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Maré vermelha: “nunca vi, nem comi, eu só ouço falar!”

Por Beatriz Figueiredo Sacramento e Juliana Ribeiro de Mesquita Coêlho

Ilustração de Luiza Soares


Muito se fala sobre a maré vermelha, mas pouco se sabe sobre isso, especialmente na costa do Brasil. No nosso imaginário, conseguimos relacionar a maré vermelha a algo ligado ao oceano, quando a água apresenta mudança de cor ou “mau” cheiro, e quando apresentamos alguns sintomas depois de ir à praia. Além disso, quando ela ocorre, geralmente há a proibição de se comer mariscos, ostras ou peixes por um determinado período de tempo. Mas afinal, o que é maré vermelha?


A “maré vermelha” é um fenômeno conhecido pelo crescimento excessivo de microrganismos produtores, que vivem no plâncton ou no bentos, ocasionando uma explosão populacional (também conhecida como floração ou bloom). Embora esses organismos sejam pequenos demais para serem visíveis a olho nu, eles crescem em concentrações tão altas, que mudam até a cor da água, que pode ficar marrom, verde ou vermelha. Mas esse fenômeno não tem nada a ver com a maré! Portanto, o termo correto é “Floração de Algas Nocivas” (FANs), o qual foi mencionado pela primeira vez em 1974, durante a 1ª Conferência Internacional de Florações de Dinoflagelados Tóxicos.


Os protagonistas das FANs são organismos que compõem o fitoplâncton ou a comunidade perifítica (organismos que vivem associados a substratos), em sua maioria do grupo dos dinoflagelados e cianobactérias. São microrganismos unicelulares, capazes de realizar fotossíntese, sendo encontrados em meios aquáticos ou úmidos de diversos ecossistemas (Leia mais sobre isso aqui).

Ostreopsis cf. ovata (esquerda) – dinoflagelado epibentônico produtor de toxinas coletado em associação com Sargassum sp., no Parque Natural Municipal Marinho do Recife de Fora, Porto Seguro Bahia. Fonte: Laboratório de Estudos Planctônicos e Divulgação científica (LEPLAD/UFSB) com licença CC 4.0 BY SA.


Prorocentrum lima explorando o ambiente pelo batimento flagelar (dinoflagelados possuem dois flagelos) e sendo “atropelado” por algum coleguinha apressado.


As florações podem ocorrer de forma natural nos mais diversos ambientes aquáticos, sendo essenciais para a produtividade primária desses sistemas. No entanto, são consideradas nocivas (FANs) quando causam impacto ambiental, como formação de manchas, produção de muita espuma na praia, provocam a morte de peixes, aves e baleias ou quando prejudicam a saúde humana, sendo uma ameaça à saúde pública. A temperatura, a luminosidade e os nutrientes disponíveis são fatores que influenciam diretamente no crescimento desses microrganismos. Assim, as condições climáticas e as estações do ano influenciam o desenvolvimento de florações, pois o aumento da incidência de luz solar, a baixa intensidade de ventos e águas quentes e calmas, são usualmente condições favoráveis para o rápido crescimento dessas microalgas.


A poluição dos corpos d’água também pode influenciar as FANs, uma vez que o excesso de nutrientes disponíveis (provenientes da agricultura, chuvas, esgoto não tratado, etc.) no meio aquático é um prato cheio para esses organismos. Assim, as condições físico-químicas e biológicas do habitat são alteradas, acarretando em uma série de efeitos negativos em toda a cadeia alimentar.


As ficotoxinas, toxinas produzidas por algas e cianobactérias, podem se tornar um problema de saúde pública a partir do contato com a toxina aerolizada durante uma floração ou quando entram na cadeia trófica. Assim, o consumo de mariscos (como ostras e mexilhões) e de peixes que se alimentam desses organismos produtores de toxinas podem causar intoxicação em humanos.


As substâncias produzidas pelas cianobactérias são agrupadas em neurotoxinas e hepatotoxinas. Os sintomas das hepatotoxinas incluem fraqueza, náusea, diarreia, vômito e extremidades do corpo frias, enquanto os sintomas das neurotoxinas englobam convulsão, fadiga, tonturas e contrações musculares. A depender da quantidade de toxina ingerida, podem levar à morte por parada respiratória. Já algumas espécies de dinoflagelados, podem produzir toxinas muito potentes, que podem acarretar na morte de peixes e mariscos durante as florações de espécies tóxicas. As principais doenças causadas pelo consumo de dinoflagelados tóxicos (a partir do consumo de mariscos ou peixes contaminados) são o envenenamento diarréico de marisco (vômito, diarreia, náusea, cólicas), ciguatera (náuseas, vômitos, diarreia forte e dor abdominal, mas problemas cardiovasculares e/ou neurológicos também podem aparecer) e envenenamento de marisco paralisante (potencialmente letal, os sintomas incluem náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, formigamento ou dormência ao redor da boca e lábios, pode espelhar para pescoço e face, ser acompanhado por dor de cabeça, dor abdominal, náusea, vômito, diarréia e uma ampla variedade de sintomas neurológicos).


As FANs podem causar uma série de impactos nos ecossistemas aquáticos, tanto marinhos quanto dulcícolas. Pois além da produção de compostos tóxicos, pode ocasionar redução da taxa de oxigênio dissolvido na água - devido à alta taxa de respiração dos organismos fitoplanctônicos e bacterianos (durante o processo de decomposição da floração), entre outros, que afetam diretamente a saúde dos organismos presentes neste ambiente. Consequentemente, os animais dessa região partem em busca de águas com melhores condições ou morrem. Além disso, as FANs atingem diversas atividades comerciais como a aquacultura, as atividades pesqueiras e o turismo. Em regiões que se beneficiam do turismo de “Sol e Mar” e dependem da balneabilidade de suas praias, por exemplo, alterações em relação ao odor e visual do mar podem diminuir a atratividade para os turistas.


Agora que você já sabe um pouco mais sobre a maré vermelha, ops, maré vermelha florações de algas nocivas (FANs), se perceber mudanças na coloração ou cheiro da água, evite permanecer no local. E se você sentir sintomas fortes, como os descritos acima, quando estiver na praia, ou logo após consumir peixes ou mariscos, fique em alerta e busque a unidade de saúde mais próxima de você.

 

Referências ou sugestões de leitura:


COSTA, Ivaneide Alves Soares et al. Florações de Algas Nocivas: Ameaça às Águas Potiguares. FAPERN, Natal, v. 1, ed. 4, p. 14-16, 2006.


LEAL, Ricardo Ferreira; BRAGA, Ana Carolina da Silva. Florações de Algas Nocivas (FANs): Um desafio prático em Oceanografia Costeira. 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/260792836_Floracoes_de_Algas_Nocivas_FANs_Um_desafio_pratico_em_Oceanografia_Costeira . Acesso em: 1 maio 2023.


SCHLEMPER, Susana Regina de Mello. As cores das marés: A construção cultural do conhecimento sobre as marés vermelhas. 2002. 245 f. Tese (Doutorado em ciências humanas - sociedade e meio ambiente) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.


SOUZA, Ediane de Carvalho da Silva; MELLO, Sílvia Conceição Reis Pereira; FILHO, José Teixeira de Seixas. A eutrofização das águas causa malefícios à saúde humana e animal. Semioses, [s. l.], v. 8, ed. 1, p. 44-51, 2014.


BATISTA, Paulo; LUIZ, José; MUCCI, Negrão; et al. Cianobactérias como indicadoras de poluição nos mananciais abastecedores do Sistema Cantareira. 2010. Dissertação (Mestrado) – Curso em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo. 116 p. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6134/tde-08112010-095522/publico/PauloBatista.pdf. Acesso em: 24 de fev. de 2022.


BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cianobactérias/Cianotoxinas Procedimentos De Coleta, Preservação E Análise. Brasília, 2015. 106 p. Disponível em: https://cupdf.com/document/cianobacterias-cianotoxinas-procedimentos-de-coleta-preservacao-e-analise.html. Acesso em: 25 jun. 2022.


MAGALHÃES, Karoline. (2014). Microalgas: ecologia, biodiversidade e importância. In book: IV Botânica no Inverno. p.35-47. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/313302649_Microalgas_ecologia_biodiversidade_e_importancia. Acesso em: 11 de fev. 2022.

 

Sobre as autoras:

Beatriz Figueiredo Sacramento

Sou Bacharela Interdisciplinar em Ciências pela Universidade Federal do Sul da Bahia e atualmente faço parte do curso de Oceanologia na mesma Universidade. A Interdisciplinaridade da Oceanologia e a vontade de entender como o oceano funciona foram o que me fizeram escolher o curso. Tenho interesse na área física e biológica da Oceanologia.









Juliana Ribeiro de Mesquita Coêlho

Graduanda em oceanologia pela Universidade Federal do Sul da Bahia. Apaixonada pelo oceano e com maior afinidade na área física e biológica. Atualmente, sou bolsista de iniciação científica no Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LECOMAR- UFSB). Estudar oceanologia sempre foi um sonho e estar realizando-o agora, tem sido algo que me deixa muito feliz.










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