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Nunca é tarde para florescer!

Ilustração: Caia Colla


Nasci em novembro de 1940, primeira metade do século 20, filha de imigrantes portugueses que vieram para a zona rural e depois migraram para São Paulo em busca de emprego.


São Paulo estava no auge da industrialização, principalmente no que diz respeito à indústria têxtil. As famílias portuguesas eram extremamente patriarcais e, em sua maioria, de baixa renda, vivendo em casas onde abrigavam vários membros de uma mesma família. Na grande maioria dessas famílias, os filhos, quando muito, faziam curso primário e depois iam para o mercado de trabalho. Não foi diferente comigo, pois estudar, segundo o conceito geral, era só para ricos, para o meu desespero, já que sonhava com coisas grandes. Porém, minha trajetória mudou quando conheci pessoas que me ajudaram e consegui entrar no curso ginasial já com 17 anos e em seguida fui para o científico. Toda essa trajetória teve  muitos problemas por conta da grande resistência familiar. Uma formação muito rara para a época. As mulheres bem nascidas faziam escola normal e iam ser professoras primárias, as mau nascidas na maioria dos casos não terminavam o primário.


Com 19 anos comecei a trabalhar como funcionária na Faculdade de Saúde Pública da USP. Depois de fazer um estágio de mais ou menos um ano, consegui ser contratada ocupando o cargo de técnico de laboratório, colaborando com as aulas práticas de bacteriologia e auxílio à pesquisa (1960 a 1968 ).


Com 26 anos me casei. Era a rotina de todas as mulheres da época e também, é lógico, era comum se casar com maridos autoritários e repressores. Eu, como toda mulher da época, fazia o que o marido mandasse, e deixei meu trabalho para ser dona de casa por 20 anos. Tive três filhos que me ensinaram muita coisa e me deram mais força ainda para reverter essa história que não aceitava desde criança. Queria mudança.


Levei essa vida como pude, mas sempre com a ideia de algum dia dar uma girada de 360°.


Entre 1980 e 1985 morei no Estado de Goiás, passando por três cidades Niquelândia, Uruaçu e Goiânia. No início de 1986 voltei para São Paulo determinada a voltar ao mercado de trabalho, e entrei em contato com pessoas que foram meus contemporâneos na Saúde Pública. Em setembro de 1987, então com 47 anos, eu estava de volta, praticamente, ao meu primeiro emprego em um outro tempo e espaço físico diferente. Até o nome havia mudado, e a instituição agora se chamava Instituto de Ciências Biomédicas da USP (São Paulo), fazendo basicamente o que fazia em 1960, me envolvendo com a didática e pesquisa e sempre muito feliz com meu trabalho. Ufa! estava mudando minha história.


Bem, no segundo semestre de 1989 eu arrisquei e prestei vestibular no Mackenzie, em busca do meu segundo sonho: ser química ou matemática. Bem, como a química tinha mais a ver com o que eu fazia, foi nela que foquei. E consegui! Meu nome saiu na terceira lista, foi inacreditável! Comemorei com muito vinho!


Aos 49 anos, segunda metade do século 20, estava eu na sala de aula de uma universidade e levei bem, fui até o fim, trabalhando durante o dia e estudando à noite (anos dourados), me senti como se tivesse a mesma idade da galera e o interessante é que eles me tratavam assim.


Meu outro desafio, mas esse nunca foi meu sonho, foi o mestrado. Fui praticamente empurrada para ele pela Profa. Vivian  Pellizari, agora docente do Instituto Oceanográfico da USP, com quem trabalho até o momento.


Meu mestrado foi no programa de Biotecnologia Interunidades e o tema foi com saneamento básico estudando a presença de Oocistos (uma fase intermediária no ciclo de vida de protozoários) de Criptosporidim em mananciais e água tratada.


Tudo parecia já realizado quando o inesperado aconteceu: “ANTÁRTICA”!!!!!


Em 1998/99 recebi o maior prêmio da minha vida, fui para Antártica, com o projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Rosalinda Montone (IOUSP) do qual também fazia parte a profa. Vivian Pellizari, então docente no ICB-USP. E veja bem, fui porque na última hora a pessoa indicada não pôde ir.  Permaneci na estação durante 3 meses. Fiz coleta de solo e água e processamento das amostra como parte do monitoramento da Baía do Almirantado, local onde fica a Estação Científica Brasileira Comandante Ferraz. Como se uma vez não fosse um sonho, ainda fui mais duas vezes: em 2000/2001, durante dois meses e em 2004 durante um mês.


Com 77 anos estou no IOUSP há sete e me sinto com 30 anos no meio de toda essa energia da juventude! Faço tudo que posso para ver essa gente crescer, acreditar na vida e acreditar que tem muito mais além do que podemos enxergar, pois podemos sentir também. Concluindo, o que mais eu poderia querer?!


Obrigada às pessoas que fizeram parte da minha história de vida, que muito me enriqueceram a ponto de conseguir escrever esse texto.


 

Sobre a autora:

Hoje em dia a Rosa, ou Rosinha como é carinhosamente chamada, está aposentada pelo ICB, depto de Microbiologia, mas trabalha no Laboratório de Ecologia Microbiana (LECOM) do IOUSP desde 2011, a convite da Profa. Vivian Pellizari, com quem trabalha há 30 anos. Além de ser responsável pela administração e logística do LECOM e realização de aulas práticas, salva e inspira a vida de todos os alunos com sua força, dedicação e amor.



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