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O impacto silencioso das espécies exóticas invasoras: o que está em jogo nos ecossistemas insulares?

  • batepapocomnetuno
  • 24 de jul.
  • 5 min de leitura

Por Millena Barreto Hoffmann 


Você sabia que algumas espécies (às vezes algumas mais comuns e carismáticas como os gatos domésticos), podem representar uma ameaça real à biodiversidade e à vida humana?

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Ilustração por Joana Dias Ho.


Embora a maioria de nós as considere parte do cotidiano, espécies exóticas, quando introduzidas em novos ambientes, podem causar estragos incalculáveis. O que são essas espécies? O que acontece quando elas são introduzidas em sistemas insulares, como o arquipélago de Fernando de Noronha? E como isso afeta diretamente os serviços que a natureza nos oferece, como o turismo, a regulação do clima e os recursos naturais essenciais para nossa sobrevivência?


Em um recente estudo publicado na revista Ecosystem Services, investigamos como  quatro espécies exóticas invasoras – o gato doméstico (Felis catus), o teiú (Salvator merianae), o rato-preto (Rattus rattus) e a árvore leucena (Leucaena leucocephala) – impactam serviços ecossistêmicos vitais.


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(A) Gato doméstico (Felis catus) predando o lagarto mabuia (Foto: Guilherme Tavares Nunes); (B) leucena (Leucaena leucocephala) (Foto: Evandro Jolkowski); (C) rato-preto (Rattus rattus) (Foto: Milos Andera); e (D) teiú (Salvator merianae) predando um filhote de tartaruga marinha (Foto: Elizeu Souza Júnior). Licença Creative Commons (CC BY).



Como as espécies exóticas invasoras alteram os ecossistemas?


Para aprofundarmos isso, precisamos entender que espécies exóticas são aquelas introduzidas em um ambiente fora de sua área de distribuição natural (geralmente por ação humana). Quando se estabelecem e proliferam, podem causar impactos ambientais, econômicos e até ameaçar a saúde pública, denominadas portanto como espécies exóticas invasoras.  


Os serviços ecossistêmicos, por sua vez, são os benefícios que a natureza proporciona às pessoas, incluindo a regulação do clima, a provisão de recursos naturais e as oportunidades de lazer e turismo. As espécies exóticas invasoras impactam os serviços ecossistêmicos de diversas formas. Por exemplo, quando uma planta invasora reduz o habitat ecológico de plantas nativas cruciais na regulação de temperatura e precipitação local; ou quando competem com espécies nativas que fornecem recursos alimentares, como frutas e peixes, diminuindo sua disponibilidade; além disso, as invasoras podem alterar a paisagem, tornando o ambiente menos atrativo para o turismo.


No caso de Fernando de Noronha, os efeitos das invasoras são intensificados pela característica da ilha. A proliferação e distribuição dessas espécies são facilitadas pelo seu isolamento geográfico, enquanto as espécies nativas possuem mecanismos de defesa mais limitados contra elas. O estudo identificou 21 serviços ecossistêmicos na ilha, divididos em três categorias: provisão (recursos essenciais), regulação e manutenção (processos ecológicos) e culturais (valores históricos e turísticos).


Veja exemplos do impacto de algumas espécies em Fernando de Noronha:


  • O gato doméstico foi introduzido no arquipélago possivelmente durante o século XVII e atualmente conta com uma população estimada em 1.287 indivíduos na ilha principal, sendo 439 selvagens. Destacam-se como um dos principais responsáveis pelos impactos negativos na fauna nativa, como aves (como o sebito e a cocoruta) e répteis (como a mabuia), além de ser um potencial transmissor de doenças, como a toxoplasmose. 


  • O rato-preto, introduzido possivelmente no século XVI após os primeiros exploradores europeus, também representa uma ameaça significativa, competindo por recursos e servindo como vetor de doenças. Atualmente, esses ratos são encontrados nas ilhas principais e secundárias, mesmo em regiões isoladas e desprovidas de atividade humana.


  • O teiú, foi documentado pela primeira vez em 1950, mas provavelmente chegou antes, potencialmente introduzido para controle de ratos (como os gatos) ou como fonte de alimento de emergência. Os teiús são agora os predadores mais abundantes na ilha, predando uma variedade de espécies nativas, incluindo filhotes de tartarugas. 


  • Já a leucena, uma árvore invasora, foi introduzida intencionalmente para fins como forragem e sombreamento. Desde então, essa espécie se tornou a planta invasora mais disseminada na ilha, reduzindo severamente o espaço para a vegetação nativa, impactando toda a cadeia ecológica.



O que afinal descobrimos no estudo?


Os resultados do estudo indicam que todas essas espécies causam perdas significativas nos serviços ecossistêmicos da região, afetando processos ecológicos essenciais, como a polinização e a diversidade genética, além de comprometerem serviços culturais que sustentam a economia local, como o turismo. Embora a leucena apresente alguns benefícios pontuais, como a proteção contra erosão, sua expansão descontrolada sufoca espécies nativas essenciais para o equilíbrio ecológico.


Para avaliar esses impactos, utilizamos abordagens inovadoras, combinando a Avaliação de Efeitos de Espécies Invasoras (INSEAT) com modelos do software InVEST, o que permitiu mapear as áreas mais vulneráveis à perda de serviços ecossistêmicos. As zonas de vegetação primária, que abrigam as espécies nativas, foram identificadas como as mais ameaçadas, e esse resultado é fundamental para embasar planos de manejo nas unidades de conservação.


Com essas informações, é possível direcionar ações mais eficazes para o controle das espécies invasoras e a conservação dos ecossistemas locais.



Qual é a solução para esse problema crescente?


Os achados da pesquisa reforçam a necessidade urgente de estratégias integradas para o controle de espécies exóticas invasoras em Fernando de Noronha.  É crucial considerar tanto a conservação da biodiversidade quanto a percepção da comunidade local. A gestão dessas espécies é essencial para proteger a biodiversidade nativa e manter os serviços ecossistêmicos. 


Por isso, priorizamos o manejo de alto impacto para gatos domésticos e ratos-pretos, focando ações em áreas vulneráveis, como as primitivas. Além disso, é essencial preencher lacunas de pesquisa, especialmente sobre a leucena, para entender seus papéis ecológicos e informar o manejo direcionado.


Mais do que nunca, devemos promover o monitoramento contínuo e a educação ambiental. Isso garante que escolhas públicas e governamentais sejam feitas com responsabilidade e conhecimento, garantindo que o patrimônio natural de Fernando de Noronha – e de tantos outros ecossistemas – não seja irreversivelmente comprometido. 


Esforços futuros também devem quantificar valores econômicos e culturais dos serviços ecossistêmicos afetados, usando ferramentas como INSEAT e InVEST.  Isso refinará avaliações e apoiará decisões baseadas em evidências. Ao adotar uma abordagem integrativa, reforçamos a relevância global de combater os impactos das espécies exóticas invasoras, apoiando a conservação e a resiliência dos ecossistemas insulares.


O artigo completo foi publicado na revista Ecosystem Services e pode ser acessado pelo link: https://doi.org/10.1016/j.ecoser.2025.101703 


Referências / Sugestão de leitura:


Carleton, M.D., Olson, S.L., 1999. Amerigo Vespucci and the rat of Fernando de Noronha: a new genus and species of Rodentia (Muridae: Sigmodontinae) from a volcanic island off Brazil’s continental shelf. Am. Museum Novitates 3256, 1–59.

Dias, R.A., Abrahao, C.R., Micheletti, T., Mangini, P.R., Gasparotto, V.P.O., Pena, H.F.J., Ferreira, F., Russell, J.C., Silva, J.C.R., 2017. Prospects for domestic and feral cat management on an inhabited tropical island. Biol. Invasions 19, 2339–2353.


Fonseca, F.S., Mangini, P.R., Mello, T.J., Araújo, R., Silva, J.C.R., Micheletti, T., 2021. Feral cat population rises on Fernando de Noronha archipelago: wildlife needs different cat control approaches, and needs it now. Biodiversidade Brasileira 11, 1–9. https://doi.org/10.37002/biobrasil.v11i3.1888.


IPBES. 2023. Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services - Summary for policymakers of the thematic assessment report on invasive alien species and their control of the intergovernmental science-policy platform on biodiversity and ecosystem services. Roy, H. E., Pauchard, A., Stoett, P., Renard Truong, T., Bacher, S., Galil, B. S., Hulme, P. E., Ikeda, T., Sankaran, K. V., McGeoch, M. A., Meyerson, L. A., Nunez, M. A., Ordonez, A., Rahlao, S. J., Schwindt, E., Seebens, H., Sheppard, A. W., Vandvik, V. (Eds.). Bonn: IPBES secretariat. DOI: 10.5281/zenodo.7430692.


Mello, T.J., Oliveira, A.D., 2016. Making a bad situation worse: an invasive species altering the balance of interactions between local species. PLoS One 11, e0152070. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0151707.

 

Sobre a autora:

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Graduada em Ciências Biológicas com Ênfase em Biologia Marinha e Costeira (UERGS/UFRGS) e atualmente mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia (UFRGS), Millena já investigou os efeitos de espécies invasoras em Fernando de Noronha e atuou como IC no projeto "Uso tridimensional por aves marinhas e peixes-voadores no arquipélago de São Pedro e São Paulo". Atualmente, realiza sua pesquisa de mestrado sobre a ecologia individual de aves marinhas contaminadas no Arquipélago dos Abrolhos. 


Apaixonada pelo mar, pratica natação sempre que possível para manter o contato com a água. Além disso,  acredita que a ciência só tem valor quando compartilhada, dedicando-se também à educação ambiental e divulgação científica.


Para contato, seu e-mail é millenahoffmann@gmail.com.




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