Para quem tem medo de tubarão
- batepapocomnetuno
- 22 de mai.
- 5 min de leitura
Por Antonio Mattos Levorin e Gabriel Yudi Campana Narumya

Ilustração de Natasha Hoff.
Quase sempre que se fala em tubarão a principal palavra associada é “ataque” ou “fatal”. Na realidade, isso não é bem assim. Primeiro porque o termo “ataque” não é o mais adequado, pois o que acontece é um encontro acidental, sem querer, um incidente. Afinal, o tubarão não nada por aí pensando em agredir um ser humano. Segundo, porque o número de incidentes com tubarões é muito baixo. Muito baixo mesmo! Por exemplo, em 2022, apenas 5 pessoas morreram no mundo por incidentes com tubarão. Em comparação, morrem por ano, em média, 150 pessoas por queda de coco na cabeça. Sim, é isso mesmo! Se é para se preocupar com alguma força da natureza assassina, que tenhamos medo dos cocos (imagine se, ao invés de uma maçã, Newton recebesse um coco na cabeça?!). Mas, então, já que a chance de uma pessoa ter um incidente com um tubarão é tão pequena, por que estamos constantemente com medo quando entramos no mar, e, por que parece que sempre estamos escutando sobre incidentes?
Para entender porque sentimos tanto medo dos tubarões, é preciso olhar um pouco para o passado. A imagem do tubarão como devorador de pessoas foi sendo construída ao longo da história. No século XVIII, um naturalista renomado chamado Carolus Linnaeus, que viveu entre os anos 1707-1778, criou o que seria a base para a classificação e nomeação dos seres vivos como conhecemos hoje. Seu trabalho foi essencial para o andamento da ciência e para o surgimento de sistemas mais complexos de classificação dos seres vivos, mas também foi uma das causas para essa imagem dos tubarões que temos hoje. Ao descrever as espécies, Linnaeus atribuiu algumas características, que hoje em dia, sabemos que não são as mais adequadas para estudos de classificação. Uma dessas foi a de que tubarão branco “ataca”, “tem dentes de armadura” e que seria o provável responsável por “devorar Jonas”. Essa é uma possível interpretação de uma passagem bíblica sobre quando “um grande peixe” engoliu o personagem. Ou seja, as evidências de que os tubarões atacam e comem as pessoas não eram bem claras… Porém, isso foi suficiente para criar essa imagem ameaçadora, e ela foi sendo reforçada e difundida ao longo do tempo, principalmente pela mídia.
Um dos problemas de como a mídia lidou com esses “encontros com tubarões” foi a forma com que classificou essas interações: na enorme maioria das vezes, criou-se uma visão mais sensacionalista (que chama mais atenção dos leitores) de categorizar os encontros como “ataques”, quando, na realidade, existe uma grande variedade de interações com os tubarões, e já vimos que os incidentes e fatalidades são uma parte muito pequena disso. Tudo isso foi potencializado no fim do século passado quando, em 1975, estreou o grande sucesso do cinema “Jaws” (que em inglês significa mandíbula, mas, no Brasil, o filme foi chamado apenas de Tubarão), consolidando essa imagem que as pessoas já tinham dos tubarões como “monstros com gosto por carne humana”.
Apesar de todo esse medo e esses mitos sobre os tubarões, muitos estudos sobre o comportamento desses animais foram feitos, e há um consenso na comunidade científica: seres humanos não estão no “menu” dos tubarões. A maioria dos acidentes que envolvem mordidas não são fatais, e os animais costumam “cuspir” após a mordida. Então, o que pode estar causando esses acidentes?
Na maioria das vezes, as vítimas de mordidas são surfistas e bodyboarders. Isso pode acontecer porque eles provavelmente são confundidos pelos tubarões com outros animais aos quais se assemelham, como tartarugas ou lobos-marinhos. Existem também, outros fatores que podem estar contribuindo para que acidentes com tubarões aconteçam com uma frequência maior do que a esperada, como foi o caso da cidade de Recife entre 1992 e 2006. Lá, a construção do Porto de Suape possivelmente levou ao deslocamento de tubarões-cabeça-chata para longe de áreas previamente utilizadas para reprodução e alimentação costeira. Esses tubarões, seguindo as correntes predominantemente para norte, podem ter migrado para o estuário do Rio Jaboatão, próximo a canais frequentados por humanos. No rio Jaboatão, ocorre o descarte de sangue e vísceras, e ele deságua justamente na região em que foram registrados os acidentes com tubarões (dê uma olhada no mapa abaixo). Um caso bastante semelhante foi observado em Mogadíscio, na Somália, onde um aumento drástico no número de acidentes com tubarões ocorreu depois da construção de uma estrutura portuária na região, associada à operação de um matadouro já existente. Esse cenário, por sua vez, pode ser agravado pela destruição de seus habitats naturais, como recifes de corais e manguezais, devido à poluição e às mudanças climáticas. A perda desses habitats pode levar esses peixes a procurar alimentos em regiões próximas às praias, aumentando, portanto, as chances de contato com humanos.

Mapa ilustrativo mostrando a localização do Matadouro Municipal de Jaboatão, Rio Jaboatão e do Porto de Suape e o fluxo dos tubarões após a construção do porto em 1978. Produzido pelos autores, Antonio Mattos Levorin e Gabriel Yudi Campana Narumya. Licença CC BY 4.0
Os tubarões são predadores de topo nas cadeias alimentares marinhas e, por isso, desempenham um papel crucial na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas. Eles ajudam a controlar populações de peixes, impedindo que espécies específicas se tornem superpopulosas e ameacem o equilíbrio ecológico. Com o declínio das populações de tubarões devido à pesca predatória e à destruição de habitats, observa-se um efeito cascata, com desequilíbrios que afetam desde pequenos peixes até organismos de maior porte.

Homem devorador de tubarão. Imagem produzida através de Inteligência Artificial (Microsoft Copilot AI) pelos autores Antonio Mattos Levorin e Gabriel Yudi Campana Narumya. Licença CC BY 4.0
Ter medo de tubarões, como vimos, pode ser um exagero (já que os encontros com mordidas ou fatalidades são muito raros em humanos), mas o que ocorreu e vem ocorrendo com os tubarões em resposta a esse medo não é justificável. Por ano, são mortos cerca de 80 milhões de tubarões (2019). Se alguém deveria ter medo, são os tubarões de nós, humanos, e não o contrário.
Referências
Neff, Christopher, and Robert Hueter. "Science, policy, and the public discourse of shark “attack”: a proposal for reclassifying human–shark interactions." Journal of environmental studies and sciences 3 (2013): 65-73.
Hazin, Fábio HV, George H. Burgess, and Felipe C. Carvalho. "A shark attack outbreak off Recife, Pernambuco, Brazil: 1992–2006." Bulletin of Marine Science 82.2 (2008): 199-212.
Sobre os autores:

Sobre Gabriel:
Estudante de licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas pela USP, com enfoque em educação básica e Ensino por Investigação. É estagiário na área de Biologia no Colégio Bandeirantes e professor voluntário no Cursinho Popular da FFLCH, além de atleta universitário e melhor amigo do Antônio.
Sobre Antônio:
Estudante de licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas pela USP, com enfoque em educação básica e pesquisa em Ciência da Conservação com a Profa. Dra. Renata Pardini. É estagiário pela CETESB e professor voluntário no Cursinho Popular da FFLCH, além de atleta universitário e melhor amigo do Gabriel.
Gabriel e Antônio elaboraram este texto como projeto da disciplina “Divulgação Científica e cultura Oceânica”, ministrada pela editora do BPCN e Prof.ᵃ Dr. ᵃ Cláudia Namiki, do curso de Bacharelado em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
Commentaires