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Minha vida de Oceanógrafa Geofísica em um ambiente predominado por homens

Atualizado: 17 de mar. de 2020

Por Camila Antunes

Uma história real de muito preparo e decisões difíceis para continuar acreditando na nossa profissão.



Olá, me chamo Camila, tenho 30 anos, sou Bacharela em Oceanografia, formada em 2012 no Centro Universitário Monte Serrat (UNIMONTE) e sou também Marinheira de Convés e Rádio Operadora, meu foco de trabalho é em Geofísica.


Essas três profissões estão tão interligadas na minha vida, que às vezes fica difícil dizer quando começa uma e termina outra.


Para explicar como hoje conquistei minha realização profissional, preciso voltar para 2014. Dois anos após me formar na Universidade, tinha bons estágios no meu currículo (entre eles no Instituto de Pesca e na Companhia Docas (CODESP), ambos do Estado de São Paulo) e falava inglês e espanhol, mas ainda assim estava trabalhando como marinheira numa travessia de ferry boat da minha região, uma ocupação que não era meu objetivo.


Ferry Boat

O ferry boat foi e é um lugar de muitas emoções para mim. Por um lado era ali que eu me sustentava, ganhando dinheiro para pagar meu aluguel e meus gastos. Por outro, eu estava estagnada e muito longe de me sentir realizada como Oceanógrafa. Trabalhei lá de 2010 a 2014, até que um grande amigo e Oceanógrafo, também da UNIMONTE, me deu o primeiro “empurrãozinho”. Ele fazia a travessia frequentemente e assim sempre conversávamos. Uma vez ele disse que entregou meu currículo para a empresa de dragagem que ele trabalhava. Batata, consegui a entrevista! Pedi as contas da travessia e fui para a empresa de dragagem.


Draga Operando

A partir daí, minha vida deu um giro de 180°, me tornei Survey (profissional responsável por realizar hidrografia). Comecei a aprender a fazer levantamentos de batimetria, que basicamente são medidas 3D do fundo do mar, usando equipamentos hidroacústicos, dados de maré e sonda de condutividade, temperatura e profundidade (CTD), formando uma imagem que representa o solo marinho. Esses levantamentos podem ser usados para encontrar objetos como navios naufragados, tubulações de plataformas de petróleo ou, no caso da dragagem, para calcular volume e caracterizar o tipo do fundo.


Cheguei a um ponto no trabalho em que eu já comandava equipes de brasileiros e holandeses. Conheci praticamente todos os estados da costa brasileira, culturas diferentes, aprendi a usar equipamentos de sondagem como SingleBeam, MultiBeam, SideScan, marégrafo, CTD... Assim acrescentei muitas experiências profissionais ao meu currículo. Trabalhei nessa empresa de dragagem por três anos e meio e, criei uma boa bagagem e tanto na área, como oceanógrafa e como gestora.


Claro que passei por algumas situações difíceis, mas essas a gente não posta no Instagram, né? Como chegar a ficar três meses direto a bordo de um navio sem desembarcar ou ficar em terra sozinha numa cidade qualquer, longe dos amigos e da família. Por várias vezes trabalhei por três ou quatro meses e depois ficava apenas uma semana em casa e já tinha que voltar. O celular e computador ficavam 24h ligados para que eu desse suporte, mesmo na folga.



Algumas vezes eu chegava em reuniões em outras empresas e o cliente achava que eu era a secretária do meu gerente, porque esse é um ambiente predominantemente masculino. Muitos se assustavam e pareciam contrariados quando descobriam que eu seria a Survey responsável pelo levantamento e processamento batimétrico daquela região.


Eu era a única mulher que fazia esse tipo de serviço na empresa naquele período e isso me deixava um pouco intimidada. Parecia que eu sempre precisava mostrar mais do que o necessário para executar o trabalho, sentia que sempre precisava provar mais e mais. Ao mesmo tempo, eu sabia que tinha responsabilidade para com as próximas mulheres que estavam por vir naquele mercado de trabalho, porque estava abrindo uma portinha. Pensava que o cliente já não iria ficar com o pé atrás com a próxima mulher que aparecesse para fazer aquele serviço, pois a Camila deu um bom exemplo antes.


Chegou um momento em que minha vida profissional estava nas alturas, mas minha vida pessoal estava longe de ser flores. Mesmo nas folgas eu não tinha substitutos e por isso não conseguia descansar. Foi então que recebi uma proposta para trabalhar em Santos-SP, a 20 min da minha residência, onde meu salário seria um pouco menor, mas eu poderia ir para casa todos os dias. Pedi as contas da empresa de dragagem. Não foi uma decisão fácil, mas foi uma das melhores que tomei até hoje.


Uma frase que aprendi e levo comigo como mantra: “É muito fácil ser workaholic e é muito fácil ser preguiçoso, difícil é você achar um equilíbrio entre os dois”.


Estamos em janeiro de 2018 e comecei meu novo emprego como Survey numa empresa de hidrografia. Agora eu estava do outro lado: se antes eu acompanhava a dragagem, agora eu fiscalizava a dragagem, mais especificamente a do Porto de Santos.


Carta náutica do Porto de Santos

Essa empresa de hidrografia é uma das mais reconhecidas do ramo no Brasil. Ela é responsável pela aprovação de diversas batimetrias do tipo Cat A Especial (NORMAN-25-REV2), que são as batimetrias que mudam a carta náutica, o mapa oficial da nossa zona costeira e marinha. Para conseguir esse feito, obrigatoriamente, a empresa precisa ser reconhecida pela Marinha do Brasil. Centenas de novas cartas são enviadas todos os anos, mas apenas algumas dezenas são aprovadas.


Naquele momento fiquei muito feliz, não só por ir para casa todos os dias, mas também com a experiência que poderia agregar naquele local. Eram muitos equipamentos e softwares diferentes para eu aprender, e a empresa ofereceu cursos, inclusive internacionais. Naquele momento estava me sentindo A profissional no ramo... e completa.


Quando cheguei no primeiro dia de trabalho, conheci uma estagiária de engenharia que, um tempo depois, se tornou auxiliar de batimetria. Ela nunca tinha conhecido uma Survey mulher, então a partir dali eu a “adotei”, ensinando o que eu tinha aprendido e a incentivando para continuar nesse ramo ainda predominantemente masculino. Alguns meses depois havia entrado outra Oceanógrafa como Survey, mas infelizmente ela não ficou muito tempo. Foi meu primeiro contato com outra profissional da área diretamente.


De 2014 até 2018, eu tinha agregado ao meu conhecimento dezenas de softwares utilizados para levantamentos e processamentos batimétricos, falava fluentemente inglês e espanhol. Mas algo ainda me incomodava, porque eu tinha uma certa dificuldade na parte física dos equipamentos. Por exemplo, identificar tipos de cabos, caso tivesse que instalar ou desinstalar alguma configuração, também com a parte do hardware... afinal eu sou Oceanógrafa de formação e não tenho conhecimento de T.I. ou eletrônica.


Então pensei que precisaria estudar mais e mais, e resolvi começar um curso básico de Hardware e Redes. Incrível como a Oceanografia te leva a lugares que você nem imaginaria que tivesse envolvimento direto com o mar.


Uma vez um garoto que estava para se formar em Oceanografia me perguntou: -Camila, como faço para trabalhar na área?


Respondi: - O que você tem além da Oceanografia? Tem estágios? Fala outras línguas? Algum outro curso qualquer? Porque se você vai se candidatar para uma vaga de oceanografia, é óbvio que você é Oceanógrafo, mas o que o mercado quer saber é o que mais você pode oferecer.


Voltando à empresa de hidrografia, trabalhei lá por apenas sete meses. Isso doeu um pouco, pois não imaginava sair do meu emprego anterior onde fiquei tanto tempo para ficar menos de um ano na nova empresa. Tomei essa decisão de sair pois não estava me sentindo confortável com algumas atitudes da empresa. Assim que eu pedi as contas, vieram conversar comigo, mas não tinha mais clima para continuar por lá.


Saí sem perspectivas, desempregada, mas com minha dignidade intacta e com uma conta que me daria uma sobrevida de uns três meses no máximo e bem apertada.


As contas chegando, o psicológico dando tilt. Enquanto passava os dias mandando currículo, criei um tempo para não pensar em besteira e comecei a fazer quadros de nós de marinharia para vender (minha 4ª profissão nas horas livres!). Foi uma experiência bem bacana, mas não queria aquilo para minha vida.


Se tem algo que eu amo é minha profissão de oceanógrafa e queria/precisava voltar para a área. Passado 1 mês, 2 meses... no 3º mês eu já estava surtando! A oferta de emprego não chegava, então decidi abrir minha própria empresa, a CBA Oceanography. E não é que deu certo?!


Não estava nem com o número do CNPJ ainda, quando uma empresa de batimetria offshore entrou em contato comigo, perguntando os valores da minha diária e se eu estava disponível para viajar. Nem acreditei!


Foi meu primeiro passo na área offshore, que são empresas voltadas para o ramo de mar aberto, quilômetros de distância da costa. Utiliza-se equipamentos mais robustos (chamados subsea), e geralmente as operações são voltadas para monitoramento ou instalação de cabos submarinos ou em conjunto com plataformas de petróleo, chegando a mais de 4000 m de profundidade em cada projeto.


Trabalhei por três meses nessa empresa com o objetivo de monitorar o fundo marinho de Natal-RN até Fernando de Noronha, para um lançamento de cabo submarino, onde eu e a equipe saímos numa reportagem do G1 pelo projeto.


Acabou o projeto, mas os amigos ficaram. Um deles, oceanógrafo da UFES, disse que a universidade precisava de um treinamento rápido sobre um software de levantamento e processamento batimétrico, e me perguntou se a faculdade me pagasse poderia ensinar, já que eu tinha experiência.



Óbvio que aceitei!


Janeiro de 2019. Minha primeira turma de Treinamento de Configuração de Multibeam e Softwares, foi incrível! Graduados e mestres em Oceanografia, de olhos e ouvidos abertos para tudo o que eu falava, realmente é algo que vou levar para minha vida.


Interessante como nada é por acaso. Durante o curso um dos alunos me perguntou: - Camila, você está gostando de ser autônoma?

Respondi: -Sim, mas eu deixaria de ser autônoma se uma empresa que eu tenho interesse, e venho pesquisando há um tempo, me contratasse.

Aluno: Qual empresa?

Respondi: - DOF Subsea

Aluno: - Ah, recebi uma mensagem em um grupo que a DOF está com vaga na área de batimetria...


Quando ele falou isso nem acreditei! Peguei o e-mail do contato, acreditando/desacreditando ao mesmo tempo. No dia seguinte mandei um e-mail com meu CV e em umas duas semanas já tinha passado por todas as etapas do processo e conseguido a vaga.


Fevereiro de 2019. Entrei na DOF Subsea, onde pela primeira vez encontrei várias mulheres da área tão capacitadas quanto eu, o que me deu bastante confiança para começar essa nova jornada.


Lá entrei para um outro nicho de batimetria, com veículos submarinos autônomos (AUV), que consiste num veículo que funciona autonomamente coletando informações geofísicas do fundo marinho. Essas informações incluem o processamento e interpretação de dados coletados com equipamentos chamados sonar de varredura lateral (side-scan sonar) e perfilador de sub-fundo (sub-bottom profiler). Elas permitem uma interpretação geológica detalhada do fundo marinho e de subsuperfície a partir dos dados sísmicos, sonográficos e de batimetria, além de realizar o controle de qualidade dos dados de batimetria e backscatter provenientes do ecobatímetro multifeixe. Nesse ramo eu apliquei meus conhecimentos, mas também estive aberta para muitos outros aprendizados na empresa, como atuar em projetos internacionais. Recentemente fui para Angola, onde trabalhei por dois meses, e em breve estarei nos EUA, também com um projeto de AUV.


Esse é um resumo da minha carreira profissional. Gosto de contar para vermos que nem tudo é como a gente imagina, nem fácil ou lindo com as paisagens do Instagram que eu costumo postar. Mas cada conquista e cada obstáculo superado me fizeram ser quem eu sou hoje e me orgulho muito disso.


“Não tenha medo de arriscar”.

 

Sobre a autora:


Camila Basílio Antunes - Oceanógrafa e atua na área de Geofísica. Paulistana raiz e Caiçara de coração, casada a 5 anos, aquariana, gamer e geek; no meu tempo livre estou no meio desse mundo e tenho o mar como meu segundo lar.


Instagram @camih_bas


As imagens contidas nesse post, são de autoria própria.


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