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A ode à ignorância vai nos custar o planeta

Por Luciana Leite



No dia 03 de agosto acordei com mensagens compartilhadas no WhatsApp sobre o aparecimento destes pequenos animais na costa baiana. A espécie em questão, Glaucus atlanticus é um diminuto molusco, com ampla distribuição e ocorrência também na costa brasileira. Conhecido popularmente como Dragão do Mar, trata-se de um nudibrânquio pelágico. Por ser pelágico, ou seja, por viver em alto mar, não é comumente observado nas praias.


Não é uma especie invasora e não apresenta maiores riscos para o homem. Sua ocorrência pode estar relacionada com fortes correntes marítimas e ventos que trouxeram espécimes para a areia.


Eu, enquanto bióloga, mergulhadora e apaixonada por animais marinhos, recebi com muita tristeza imagens do animal com mensagens alarmistas sobre as supostas altas concentrações de veneno que o animal carrega, sobre o risco de morte que apresentam, sobre causarem choques e sabe Deus mais o quê.


Nunca tive a sorte de vê-los e fico triste que as pessoas, por falta de conhecimento e de interesse, deixem de viver a experiência do encontr


o com um animal tão raro. Ao invés disso, criam e reproduzem uma corrente de fake news dos nudibrânquios, que reforça (com afirmações errôneas) essa percepção da natureza como algo hostil e perigoso, ameaçador e quase vil.


Quem se propõe a criar, por ignorância, medo ou maldade, fake news sobre uma espécie tão inofensiva?


Onde foi parar a nossa curiosidade? A nossa vontade de aprender? Quando passamos a entender a história natural das espécies, passamos a valorizá-las. O conhecimento leva à admiração que leva ao reconhecimento do valor intrínseco de todas as formas de vida. Não há conservação ambiental sem conhecimento.


A ode à ignorância vai nos custar o planeta.

Na foto, uma mão aberta segura um dragão do mar. Ao fundo está a areia da praia

Nudibrânquio encontrado em praia de Salvador (BA) (Fonte: Bate-papo com Netuno com licença CC SA-BY 4.0.)


Sobre os nudibrânquios


Nudibrânquios são moluscos marinhos que, devido ao diminuto tamanho e corpo mole, desenvolveram estratégias químicas de defesa. E o que isso significa? Significa que estes animais conseguem incorporar substâncias químicas de suas presas - que incluem esponjas, cnidários, algas, dentre outros e que as armazenam para se tornarem impalatáveis (com gosto ruim) e tóxicos.


Os nudibrânquios são tão gente boa que avisam a outros animais que eles podem ser perigosos. Espécies de nudibrânquios são frequentemente aposemáticas, ou seja, apresentam coloração vibrante e contrastante que servem como um alerta para potenciais predadores.


O dragão azul é uma espécie que incorpora cnidócitos - que são as células urticantes das águas vivas. Isso quer dizer que são terríveis assassinos? Não. Isso quer dizer que você pode pegar e levar pra casa? Também não. Eles não são animais de importância médica e não apresentam maiores riscos aos seres humanos. Ou seja, não existirem relatos sobre hospitalizações, complicações médicas ou mortes envolvendo o dragão azul. Mas, se molestado, ele pode se defender, provocando queimaduras, assim como as águas-vivas. Diferente dos cnidários dos quais se alimenta, o dragão azul não é urticante mas ele pode se tornar urticante, “lançando” os cnidócitos que acumulou no seu corpo para se defender.

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Evite molestar não apenas o dragão azul, mas qualquer animal. Sempre que se deparar com espécies selvagens, aprecie o encontro, fotografe e aproveite para aprender mais sobre outras formas de vida! Mas não alimente uma cultura do medo com relação à espécies selvagens, principalmente entre as crianças. Ensine-as a protegê-las e respeitá-las.


Incentive seus filhos, amigos e familiares a pesquisarem, estudarem e conhecerem mais sobre a natureza. Ela é incrível!

 

Sobre Luciana Leite:


Luciana Leite é bacharel em ciências biológicas pela UFBA, mestra em Lideranças para a Conservação pela Cambridge University e doutora em Ecossistemas Florestais e Sociedade pela Oregon State University. Atualmente, é bolsista CAPES de pós-doutorado no PPG de Ecologia do Instituto de Biologia da UFBA. Pesquisa a relação do ser humano com a natureza na modernidade, especificamente as raízes da biofilia e as determinantes do comportamento pró-ambiental. Recém-descoberta feminista, é membra da Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência. Aproveita seu tempo livre com sua família e amigos, normalmente em casa ou junto à natureza, onde recarrega as energias e aprende sobre o mundo natural.


Rede Social: @lu.biophilica @kunhaase



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