Por Carolina Maciel
Não é novidade existirem alunos reclamando sobre a pós-graduação. Os comentários são sempre os mesmos: “isso me deixa nervoso”, “não estou conseguindo fazer isso”, “não vou conseguir entregar a dissertação/tese no prazo”, além do clássico: “estou cansado(a)!”.
Depois de 4 anos exaustivos e uma média de 140 provas sobre diversos assuntos , como num passe de mágica eu finalmente repousaria no “paraíso da pós-graduação”, mesmo sem a advertência sobre as seis horas diárias de dedicação aos estudos para conseguir o tão sonhado lugar na universidade pública.
Os motivos para que alunos recém-formados procurem a pós-graduação são muitos: realização profissional, pessoal, pressão de terceiros, indecisão na carreira, oportunidade de renda, etc., e independente de qual seja o motivo, a maioria das pessoas procura fazer o seu melhor trabalho.
Assim como eu, muitos sonham em se especializar na área que mais teve afinidade na graduação, vendo o mestrado (ou doutorado) como uma opção de aprofundar seu conhecimento. Até aí, nenhum problema em vista.
O problema começa na forma em que a pós-graduação é encarada pelos alunos, pesquisadores e universidades. A regra da pós-graduação é levar os alunos até o seu limite: sono atrasado para cumprir prazos apertados, relatórios, matérias de especialização, progresso na pesquisa, cobranças do orientador...
Cobranças, sono atrasado, estresse e vida social restrita: bons ingredientes, que misturados, dão uma boa porção de distúrbios psicológicos. Não foi diferente comigo. Eu sempre achava: “tenho que tomar cuidado, mas é LÓGICO que isso não vai acontecer porque estou no controle”.
Ilustração: Caia Colla
Num dia ensolarado, trocava a praia pelo computador para começar a analisar meus resultados, quando, de repente, um clarão invadiu meus olhos, esqueci completamente meu nome, os comandos do programa que utilizava de olho fechado, o que eu estava fazendo de frente para o computador... E então eu senti um vazio extremo, como se todo o esforço e conhecimento tivessem desaparecido. Me vi no fundo do poço.
Hoje sei que o que tive foi apenas uma das muitas crises de ansiedade causadas pela pós-graduação, o que me levaram a procurar ajuda psicológica externa. A pós-graduação tinha se tornado um peso para mim e que se eu continuasse a carregá-lo, iria entrar em depressão. Com essas palavras, eu resolvi parar.
A pós-graduação nunca me ensinou a parar, e sim a continuar exaustivamente até conseguir minha melhor performance na pesquisa. Mas o que não te ensinam é que o cansaço estraga tudo e pausas (como férias) são extremamente importantes para a produtividade e manutenção da saúde mental.
As pausas dentro da pós-graduação não são bem vistas. Já que a gente “só estuda”, por que tirar férias? Pois é, se consultar o site do CNPq (principal órgão brasileiro financiador de pesquisas), não existe férias para alunos de pós-graduação. A dedicação deve ser exclusiva.
Nesse processo de adoecimento pela pesquisa, passei por crises de choro, inseguranças sobre o que estava fazendo no laboratório, ilusão de perseguição pelos meus amigos de trabalho, sentimento de que não era boa o bastante e o mais extremo de todos: o sentimento de que se eu tirasse a própria vida, o sofrimento de me sentir inferior na pesquisa, pararia.
E essa não é uma realidade distante. Há alguns dias infelizmente perdemos um aluno de pós-graduação do Instituto Biociências da Universidade de São Paulo, vítima de distúrbios psicológicos relacionados à pós-graduação.
A universidade e a ciência no país são completamente ingratas. E desde o dia em que eu não via mais sentido em viver, ressignifiquei tudo na minha vida. O que incluiu a minha relação com a pós-graduação.
Reclamamos dos nossos orientadores, mas eles também são cobrados tanto quanto nós, criados nesse sistema onde o seu sobrenome e ano de publicação valem mais e são treinados dentro das universidades para explorar o potencial de cada aluno.
A universidade não está pronta para considerar a questão mental nos programas de pós-graduação. Não nos sentimos acolhidos, e sim num campo de batalha: “aos vencedores, os artigos científicos!”. Sustentar a própria pesquisa no ambiente hostil das universidades torna os alunos e pesquisadores exaustos, aumentando as chances de desenvolver distúrbios psicológicos sérios como a depressão.
A insegurança sobre o financiamento de nossas pesquisas no país é um fantasma que nos assombra e contribui para que nossa saúde mental seja afetada; afinal, hoje fazemos pesquisa, mas amanhã, não sabemos como nos manter financeiramente fazendo o que amamos no laboratório.
Então qual seria a solução? Garanto que pausas resolvem parte do problema. Se dedicar ao que gosta (por mais clichê que seja) também é importante. Eu por exemplo, comecei a meditar, virei vegetariana e estou começando a empreender em algo que gosto. Fazendo isso, treinei a minha mente para não sentir culpa de viver além da pós-graduação e passei a me ver também como “pessoa”, além de “pesquisadora”.
Fazer ciência é uma viagem prazerosa, mesmo que às vezes existam pontos de stress (stress saudável existe, sabia?). Se procurarmos no dicionário, “ciência” não é sinônimo de “sofrimento”. Desde que entendi isso, passei a relaxar, curtir a viagem sem pensar tanto no destino.
Dedicação exclusiva sem férias é a regra da pós-graduação no país, mas pela minha saúde mental, eu resolvi ser exceção. Os resultados só foram positivos: a minha produtividade aumentou, as minhas relações interpessoais melhoraram, me apaixonei novamente pela pesquisa e consegui reencontrar o motivo pelo qual comecei a pós-graduação.
Não é normal nenhum tipo de sofrimento causado pela pesquisa na pós-graduação. Nem pequeno, nem grande. Por isso, se já está na pós-graduação ou ainda pretende ingressar, vai meu conselho: cuide muito bem da sua saúde mental.
Sabemos o quão difícil foi o caminho até aqui e desistir do que se ama não deve ser uma opção. Sempre existe um jeito mais leve de se encarar a pesquisa. Que tal começar a experimentar?
Sobre Carolina Maciel:
Bióloga marinha pela Universidade Santa Cecília, atual aluna de mestrado do programa de pós-graduação em Oceanografia da USP. Ama o mar e seus mistérios. Educação é sua paixão e autoconhecimento é sua palavra.
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