: Estromatólitos de ambiente aberto nas Bahamas. Fonte

Agora sabemos que os estromatólitos não são apenas pedras com um nome esquisito,são registros de suma importância para a ciência, pois a sobreposição de suas camadas proporciona aos estudos de micropaleontologia e de biogeoquímica, dados que podem servir para entendermos o ambiente da Terra primitiva, ou seja, nosso planeta bem antes do surgimento de nós humanos.


Texto escrito e adaptado pelas alunas do 4º ano em Bacharelado em Oceanografia do IO-USP, Alana Cristina e Alina Pellegrinelli, durante a realização da disciplina Geoquímica Marinha, sob orientação do Prof. Dr. Christian Millo.

 

Referências:


Awramik, SM. 1971. Precambriam columnar stromatolite diversity: reflection of metazoan appearance. Science 174:825-827.


Awramick, S. M.; Margulis, L. (1974) Definition of stromatolites. Stromatolite Newsletter, n.2, p.5.


Byerly, GR; Lower, DR; Wals MM. 1986. Stromatolite from the 3.300-3.500 Myrs Swaziland Supergroup, Barbeton Mountain Land, South Africa (London) 319:489-491.


Bosak, T; Newman, DK. 2003. Microbial nucleation of calcium carbonate in the Precambrian. Geology 31: 577-580.


Cataldo, A.R. (2011) Análise dos estromatólitos e sedimentos associados – Lagoa Salgada/RJ. Trabalho de conclusão de curso, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas.


Hofmann, H.J. (1973) Stromatolites: Characteristics and utility, Earth-Science Reviews, v. 9, Issue 4, Pages 339–373.


Krumbein, WE, 1983. Stromatolites – the callenge of a term in space and time. Precambriam Res 20:493-531.


Morrison, R. (2002) Australia - Land beyond time: The 4th billion-year journey of a continent, New Holland Publishers (Australia).


Riding, R. (2006) Cyanobacterial calcification, carbon dioxide concentrating mechanisms, and Proterozoic–Cambrian changes in atmospheric composition. Geobiology, v.4 , 299–316


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