Por que a gente enjoa quando está embarcado?
- batepapocomnetuno
- há 12 minutos
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Por Tatiane Leite e Kenzo Omaki

Você já embarcou? Caso já tenha embarcado, existe a possibilidade de ter ficado enjoado. Claro que isso é algo que varia de pessoa para pessoa: para alguns, um pouco de balanço já é suficiente para ficar “mareado”; para outros, o barco pode balançar o que for, que o enjoo não vem.
Por que a embarcação balança?
Como sabemos, o oceano não é estático. Por isso, os barcos ainda balançam mesmo estando parados. Esses movimentos (Figura 1a) são devidos, principalmente, à ação dos ventos, que ao soprar sobre a superfície do mar geram ondas de superfície, cujo tamanho varia de acordo com a velocidade do vento, a distância que ele sopra, sua duração e a profundidade. Em oceanografia, essa relação é feita a partir da escala de Beaufort, que associa a velocidade do vento e a condição do mar (Figura 1b). Além disso, a escala também pode ser um “spoiler” do nível de enjoo que o embarcado pode vir a sentir.

A jornada do enjoo
O labirinto, ou aparelho vestibular (Figura 2), é um órgão que atua na audição e no equilíbrio do corpo nos vertebrados, por meio de regiões especializadas na detecção de vibração e sua conversão em sons, possibilitando que o cérebro interprete a orientação do som, sua origem e direção. O processo do enjoo se inicia quando o labirinto é estimulado pelo nível de agitação da água do mar, que movimenta a endolinfa, líquido presente em seu interior, estimulando células emissoras de pulsos elétricos com diferentes magnitudes para o cérebro.

Assim, o que ouvimos é uma interpretação das vibrações recebidas. Um exemplo didático são os fones por condução óssea (Figura 3), que não geram sons e sim vibrações, captadas pela orelha e convertidas em som pelo cérebro.

Além disso, o enjoo pode ser uma resposta a sinais contraditórios entre diferentes sistemas do corpo e o ouvido interno. Por exemplo, ao estar em uma embarcação balançando, o ouvido interno envia sinais ao cérebro indicando movimento, mas outras partes do corpo, como a musculatura das pernas e os olhos, indicam que o corpo está parado, gerando confusão no cérebro. Para as duas causas, a resposta é a mesma: o corpo interrompe a digestão no estômago, impedindo que o alimento chegue ao intestino, estimulando o vômito. Essa resposta é uma reação do cérebro a uma possível intoxicação alimentar que pode ter afetado o equilíbrio do corpo.
Desde os primórdios até hoje em dia
A teoria mais aceita sobre o labirinto nos vertebrados define sua origem a partir de modificações no sistema de linha lateral, presente desde os vertebrados mais basais, até os anfíbios em sua fase larval. No ambiente marinho, muito mais denso que o ar atmosférico, as ondas sonoras emitem muito mais vibrações ao se deslocarem na água, movimentando o líquido no ouvido interno dos organismos. Já em organismos terrestres, as ondas sonoras vibram menos quando se deslocam, movimentando menos o líquido do ouvido interno, que precisa de mais energia para se mover. Por isso, com a gradual mudança para o meio terrestre, os vertebrados desenvolveram mecanismos para aumentar a captação de sons ambientes como orelhas externas para amplificar as vibrações no canal auditivo.
Manual de prevenção ao enjoo
A lição que tiramos de tudo isso é que o enjoo é passível de acometer quem está embarcado, mas calma, existem formas de amenizá-lo e, para isso, fizemos um compilado de dicas de pessoas que costumam embarcar: dizem que é bom ficar em locais mais próximos ao nível do mar, olhar para o horizonte, não ficar de “estômago vazio”, buscar o/a enfermeira/o ou médico/a da embarcação, evitar ingerir alimentos considerados “indigestos” (Ex.: melancia) e se for vomitar ou estiver se sentindo mal, não use um bordo muito baixo da embarcação devido ao risco de queda. Outra alternativa é o uso de medicamentos para enjoo, mediante prescrição médica prévia, é claro. E se nada der certo, deixe a necessidade do corpo de vomitar falar mais alto que a vergonha.
Relato pessoal dos autores

Em 2022, embarcamos pelo Projeto Efeito Spillover das áreas de exclusão de pesca ao redor das Unidades de Conservação (Spillover) no B/Pq Alpha Delphini, e em um dos pontos de coleta (estação), o mar não estava tão amigável com os nossos labirintos e aí veio aquela mistura de sensações: pressão baixa, azia, suor frio, tontura, entre outras. A gente até tenta lutar contra isso, fingir força, mas acredite, a cara empalidecida entrega que não estamos bem… risos… E, então, no meio do merecido almoço pós-trabalho árduo, é hora de levantar, ir até a área externa do barco e ver a melancia do café da manhã no casco do navio, desencurvar e ter alguém checando se você está bem e sentir que sim, agora você está bem melhor.
Referências:
Escala de Beaufort. Marinha do Brasil. Disponível em:<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/6303303/mod_resource/content/1/Escala%20Beaufort.pdf>. Acesso em 06 de Nov. de 2024.
KARDONG, Kenneth V. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução. Roca, 2014
Sobre os autores:

Graduanda do 5° ano do Bacharelado em Oceanografia no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e integrante do Laboratório de Ecologia da Reprodução e do Recrutamento de Organismos Marinhos, coordenado pela Profa. Dra. June Ferraz Dias. Tem interesse na grande área biológica da oceanografia e como ela se relaciona com as demais grandes áreas, com destaque para a oceanografia química e a oceanografia socioambiental.

Graduando do 4° ano do Bacharelado em Oceanografia no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e integrante do Laboratório de Ecologia da Reprodução e do Recrutamento de Organismos Marinhos, coordenado pela Profa. Dra. June Ferraz Dias. Tem grande interesse em Ictiologia, com destaque ao estudo da taxonomia, morfologia e miologia dos grupos de peixes viventes, especialmente Bagres.
**Kenzo e Tatiane elaboraram este texto como projeto da disciplina “Divulgação Científica e cultura Oceânica”, ministrada pela Prof.ᵃ Dr. ᵃ Cláudia Namiki, do curso de Bacharelado em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
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