Por Juliana Leonel
“Professora Juliana veio vestida de aluna hoje.”
“Está indo à praia, Professora?”
“Olha lá, ela vem para a universidade de bermuda.”
Essas são apenas alguns dos comentários que já ouvi sobre como me visto. Na primeira, estava de calça jeans, camiseta e tênis; na segunda com uma saia longa e estampada; e na terceira com uma bermuda que ia até o joelho (e tenho certeza que se estivesse de saia - mesmo que fosse uma mini-saia - não teria causado tamanha surpresa no interlocutor).
Apesar de serem frases que foram expressadas de forma passiva-agressiva com o intuito de diminuir minha competência profissional a partir de como me visto, não há nada de novo nelas. A "cobrança" silenciosa - ou nem tanto - por um código de vestimenta adequado (segundo quem?) a ser seguido pelas mulheres não é algo recente. Pelo contrário, talvez só recentemente começou a diminuir a demanda para as cientistas vestirem-se de forma austera (= discreta e se assemelhando aos homens).
Na década de 1950, para estudantes do ensino médio americano, a imagem de um cientista era de um homem, de meia idade (ou idoso) que usa óculos e trabalha de jaleco em um laboratório; com ou sem barba, mas sem muita atenção para sua aparência. Três décadas depois, as coisas não tinham mudado muito, e as crianças continuavam descrevendo os cientistas como homens (e brancos) e meio desleixados com a aparência.
Todas essas descrições tiveram um papel importante no delineamento da imagem da mulher cientista; a começar pelo fato que a ciência não deveria ser exercida por mulheres. E, por isso, qualquer uma que quisesse traçar esse caminho tão "não-natural" para as mulheres, deveria fazer todo o possível para não ser reconhecida como tal. O irônico aqui é que, apesar do cientista ser descrito como alguém sem muita atenção a sua aparência, das mulheres era cobrado que houvesse tal atenção, mas com o objetivo da mesma se camuflar nesse universo dominado por homens. No seu livro “O Feminismo Mudou a Ciência”, Londa Schiebinger afirma que “as mulheres bem sucedidas em campos tradicionalmente masculinos geralmente assimilam ou são assimiladas a códigos masculinos de honra”.
No século XIV, Novella d'Andrea dava aula atrás de uma cortina para "não distrair os estudantes com sua beleza"; no século XVIII, a matemática Sophie Germain só teve "acesso" à educação superior porque usou o nome de um homem. Mais recentemente, no século XX, a química Geri Richmond foi aos poucos abandonando seus vestidos, esmaltes, maquiagem e até mesmo sua loção para mãos com receio que o cheiro fizesse as pessoas a sua volta lembrar que ela era uma mulher. Da mesma forma, a astrônoma Anne Kinney deixou seus vestidos da moda de lado - pois estavam chamando muita atenção - e passou a usar apenas calça jeans e camisa xadrez.
Professora de direito Novella d'Andrea
Ao mesmo tempo em que ter uma “aparência feminina” poderia ser um problema, cientistas também foram criticadas por não exibirem os atrativos/características esperados em uma mulher: James Watson expressou que Rosalind Franklin poderia ser mais atraente caso se vestisse melhor; a matemática alemã Emmy Noether era chamada de “der Noether” (“der” é pronome masculino em alemão) porque era uma grande pesquisadora e isso não era “esperado” de uma mulher; logo, precisam transformá-la em um homem.
Matemática Emmy Noether
Ainda hoje, mesmo com códigos de vestimenta menos rígidos, muitas mulheres seguem certos padrões para evitar tanto serem desacreditadas como para evitar comentários/olhares de cunho sexual: há aquelas que preferem nunca usar roupas justas ou curtas; outras preferem cores mais sóbrias ou “terninhos”; algumas preferem estar sempre bem vestidas e maquiadas para não serem lidas como desleixadas. Os padrões mudam entre as diversas áreas da ciência, mas a verdade é que ainda existe julgamento sobre como mulheres se vestem ou se portam.
É muito importante enfatizar que toda a reflexão até aqui foi do ponto de vista de mulheres cientistas brancas e com exemplos dos EUA e da Europa. No caso de pesquisadoras afrodescendentes, há ainda um outro código ao qual devem se enquadrar para serem aceitas: assimilar a imagem de mulher branca. Da mesma forma, mulheres islâmicas também precisam se encaixar aos “padrões ocidentais”. Um exemplo disso são as leis francesas que proíbem o uso da burca e do lenço em locais públicos (incluindo instituições de ensino) e até mesmo nas escolas. Ainda que haja um movimento para mudar isso, não podemos negar que temos um longo caminho pela frente.
Sobre a autora:
Formada em oceanologia na FURG com doutorado em oceanografia química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente, é professora adjunta na UFSC. Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril/20 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). Participa do BPCN desde 2018 como editora e é uma das responsáveis pela página no twitter. É a chata dos "direitos autorais" e quer que todos usem/produzam material livre com licença creative commons.
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