Ostras e riscos invisíveis
- batepapocomnetuno
- há 6 dias
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Por Adrielle Beatrice do Ó Martins
Você já comeu aquela ostrinha na praia com sal e limão? Ou aquela gratinada cheia de queijo? Se você mora no litoral ou visitou uma das praias da costa brasileira, possivelmente teve a oportunidade de provar essa iguaria. Mas você também já se perguntou de onde ela veio ou como era o ambiente onde ela estava antes de chegar até seu prato?
As ostras estão presentes em diferentes ambientes costeiros aqui no Brasil. Há espécies que vivem melhor em águas salgadas, como a Ostrea equestris, e aquelas que prosperam em ambientes de transição, como manguezais e estuários, onde há uma variação da salinidade. Este é caso da Crassostrea rhizophorae, que ocorre principalmente nas regiões mais tropicais do país (Nordeste, Norte e parte do Sudeste) e da espécie Crassostrea gasar, que também é típica de locais de transição, porém ocorre com maior frequência nos estados do Sul e Sudeste do Brasil. Outra espécie comum na costa do Brasil, mas que não é nativa daqui, é a Crassostrea gigas (recentemente renomeada para Magallana gigas); ela é uma espécie originária do Oceano Pacífico, mas que foi intencionalmente introduzida no Brasil, principalmente para o cultivo, e se adaptou muito bem e hoje é a espécie mais produzida em cultivos na costa brasileira. Santa Catarina é o maior produtor de ostras no Brasil, responsável por até 94% da produção nacional, possuindo extensas fazendas de ostras desta espécie.
As ostras são organismos bivalves (moluscos formados por duas conchas) e, por serem filtradores, têm grande valor do ponto de vista do monitoramento ambiental. No processo de se alimentar de partículas suspensas na água, a água também passa pelas suas brânquias, onde ocorre a troca gasosa (respiração). Além disso, as ostras vivem fixas a substratos (rochas, raízes, etc) e, por isso, tudo o que ingerem representa o material a que foram expostas naquele ambiente, diferente de peixes e golfinhos, por exemplo, que podem se alimentar em diferentes regiões. Por fim, o seu metabolismo é consideravelmente mais lento do que outros animais com nível trófico mais alto (como caranguejos e peixes). Dessa forma, as ostras são classificadas como bioindicadores de contaminação e amplamente usadas em trabalhos sobre ocorrência e distribuição de contaminantes no ambiente costeiro.
Durante o mestrado, eu realizei um estudo com ostras de mangue na região metropolitana de Salvador - Bahia para avaliar a presença de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) em Crassostrea rhizophorae da Baía de Todos os Santos (Bahia, Brasil). Os resultados mostraram um aumento da contaminação por hidrocarbonetos de petróleo principalmente em regiões de portos. Outros estudos mostram a influência dos efluentes domésticos e/ou industriais regulares (ou não) nas ostras, apontando riscos de contaminação microbiológica. Hoje, meu foco de pesquisa está na identificação e quantificação de contaminantes de característica emergente - que são contaminantes que já estão presentes no ambiente há bastante tempo, mas apenas com o avanço tecnológico das últimas décadas, foi possível identificá-los em amostras ambientais - nesses organismos. Atualmente, meus estudos estão focados na avaliação da presença de fragrâncias e filtros solares em ostras na região da Grande Florianópolis. Mas isso é papo para uma próxima conversa, prometo trazer os resultados!
Enquanto isso, reflita aqui comigo… Sabendo da capacidade das ostras de reter contaminantes, será que precisamos parar de consumí-las? Não, não é para você parar de consumir ostras, mas sim saber identificar o que está consumindo e escolher a melhor opção para a sua saúde. Saiba que as ostras provenientes de ostreiculturas fiscalizadas passam por um rígido controle de qualidade sanitário pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), através do Programa Nacional de Moluscos Bivalves Seguros – o MoluBiS. O MoluBiS coleta e analisa tanto a ostra quanto a água do cultivo, verificando a presença de contaminantes microbiológicos, microalgas nocivas, ficotoxinas, contaminantes inorgânicos e até os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. Bacana, né? Nosso desejo é que essas análises sejam ampliadas também para outras classes de contaminantes, como os pesticidas e bifenilas policloradas.
É bom saber que o MAPA implantou e coordenou procedimentos desde os grandes produtores até as pequenas associações de marisqueiros para que esse molusco chegue até você sem risco para sua saúde, não é mesmo? Mas, infelizmente, esse programa ainda não abrange toda a costa brasileira devido à falta de infraestrutura laboratorial, logística e cooperação entre órgãos, estando presente apenas em áreas onde a ostreicultura está consolidada, como as regiões Sul e Sudeste do Brasil, além dos estados da Bahia, Pará e Maranhão. Outras formas de regularização seriam a adesão dos produtores ao programa por meio de cooperativas, órgãos estaduais ou pelas universidades e as regularizações coletivas. Portanto, fique atento: apenas ostras oriundas de áreas monitoradas e classificadas - dentro do MoluBiS ou de um sistema equivalente aprovado pelo MAPA - podem ser comercializados legalmente.
Para quê se arriscar comendo em locais onde você não sabe a procedência? Então, fique ligado e se atente a alguns pontos importantes na hora de adquirir as suas ostras:
1) Certifique-se da procedência (a melhor forma é perguntando se as ostras vem de área cadastrada no MoluBis e pedindo a identificação do produtor e número de inspeção);
2) Compre em locais confiáveis (prefira sempre as peixarias, mercados e restaurantes regularizados);
3) Evite o consumo durante eventos de florações de algas nocivas ou após chuvas intensas; e
4) Dê preferência às ostras cozidas (isso evitará possíveis problemas microbiológicos).
Seguindo esses conselhos, você vai poder aproveitar a gastronomia multifacetada do Brasil sem medo!
Para mais informações:
Sobre a autora:

Formada em Engenharia Ambiental e Sanitária pela UNIFACS com mestrado em Geoquímica e doutorado em Energia e Meio Ambiente pela UFBA. Fiz doutorado sanduíche na Universidade de Cádiz para compreender melhor os contaminantes emergentes e uma expedição para Antártica mudou meu modo de ver o mundo. Atualmente estou finalizando um pós-doutoramento em Oceanografia na UFSC, avaliando as ostras aqui da região Sul do Brasil. Sempre tive fascínio pelos organismos bivalves e desenvolvimento de métodos analíticos, então estou sempre associando esses dois mundos no meu dia a dia (junto com um bolinho e brigadeiro de café).




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