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Minhocas peludas indicam a qualidade ambiental do fundo marinho no Banco dos Abrolhos

Por Michele Quesada-Silva


Todos aprendem na escola a importância da minhoca para os solos terrestres. Mas esqueceram de nos ensinar a importância dos seus parentes para os sedimentos do fundo do mar.


As minhocas peludas na verdade chamam-se poliquetas e não têm pelos, mas sim cerdas (uma mais linda que a outra!). Os poliquetas pertencem ao mesmo grupo das minhocas (Filo Annelida) e, assim como elas, ventilam e irrigam o sedimento, estimulando o fluxo de nutrientes e a degradação da matéria orgânica. Existem no mundo mais de 11 mil espécies de poliquetas, sendo que eles podem ter diferentes tamanhos, hábitos de vida e hábitos alimentares (de herbívoros a omnívoros). Essa grande diversidade de espécies e hábitos faz com que a presença de determinadas espécies, assim como suas quantidades, indique as características do ambiente. Por isso, estes organismos são comumente utilizados por empresas de consultoria ambiental na caracterização e no monitoramento da qualidade do fundo marinho.


Como estudar poliquetas


Os poliquetas adultos são geralmente bentônicos, isto é, habitam os fundos marinhos tanto duros (como por exemplo recifes de corais) quanto os sedimentos. A figura abaixo representa a variedade de métodos para coletar os organismos bentônicos.


Tradicionalmente, o bentos é dividido segundo uma classificação prática baseada no tamanho da malha das peneiras utilizadas para separar esses organismos do sedimento marinho. Animais retidos por uma peneira de 0,5 mm, por exemplo, compreendem a macrofauna bentônica, que é dominada por poliquetas. No entanto, na peneira não ficam só os organismos… então temos que separá-los em grandes grupos (poliquetas, crustáceos, moluscos, etc) através de um esteromicroscópio e, depois, com a ajuda de um microscópio com lentes de aumento mais potentes, podemos identificá-los em nível de espécie. No caso dos poliquetas, as cerdas que eu comentei anteriormente são muito importantes nessa classificação.



Impacto do sedimento terrígeno nos poliquetas ao redor dos recifes de corais do Banco dos Abrolhos


A importância ecológica dos poliquetas fez com que eu tivesse vontade de estudá-los durante a minha graduação em Biologia e o meu mestrado em Oceanografia Biológica. Na ocasião, o Instituto Oceanográfico da USP estava desenvolvendo um projeto nos recifes do Banco dos Abrolhos (“Produtividade, Sustentabilidade e Utilização do Ecossistema do Banco dos Abrolhos – PROABROLHOS”). Os recifes de coral estão em constante modificação, sendo ora construídos pelos corais e algas calcárias, ora erodidos pelas ondas ou por algum organismo, como o peixe-papagaio. Os fragmentos resultantes destes processos de erosão espalham-se ao redor dos recifes de coral, ampliando os limites desse ecossistema. E quais são os organismos que dominam nestes fragmentos de recife? Sim, os meus queridos poliquetas!


A área de estudo do meu mestrado foi o recife Sebastião Gomes, localizado a menos de 20 km da costa da Bahia. O objetivo do meu trabalho era caracterizar a comunidade de poliquetas que vive ao redor de um recife cujo sedimento é formado tanto por fragmentos recifais quanto por partículas finas que são transportadas principalmente do Rio Caravelas para o pé do recife com ajuda das correntes marítimas e dos ventos. Tipicamente, há maior diversidade e abundância de poliquetas em sedimentos mais grossos devido ao maior espaço entre os grãos. 


Na época do meu mestrado, o que me preocupava era o aumento do aporte de sedimentos finos devido ao desmatamento das florestas tropicais costeiras para cultivo de eucalipto. Hoje, o que mais me preocupa é a lama contaminada da mineradora Samarco, que tem sido transportada ora para o sul e ora para o norte, até que atingiu o Banco dos Abrolhos em julho de 2016. Os sedimentos mais finos em regiões recifais não são prejudiciais apenas para os poliquetas, mas também para os corais que formam a estrutura do recife. Além de entupir os pólipos dos corais, a presença desse sedimento fino na coluna d’água também dificulta a penetração da luz, essencial para a fotossíntese das microalgas que vivem associadas aos corais.


Os dados do meu mestrado foram coletados antes do desastre da Samarco e eu acredito que a utilização desses dados para o monitoramento dos recifes costeiros do Banco dos Abrolhos é um bom exemplo de como integrar a ciência básica com a ciência aplicada (Post: Ciência nada básica), porque não é possível monitorar uma área sem saber como ela era antes do impacto ambiental. No momento, estes dados não são estão sendo utilizados, mas eu espero que a sua recém publicação (o artigo acabou de sair no Brazilian Journal of Oceanography) inspire esse monitoramento! 

 

Link para o artigo científico


Link para a dissertação de mestrado

 

Sobre Michele Quesada-Silva:

Sou bióloga (com muito orgulho) e mestre em Oceanografia Biológica, além de ser muito metódica (as fotos das caixinhas com a coleção de poliquetas do meu mestrado exemplifica bem isso) e crítica (construtiva!). Nos últimos dois anos, abandonei os meus queridos poliquetas e participei da coordenação de uma equipe de biólogos e analistas de geoprocessamento responsáveis por avaliar o fundo marinho antes da instalação ou da desinstalação de estruturas submarinas da indústria de óleo e gás. Não me preocupo com os títulos e sim com o aprendizado. Por isso, decidi fazer mais um mestrado! Desta vez, na Europa (Espanha, Portugal e Itália) e focado em políticas públicas que visam um melhor planejamento das atividades que acontecem no ambiente marinho.


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