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Relacionamento abusivo na pós-graduação existe?

Atualizado: 8 de out. de 2020

Por Anônimo


O momento em que a relação orientador-orientando passa a ser prejudicial...


Ilustração: Caia Colla


Quando optamos por entrar no mundo acadêmico ou nos aperfeiçoarmos em um determinado assunto através de um Programa de Pós-Graduação, imaginamos que passaremos por situações estressantes e complicadas, mas nunca por um relacionamento abusivo. “Nossa, mas você não acha que está exagerando um pouco?” Não. Relacionamentos abusivos podem ocorrer em qualquer tipo de relação, seja no âmbito amoroso, familiar, profissional ou dentro do círculo de amizades, e envolvem, por parte da pessoa abusada, o sentir-se submissa, ameaçada, inferior, destruída, controlada, dominada, isolada, anulada, dificuldade de dizer não, entre outros.


Há alguns anos, o tema “saúde mental na pós-graduação” vem sendo discutido. Já se sabe que, devido às pressões atuais em relação à produtividade e ao ambiente competitivo, discentes de pós-graduação são seis vezes mais propensos a desenvolver transtornos de ansiedade e depressão em relação à população geral. Ainda, para mulheres e transgêneros que fazem doutorado a chance de desenvolver transtornos psiquiátricos é 27% maior do que para homens! Em vista desses preocupantes dados publicados em 2018 por Evans e colaboradores, o assunto vem sendo debatido dentro das universidades, seja no sentido de a própria pessoa (aluno ou aluna) perceber os sintomas, seja no suporte oferecido pelas universidades. Mas estamos falando de um processo em desenvolvimento ainda, havendo muito para se fazer e dialogar...


Eu sempre fui uma pessoa que aconselhava quem viesse conversar sobre a escolha de um/uma orientador/a a pensar em alguém com quem o aluno se sentisse à vontade para dialogar, sem ter receio de procurar em caso de dúvidas, que tenha princípios morais como os seus, enfim, alguém com um mínimo de afinidade e respeito. Afinal, seja para um ano de trabalho de conclusão de curso, dois anos de mestrado ou quatro de doutorado, acabaremos por passar, muitas vezes, mais tempo e mais “perrengues” na companhia deles do que com nossa própria família e amigos. Por isso é tão importante estabelecer uma relação orientador/a-orientanda/o saudável. E, então, justo eu - a pessoa que ajudou tantos outros a arrumarem ótimos orientadores -, introduzi no meu doutorado uma peça absolutamente destoante de tudo isso. E quando dei por mim, era um caminho sem volta. Vou explicar o que aconteceu...


Durante os primeiros anos do doutorado, recebemos a visita de um professor estrangeiro que nos parecia muito simpático e empolgado, propondo uma coorientação em que eu faria uma parte do doutorado fora do Brasil! Quem não se animaria com isso? Hoje em dia, todo pesquisador em formação quer fazer um mestrado/doutorado sanduíche, em que você fica pelo menos seis meses no exterior, frequentando um laboratório novo, com novas possibilidades... Infelizmente, comecei a ter alguns problemas para conseguir minhas amostras (o mal de depender de uma determinada espécie é que ela pode simplesmente ficar sem ser capturada por um bom tempo sem sabermos a razão), e isso fez com que esse professor começasse a apresentar um comportamento passivo-agressivo. Por fim, chegamos, minha orientadora, ele e eu, a um consenso sobre mudanças no projeto que pareciam promissoras (e de fato, foram!). Neste ponto, eu já tinha receios em relação a ele, que insistia em tornar a coorientação oficial o quanto antes - o que quase não ocorreu por descaso dele - e ficava desconfortável com o tom intimidador com que ele agia. Dois meses depois, estava em um novo país, com uma cultura diferente e cheia de expectativas. Logo de início, ele se colocou como o salvador do meu trabalho, que eu deveria ser muito agradecida, desmerecendo todo o esforço que minha orientadora e eu já vínhamos fazendo. Ele reclamava o tempo inteiro de tudo que as brasileiras do laboratório faziam (e depois descobri que ele espalha por lá que os brasileiros são preguiçosos), cheguei a ouvir dele que nós gostamos de perder tempo e que se eu quisesse, ele tinha uma pia de louça na casa dele para eu lavar. Comecei a não querer ir ao laboratório e a evitá-lo ao máximo, tinha crises de ansiedade com frequência, entrei em depressão e venho lidando com isso até hoje. Minha vontade era simplesmente acabar com tudo aquilo, mas minha orientadora sempre me apoiou e incentivou, logo tudo passaria e eu estaria de volta. Acabou que ele me deixou de mãos atadas todo o tempo em que eu estive lá. Eu enviava o material sobre os artigos que estávamos escrevendo, mas nunca obtinha respostas e, quando vinham, eram tardias. Era uma relação unilateral em que ele exigia de mim respostas rápidas e presença, e eu só recebia chamadas de atenção. Isso, infelizmente, permanece até hoje. Por fim, ele segurou resultados importantes para a minha tese até faltarem 2 meses para o meu prazo final. Tive que pedir prorrogação e o novo prazo coincidia com o período de recesso da minha universidade devido às festas de fim de ano. Por este motivo, enviei os capítulos com antecedência de 3 meses, explicando que gostaria de ter tudo corrigido antes do Natal, para não sobrecarregar ninguém no recesso. Claro que ele só me retornou uma semana antes do Natal, querendo revolucionar o trabalho todo... Fiz o que pude e, finalmente, depositei minha tese nos primeiros dias do ano seguinte! Se eu estava satisfeita com o meu trabalho? Nem de longe... A perturbação não acabou, pois ainda temos que publicar os artigos. Continuei a ser diminuída, humilhada, duvidando de mim mesma e de tudo que fiz, tendo crises de ansiedade só de ver um e-mail dele na caixa de entrada... Espero que isso acabe com a defesa e as três publicações... Ele não é uma pessoa boa, menos ainda, ética... e eu não segui os meus próprios conselhos! =/


O pior disso tudo é ver que eu não sou a única a passar por essa situação, que é muito mais comum do que imaginamos... Eis alguns trechos que já li a respeito da relação de outros/as orientandos/as com seus/suas orientadores/as:

- “Adoeci com esse ímpeto emocional [da perda de um familiar], pedi licença ao meu orientador pra me refazer, por uma semana. Ele, através de e-mails pro departamento, começou a ameaçar cortar minha bolsa.”

- “Agradeço o seu reconhecimento, mas prefiro que retire o mesmo!!” (Diz a orientadora de mestrado que não deixou o aluno defender após saber que ele havia passado na seleção para o Doutorado em outra instituição).


A quem podemos recorrer? Comissões de pós-graduação? Comissão de Direitos Humanos? Ouvidoria? Pesquisadores, de modo geral, não querem se indispor uns com os outros, afinal, ninguém quer ter seu artigo negado por motivos pessoais (o que, infelizmente, sabemos que acontece). Todos querem que seus orientandos façam intercâmbios, o que não pode ser perturbado por um aluno com dificuldades. E para os orientandos, como mudar de orientador sem perder todo o trabalho feito até o momento (sim, pois muitos pesquisadores não permitem a troca de orientador em que o aluno permaneça trabalhando com os mesmos dados)? Quem vai acreditar numa história em que é um peixe grande contra um pequeno? Como se desligar de um coorientador como o meu, sendo que ele fez investimentos financeiros para análises do trabalho? Podem cortar a bolsa? Acabamos por ficar na dependência desse nosso agressor... Essa é a nossa triste realidade como orientanda/o: o desamparo! Haja apoio familiar, tratamento psicológico e atividades extras para aliviar o estresse e toda a tensão!


Graças aos mares, eu tenho boas pessoas que, tanto no exterior quanto aqui no Brasil, são um porto seguro, que me apoiaram e me ajudaram, e ainda ajudam, a passar por tudo isso sem maiores complicações, se é que vocês me entendem... Mas eu sou privilegiada, eu sei... Creio que o mais importante para superar esse tipo de situação é sabermos que não estamos sozinhos e que, juntos, passaremos por isso! Se você está passando por isso, procure ajuda, seja dentro do seu Programa de Pós-Graduação, em centros psicológicos ou psiquiátricos, e, até mesmo, em grupos nas redes sociais! Nós podemos nos apoiar e, se não for possível mudar a situação, fazer com que esse período seja menos dolorido e traumatizante.

 

Referências:


A vida não cabe no Lattes: saúde mental na Pós-Graduação https://popularizandociencia.wordpress.com/2019/07/17/saude-mental-na-pos-graduacao/

Evans, T., Bira, L., Gastelum, J. et al. 2018. Evidence for a mental health crisis in graduate education. Nat Biotechnol 36, 282–284. https://doi.org/10.1038/nbt.4089

 

Sobre o/a autor/a: Anônimo




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