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A fertilização dos oceanos e as mudanças climáticas


Você já ouviu falar de geoengenharia? É uma ferramenta cada vez mais utilizada nos dias de hoje, mas também muitas vezes controversa, pois em alguns casos o resultado pode ser completamente inesperado! 


Hoje falaremos sobre um polêmico experimento realizado em julho de 2012, por Russ George, um empresário americano, que despejou cerca de 100 toneladas de sulfato de ferro no Oceano Pacífico como parte de um projeto de geoengenharia na costa oeste do Canadá. 

Fertilização do oceano por sulfato de ferro. Fonte

O ferro é considerado um elemento fundamental, muitas vezes limitante, para o crescimento do fitoplâncton. O fitoplâncton é composto por microalgas que realizam fotossíntese, processo no qual utilizam a luz solar como fonte de energia e absorvem dióxido de carbono (CO2) e água para produzir matéria orgânica na forma de carboidratos. A partir desses carboidratos e com a adição de outros nutrientes, como nitrogênio, fósforo e ferro, as microalgas produzem outras substâncias, como proteínas, aminoácidos e outras moléculas que formam as células. 


Em 1980, o oceanógrafo John Martin propôs que determinadas regiões do oceano (as áreas chamadas HNLC - High Nutrient, Low Chlorophyll), apesar de ricas em nutrientes, seriam pobres em produção primária por conta da falta de ferro. Assim sendo, a adição de ferro deveria aumentar a produção do fitoplâncton e, consequentemente, afetar o ciclo do carbono, diminuindo os níveis de CO2 na atmosfera. Sua célebre frase “Give me half a tanker ful of iron and I’ll give you an Ice Age” (Me dê metade de um barril de ferro e eu te darei uma era do gelo.) causou grande euforia, pois ele acreditava que se certas áreas do oceano fossem fertilizadas, os efeitos do aquecimento global poderiam ser revertidos, resfriando a terra.


Assim surgiu a ideia que o empresário americano colocou em prática. Russ e sua equipe despejaram uma certa quantidade de ferro no mar, acreditando que iriam promover o aumento do número de organismos fotossintetizantes e, assim, aumentar a eficiência dos processos de sequestro de carbono no oceano. Sim, bem parecido com o processo de fertilizar/adubar uma plantação para que ela cresça mais rápido! Este  assunto  gerou muita polêmica, pois entra em conflito com questões éticas e políticas a respeito dos efeitos que uma intervenção como esta traria para um ecossistema tão complexo e ainda pouco conhecido como os oceanos. Para entender melhor porque a ideia deste projeto é tão polêmica, vamos primeiro falar sobre alguns processos importantes que ocorrem no “maravilhoso mundo oceânico”.


Você já ouviu falar em “bomba física”? E “bomba biológica”? Não, não é um tipo de arma de guerra para dizimar uma população inimiga! Bomba física é o processo relacionado com a solubilidade do CO2 no oceano (solubilidade = quantidade máxima que uma substância pode ficar dissolvida em um líquido). Já a bomba biológica ocorre depois deste processo, quando  uma fração do carbono dissolvido é absorvida pela atividade biológica, através da fotossíntese, nas camadas superficiais do oceano, e transportada para o fundo. Então, vamos entender melhor como ocorre este transporte de carbono no oceano…

O CO2 é um gás capaz de se dissolver na superfície dos oceanos. Este mecanismo de solubilidade está relacionado com a concentração desse gás na atmosfera e com a temperatura da água: quanto mais CO2 houver na atmosfera e quanto menor for a temperatura, maior será a quantidade desse gás dissolvido na superfície dos oceanos. Uma vez dissolvido na água, o CO2 passa para uma nova fase do ciclo, na qual será absorvido por organismos fotossintetizantes marinhos.


Uma parte da matéria orgânica formada na fotossíntese é utilizada na respiração celular e liberada em forma de CO2. A outra fração, que foi utilizada na formação da célula, é consumida pelo zooplâncton (consumidores primários nas tramas tróficas marinhas - leia mais aqui) e/ou  transportada por gravidade para o fundo dos oceanos através da chamada “neve marinha”, formada por fragmentos alimentares e pelotas fecais oriundos da alimentação do zooplâncton, conchas e microrganismos mortos. Esse processo de transferência de carbono para o oceano profundo diminui a quantidade de carbono na zona eufótica (zona que recebe luz solar suficiente para que ocorra a fotossíntese) fazendo com que bilhões de toneladas de carbono sejam sequestrados (retirados) da atmosfera por ano. Alguns estudos estimam que a bomba biológica seja responsável por remover cerca de 5-15 gigatoneladas de carbono por ano (Henson et al., 2011).

Marine Phytoplankton. Source


E vocês podem imaginar como essa retirada é importante tendo em vista a quantidade enorme de carbono que nossas atividades industriais, carros, aviões têm emitido na atmosfera ao longo dos últimos anos. É importante relembrar que o tão discutido aquecimento global, entre outros problemas, é provocado em grande parte por um excesso de carbono na atmosfera. De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) 2014, somente em 2010, 49 gigatoneladas de carbono foram emitidas na atmosfera por atividades antropogênicas. E é justamente por isso que esses experimentos com o ferro ganharam tanta popularidade.


Parece simples, não?! Pronto, resolvido o problema do aquecimento global! Vamos fertilizar os oceanos! Mas a coisa não é tão simples assim. Interferir em ecossistemas naturais é um assunto extremamente delicado, que pode causar danos incalculáveis e irreparáveis.


Alguns pesquisadores realizaram experimentos semelhantes ao do empresário americano e concluíram  que, apesar da fertilização aumentar a taxa de fotossíntese, a mesma pode desencadear alterações na composição química do oceano, alterando o funcionamento de todo o sistema. Por exemplo, o aumento da taxa fotossintética do fitoplâncton é diretamente proporcional à quantidade de dimetilsulfeto (DMS - enxofre volátil na forma reduzida) excretado por essas microalgas na água, que se volatiliza e vai parar na  atmosfera (ou seja, mais fotossíntese pelo fitoplâncton, mais dimetilsufeto no ar). Na atmosfera, estas partículas facilitam a formação de nuvens, o que seria ótimo, pois com a maior formação de nuvens poderia haver maior reflexão da radiação solar e assim maior resfriamento do planeta. Contudo, nem todos os tipos de nuvens têm a propriedade de resfriar o planeta. Estudos recentes apontam que outros fatores climáticos  também podem afetar a distribuição e as propriedades das nuvens,  podendo aumentar a temperatura do planeta. Além disso, foi observado que a fertilização também aumenta a produção de óxido nitroso (N2O), molécula que aquece 320 vezes mais que o CO2.


Outro estudo, publicado em abril de 2014 na Geophysical Research Letters, mostrou que mais de 66 % do carbono sequestrado pelo oceano retorna à atmosfera dentro de 100 anos. Ou seja, se por um lado  a bomba biológica ameniza a temperatura da Terra, sequestrando o carbono da atmosfera, por outro lado ainda não sabemos o que acontecerá quando houver o retorno deste carbono após certo tempo. Controverso o suficiente pra você?

Desta forma, apesar dos processos que ocorrem nos oceanos serem responsáveis pela redução da concentração do CO2 na atmosfera, interferir no sistema pode não ser a melhor solução, pois existem muitos processos químicos, físicos e biológicos que, por não serem compreendidos inteiramente, poderiam resultar em prejuízos não previstos. Enquanto não chegamos numa compreensão mais integrada destes processos, a redução das emissões de CO2 seria muito mais eficiente e segura do que tentar remediar um problema manipulando um processo tão complexo e ainda pouco compreendido.


Até a próxima!

 

Literatura consultada:







Henson, S. A., R. Sanders, E. Madsen, P. J. Morris, F. Le Moigne, and G. D. Quartly (2011), A reduced estimate of the strength of the ocean's biological carbon pump, Geophysical Research Letters, 38


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