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Gramas Marinhas: Os canários do mar

Atualizado: 11 de out. de 2023

Por Juliana Imenis, Juliana Nascimento, Larissa de Araujo, Natalia Pirani, Otto Muller and Paula Keshia


No início do século XX, era comum encontrar trabalhadores de minas de carvão carregando uma gaiola com um canário para o trabalho. Esta cena era tão frequente que acabou se tornando um clichê. Estas pequenas aves salvaram a vida de muitos mineiros, pois quando silenciavam era um sinal de alerta de um possível vazamento de gás. Um alarme soava e a mina era evacuada.


Podemos denominar esses canários levados às minas como bioindicadores, ou seja, organismos que nos indicam um possível problema ambiental, através de seu comportamento ou estado de saúde. O sacrifício dos canários felizmente ficou para trás, e hoje existem muitos outros bioindicadores que não precisam ser sacrificados para nos avisar sobre possíveis desastres.


Alguns organismos são extremamente sensíveis à poluição e às alterações do hábitat, e suas populações tendem a diminuir ou mesmo desaparecer assim que ocorrem modificações no ambiente. Outros, no entanto, são bastante tolerantes às más condições ambientais e muitas vezes apresentam um grande crescimento de sua população em locais onde a qualidade ambiental seria inadequada para a maioria das espécies. Um desses indicadores são as fanerógamas marinhas, também conhecidas como gramas marinhas (do inglês seagrass).


Ilustração de Joana Ho


Este grupo bem particular de plantas cresce no fundo do mar, possui folhas alongadas e eretas e caules subterrâneos denominados rizomas, podendo viver inteiramente imerso na água, e está presente nas águas costeiras de praticamente todos os continentes. Apesar de serem conhecidas como “gramas marinhas”, este grupo está mais próximo dos lírios e gengibres do que das gramíneas (Figura 1). Compõe a dieta de peixes-bois e tartarugas e fornecem habitat para uma grande variedade de animais marinhos (Figura 2), alguns dos quais comercialmente importantes como peixes e crustáceos. Embora seja difícil quantificar, as gramas marinhas possuem um grande valor econômico agregado, estimado em até 2 milhões de doláres por ano. Também possuem a importante função de estocar carbono na sua biomassa e nos sedimentos, contribuindo como depósito de dióxido de carbono (CO2) do planeta, além de promoverem a reciclagem de nutrientes, proteção da costa e a melhoria da qualidade da água.


No Brasil, apesar das informações serem controversas e da necessidade de estudos genéticos para se diferenciar corretamente as espécies, são reconhecidas, até o momento, cinco espécies de gramas marinhas (Figura 3): Halodule wrightii Ascherson; Halodule emarginata Hartog; Halophila baillonii Ascherson; Halophila decipiens Ostenfeld e Rupia maritima Linnaeus. As gramas marinhas são consideradas ótimas indicadoras da qualidade ambiental, pois são extremamente sensíveis às variações de luminosidade e disponibilidade de nutrientes.


No cenário atual de mudanças climáticas, vários impactos vem ocorrendo sobre o ambiente marinho, como o aumento das temperaturas médias globais da superfície oceânica, o aumento do nível médio do mar, a alteração do pH dos oceanos (acidificação da água) e alterações na circulação de correntes oceânicas. Essas são algumas das rápidas mudanças no ambiente marinho que têm sido evidenciadas pelos cientistas e suas consequências são ainda pouco compreendidas, pois muitos são os fatores envolvidos na interação entre o ambiente, as comunidades biológicas e os organismos que as compõem, sendo difícil a elaboração de previsões (Figura 4).


Como as gramas marinhas exigem condições ambientais específicas, como baixa turbidez e alta incidência de luz, estão sofrendo uma redução local ou até mesmo o desaparecimento total em algumas regiões, indicando que as mudanças ambientais globais e os impactos antropogênicos locais estão ocorrendo muito rapidamente e simultaneamente, não havendo tempo hábil para os organismos responderem às novas condições. A essa capacidade dos ecossistemas responderem aos impactos e retornarem as suas condições originais os cientistas denominam de resiliência. Alterações na biodiversidade dos ecossistemas podem reduzir a resiliência dos mesmos.


Embora o tipo e o grau do impacto possam variar de acordo com a localização geográfica das gramas marinhas, algumas hipóteses foram levantadas pela Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros (ReBentos), sobre como as mudanças climáticas podem afetá-las: (1) o aumento da concentração de nutrientes, devido ao aumento da quantidade de chuvas, pode causar mudanças na composição da comunidade, favorecendo o aparecimento de espécies oportunistas, o que pode ser danoso para as espécies locais; (2) mudanças na temperatura superficial do mar podem afetar espécies tropicais, favorecendo a extensão e o deslocamento de seus limites de ocorrência em direção a latitudes mais elevadas; (3) eventos extremos, como cheias e tempestades, podem causar a redução e o desaparecimento das gramas marinhas de maneira brusca e rápida; (4) o aumento da quantidade de material de origem continental nos estuários pode afetar a abundância e a composição das comunidades, devido ao aumento da turbidez e mudanças na salinidade. Por outro lado, a redução de chuvas e/ou o aumento da penetração da água do mar em direção ao continente pode aumentar ou alterar a área de ocupação das gramas marinhas localizadas em área estuarinas; e finalmente (5) ondas de calor derivadas de eventos extremos por dias ou semanas podem reduzir ou mesmo dizimar bancos em áreas rasas.


Como exemplo de evidências que embasam estas hipóteses, podemos citar o estudo publicado na revista científica Journal of Experimental Marine Biology and Ecology pelos biólogos Ricardo Coutinho (Brasileiro) e Ulrich Seeliger, que em 1984 observaram que a espécie R. maritima, embora tolerante a condições eutrofizadas, foi sombreada por epífitas e macroalgas que cresceram devido ao excesso de nutrientes na água. Estes organismos se emaranham nesta espécie de grama marinha, causando redução de sua taxa fotossintética e aumentando o arrasto das mesmas, facilitando seu desprendimento quando sujeitas à ação de ondas e correntes. Outro exemplo, foi o estudo publicado na revista científica Marine Ecology por Frederick T. Short e colaboradores, que em 2006 observaram a redução de H. wrightii  por conta do movimento do sedimento, resultado de tempestades mais fortes e frequentes, que provocam o soterramento do banco e o desaparecimento da grama marinha.


Assim, como já mencionado por outros autores, podemos considerar as gramas marinhas como os “canários do mar”, em alusão aos canários das minas e à sua importância no diagnóstico da saúde do ambiente em que vivem e também como indicadores das mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo. Certamente, a perda destes ecossistemas trará não apenas prejuízos econômicos, mas também a perda de um valor difícil de ser mensurado, que é o da biodiversidade no planeta.

 

Para saber mais:


COPERTINO, M.S.; CREED, J.C.; MAGALHÃES, K.M.; BARROS, K.V.S.; LANARI, M.O.; ARÉVALO, P.R.; HORTA, P.A. (2015). Monitoramento dos fundos vegetados submersos (pradarias submersas). IN: TURRA, A.; DENADAI, M. R.. Protocolos de campo para o monitoramento de habitats bentônicos costeiros - ReBentos, cap. 2, p. 17-47. São Paulo: Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/48874>. Acesso em: 04 nov. 2015.


MARQUES, L. V.; CREED, J. C.(2008). Biologia e ecologia das fanerógamas marinhas do Brasil. Oecologia Brasiliensis, v. 12, n. 2, p. 315 - 331.


MCKENZIE, L.(2008). Seagrass Educators Handbook. Cairns: Seagrass Watch-HQ. Disponível em: <http://www.seagrasswatch.org/Info_centre/education/Seagrass_Educators_Handbook.pdf>. Acesso em: 30 out. 2015.


MCKENZIE, L (2009). Coastal Canaries. Seagrass Watch, v.39, p. 2-4. Disponível em: <http://www.seagrasswatch.org/seagrass.html>. Acesso em: 03 nov. 2015.

 

Sobre os Autores:


Juliana Imenis Barradas, CCNH-UFABC, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Evolução e Diversidade, bióloga, mestre em Zoologia (UFPB).

juliana.imenis@ufabc.edu.br, http://lattes.cnpq.br/4843331968538355






Larissa de Araujo Kawabe, CCNH-UFABC, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Evolução e Diversidade, bióloga.





Juliana Nascimento Silva, CECS-UFABC, graduanda em Engenharia Ambiental e Urbana (UFABC)












Paula Keshia Rosa Silva, CCNH-UFABC, mestranda em Evolução e Diversidade (UFABC) http://lattes.cnpq.br/9557245804556650













Natalia Pirani Ghilardi-Lopes, CCNH-UFABC, professora adjunta, bióloga, doutora em Botânica (USP),








Otto Müller Patrão de Oliveira, CCNH-UFABC, professor adjunto, biólogo, doutor em Zoologia (USP), http://lattes.cnpq.br/7304237172635774











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