top of page

Pesquisando nas ilhas remotas do Brasil

Atualizado: 2 de fev. de 2019

Por Fernanda Imperatrice Colabuono


As ilhas oceânicas brasileiras são geralmente pouco conhecidas pela maioria da população, porém possuem uma grande importância estratégica, econômica, e claro, científica. São locais que abrigam uma vida riquíssima, incluindo algumas espécies endêmicas, ou seja, que só existem naquele determinado local. Duas destas ilhas, Fernando de Noronha e Abrolhos, são habitadas e/ou utilizadas para o turismo, ainda que com restrições. Outras três ilhas, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, o Atol da Rocas e a Ilha da Trindade, ainda são lugares remotos, pouco conhecidos e com acesso mais restrito ainda. Durante o meu doutorado no Instituto Oceanográfico, eu tive a oportunidade de participar de expedições científicas a estes três locais, através de um projeto de pesquisa que tinha como objetivo estudar a ocorrência de poluentes orgânicos persistentes em locais remotos.

Fig.1. Localização das ilhas e arquipélagos oceânicos brasileiros e distância das capitais mais próximas. Fonte: Almeida, F.F.M. (2006).

Foto: Fernanda Colabuono.


O Arquipélago de São Pedro e São Paulo fica a aproximadamente 1.100 km da costa do Rio Grande do Norte, ou seja, quase na metade do caminho entre o Brasil e a África. São as únicas ilhas oceânicas brasileiras localizadas no hemisfério norte. O trajeto saindo da cidade de Natal até o Arquipélago de São Pedro e São Paulo é feito em um barco de pesca e leva cerca de três dias para chegar. Minha ida para lá foi em março de 2009 e me lembro que ao chegar no Porto de Natal e conhecer a embarcação que transportaria eu e mais três pesquisadores, além da tripulação, foi difícil acreditar à primeira vista que iríamos cruzar quase metade do Oceano Atlântico daquela maneira. É claro que deu tudo certo, pois muitos outros pesquisadores já haviam feito e ainda fazem esta viagem. 

Embarcação para ir de Natal ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Foto: Fernanda Colabuono.

Os pescadores eram experientes e a condição do mar ajudou muito. Chegando nas proximidades do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, pudemos avistar apenas um conjunto de pequenas ilhas rochosas. Estas ilhotas são, na verdade, os picos emersos da cordilheira submarina dorsal meso-atlântica, que se estende por todo o Oceano Atlântico, desde a região Antártica até o Ártico. Ao desembarcar na Ilha Belmonte, que é a principal ilha do arquipélago e é onde se encontra a estação científica, logo se percebe que as aves ocupam todos os espaços disponíveis possíveis da ilha, seja com seus ninhos ou apenas como local de repouso. Os atobás, os principais “anfitriões” do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, dominam o espaço da ilha e recebem todos os seus visitantes com fortes bicadas. Espaço é um fator limitante para estas aves, que estão sempre tentando defender seus territórios, da mesma maneira que fazem com os indivíduos de sua própria espécie.

Foto: Fernanda Colabuono.


O Atol da Rocas, também localizado próximo a linha do Equador é, na minha opinião, um dos lugares mais bonitos e bem preservados que existem, graças a coragem e perseverança das pessoas que trabalham e cuidam tão bem daquele local. Aliás, estas são as duas principais qualidades que é preciso ter para trabalhar com conservação ambiental. No início de 2010, eu passei cerca de 20 dias realizando coletas no Atol da Rocas, que incluíam a amostragem de plásticos ao redor da ilha. Estes plásticos chegam diariamente de fontes distantes, provavelmente vindos de outras ilhas, do continente e de embarcações, e acabam se acumulando nas praias do Atol. É impressionante como algumas ações humanas conseguem impactar locais tão distantes e que às vezes nem sabemos que existem.

A minha última expedição foi para a Ilha da Trindade, em janeiro de 2012. A Ilha da Trindade é a maior de todas as três ilhas e está localizada a cerca de 1.200 km, fazendo parte da cadeia de montanhas submarinas Vitória-Trindade. A ilha abriga diversas espécies de aves, invertebrados e peixes, é um importante local de reprodução para as tartarugas marinhas e possui uma flora rica em diversidade. Desde seu descobrimento, há centenas de anos, a Ilha da Trindade vem recebendo visitas de navegadores e pessoas ilustres como o astrônomo Edmund Halley e o naturalista James Cook. Consequentemente, também vem sofrendo o impacto de ações humanas, como a introdução de animais exóticos, que resultaram na modificação do ambiente, causando efeitos negativos que podem ser vistos até hoje. Atualmente, estão instalados na ilha o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade, comandado pela Marinha do Brasil e uma Estação Científica, que é utilizada por pesquisadores de diferentes partes do país.

Foto: Fernanda Colabuono.


Participar destas expedições, me proporcionou a incrível oportunidade de conhecer ecossistemas tão diferentes, viver o dia a dia destes locais, observando o comportamento dos animais e adquirindo conhecimento através da experiência, como faziam os naturalistas a décadas e décadas atrás. Passar algum tempo (mesmo que curto) em locais onde você tem que se adaptar a ambientes tão distintos do que estamos acostumados, foram experiências de auto-conhecimento, desapego e superação. Muitas vezes a comunicação com o mundo exterior é limitada, ou não é possível, e você tem que lidar com o fato de que não terá notícias de seus familiares e amigos por um tempo, e nem eles de você. Passar um mês tomando banho apenas com água do mar, ou não ter um banheiro de verdade para usar, pode parecer um pouco estranho, mas acabamos nos adaptando. No fim, algumas destas experiências que até assustam um pouco no começo, acabam se tornando agradáveis e depois até sentimos falta.


A sensação que tive ao conhecer locais como estes, onde a natureza é predominante, é de que você é apenas um visitante, que não faz parte daquele lugar e nem sequer foi convidado para estar ali. Apesar deste comentário soar um pouco negativo, a intenção é mostrar o quão forte é a presença da natureza em locais onde o ser humano ainda não conseguiu modificar e se impor. São locais que pertencem à fauna e flora que ali habitam, aves, peixes e diversos outros seres que se adaptaram por milhares de anos a estes ambientes. E seria ótimo se conseguíssemos mantê-los sempre assim.

 

Sobre Fernanda Colabuono:

Fernanda Imperatrice Colabuono é biológa e trabalha com aves marinhas desde 2001. Atualmente é pós-doutoranda do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, onde realiza pesquisas voltadas para a ecologia e conservação de aves antárticas, utilizando os poluentes e os isótopos estáveis como indicadores ecológicos e ambientais. 



411 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page