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Bitucas de Cigarro nas Praias: Perigos Invisíveis à Vista de Todos

Por Victor V. Ribeiro e Yonara Garcia


Ilustração: Alexya Queiroz

Você sabia que aproximadamente uma em cada cinco pessoas ao redor do mundo é fumante? Isso representa um grande número de cigarros consumidos diariamente, chegando a impressionantes 16 milhões de unidades. O que poucos de nós percebemos é que mais de 90% desses cigarros são descartados de maneira inadequada, e o resultado desse descarte irresponsável é preocupante. Bitucas de cigarro se tornou o item mais comum encontrado dentre o lixo nas praias, representando uma ameaça invisível ao nosso ambiente costeiro. Você consegue imaginar quais são os principais problemas gerados por essa grande quantidade de bitucas invadindo nossas praias?


De fato, filtros de cigarro foram criados para capturar alguns elementos químicos gerados no ato de fumar. Assim, as bitucas de cigarro podem parecer inofensivas à primeira vista, mas são compostas por mais de 7.000 elementos, com pelo menos 150 deles sendo tóxicos, como metais tóxicos, BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos), hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, aminas aromáticas, entre outros. Elas são verdadeiras "bombas químicas" que liberam substâncias nocivas ao ambiente, incluindo solo, habitats aquáticos e organismos aquáticos, à medida que se decompõem. Sabe-se que uma bituca de cigarro pode contaminar mais de 1000 litros de água.


Além da poluição química, as bitucas de cigarro representam um resíduo sintético não biodegradável. Os filtros de cigarro são feitos de acetato de celulose, um polímero plástico que demora muito para se degradar no ambiente. Como resultado, esses filtros acabam se quebrando em inúmeras partículas minúsculas chamadas microplásticos, que são liberadas no meio ambiente. Além disso, a contaminação por bitucas de cigarro prejudica a qualidade da água e da areia das praias, representando um risco para a saúde das pessoas que frequentam esses locais.

Gaivota de bico-vermelho pegando uma bituca de cigarro com o bico no entremarés de uma praia.

A difícil tarefa de retirar um grande número de bitucas de cigarro das praias representa um desafio constante para as equipes de limpeza costeira em todo o mundo. Mesmo com a utilização de equipamentos especializados para a limpeza pública de praias, muitas bitucas conseguem escapar da captura. Além disso, a própria areia pode esconder esses pequenos resíduos de forma eficaz. Embora vários países e cidades estejam adotando proibições de fumar em praias como parte de seus esforços para reduzir a contaminação por bitucas, é fundamental compreender que essa medida, embora importante, não é capaz de erradicar completamente a presença desses resíduos nas praias. Afinal, sabemos que muitas bitucas que são descartadas nos ambientes urbanos das cidades são carregadas pela chuva e acabam nas praias.


Existem estudos, como os realizados pelo Laboratório de Ecotoxicologia e Contaminação Marinha (LECMAR) do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, que coletam bitucas em ambientes urbanos e costeiros. Até agora mais de 10.000 bitucas foram coletadas e catalogadas. Em cada uma, os pesquisadores e pesquisadoras checam qual a marca do cigarro. Esse é um passo importante para se fazer valer a logística reversa. Ou seja, precisamos saber quais as marcas que mais contaminam o ambiente para demandar que as empresas da indústria do tabaco sejam responsáveis pelos gastos com limpeza urbana e costeira, além de oportunizar que tais empresas possam elaborar projetos de redução de tais bitucas no ambiente e dos impactos gerados pela sua contaminação.


A reciclagem de bitucas de cigarro apresenta um desafio singular por causa da complexa composição desses resíduos. Ao contrário de outros tipos de plásticos, não é uma tarefa trivial reciclá-las. No entanto, essa complexidade não torna a reciclagem de bitucas insuperável. Surgiram várias iniciativas e projetos voltados para a reciclagem de bitucas, inclusive no Brasil. Um exemplo notável é a Poiato Recicla, localizada em São Paulo, que se destaca como a primeira usina de reciclagem de bitucas do país, com mais de 12 anos de operação bem-sucedida. Além disso, a empresa Coletor Ambiental, em parceria com a usina Conspizza, se dedica a reaproveitar os compostos orgânicos das bitucas. À medida que a conscientização sobre a importância da reciclagem de bitucas cresce, espera-se que mais iniciativas como essas se estabeleçam e se fortaleçam, visto que são essenciais para reduzir o impacto ambiental associado a esses resíduos persistentes.


Ao refletirmos sobre a presença e os efeitos das bitucas de cigarro em nossas praias, somos confrontados com uma realidade que demanda nossa atenção e ação imediata. Nesse texto, vimos que o cenário é mais complexo do que aparenta à primeira vista. As estatísticas impressionantes que revelam a extensão do problema e a composição química desses resíduos, nos alertam para uma ameaça ambiental invisível, mas significativa. Esse problema não afeta apenas nossas praias e ecossistemas costeiros, mas também representa uma ameaça à qualidade da água e à saúde das pessoas que desfrutam desses ambientes naturais. As iniciativas de proibição do fumo em praias e os esforços de reciclagem são passos importantes na direção certa. No entanto, para erradicar completamente esse problema, precisamos ir além. Estudos que identificam as principais marcas responsáveis pela contaminação ambiental abrem uma porta para a responsabilização das empresas da indústria do tabaco. A logística reversa e a demanda por contribuições para a limpeza urbana e costeira podem catalisar mudanças significativas na forma como lidamos com as bitucas de cigarro. Da mesma forma, as iniciativas de reciclagem sinalizam um caminho promissor em direção a soluções mais sustentáveis.


À medida que essas ações se multiplicam e se consolidam, podemos vislumbrar um futuro em que as bitucas de cigarro não mais representem uma ameaça aos nossos ambientes naturais. Mas, além de criar medidas que contribuam para reduzir o problema, começar a diminuir o consumo no mundo seria um importante passo no combate desse impacto ambiental.

 

Referência:

RIBEIRO, Victor Vasques et al. Cigarette butts in two urban areas from Brazil: links among environmental impacts, demography and market. Environmental Research, v. 213, p. 113730, 2022.

 

Sobre o autor:

Victor V. Ribeiro


Engenheiro Ambiental, Especialista em Direito Ambiental, Mestre em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira e Doutorando em Bioprodutos e Bioprocessos. Se dedica a pesquisa sobre poluição e contaminação marinha por resíduos sólidos, transitando entre plásticos, microplásticos, bitucas de cigarro e resíduos perigosos. Link para o currículo: clique aqui.


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