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Megatubarão

Por Nayara Almeida Amed


O filme Megatubarão, dirigido por Jon Turteltaub, narra uma expedição às Fossas das Marianas, conhecida como a região mais profunda do oceano, onde descobrem um “novo mundo” submerso, uma camada ainda mais profunda da fossa, com temperaturas tropicais e cheia de vida. É lá que, surpreendentemente, eles despertam um megalodonte, um tubarão gigante e já extinto. Chamado para o resgate, Jonas Taylor (interpretado por Jason Statham) enfrenta o animal e o traz à superfície, onde ele ameaça tudo e a todos nas cidades costeiras. Mas será que essa história poderia realmente acontecer? Hoje nós vamos responder a algumas questões sobre o filme para entender a ciência por trás das câmeras.


É possível mergulhar até o fundo da Fossa das Marianas?


A Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico, atinge uma profundidade de incríveis 10.984 metros. No filme, porém, a expedição desce ainda mais fundo, chegando aos 14 mil metros em uma pequena cápsula de vidro. A questão é: será que isso seria realmente possível?


A resposta é não. Mesmo com a tecnologia mais avançada, é impossível descer tão rápido em um ambiente de pressão extrema. Lembrando um pouco das aulas de física, a cada 10 metros de profundidade, a pressão aumenta em 10 atm, então a quase 11 mil metros de profundidade há uma pressão de 1101 atm. Nós, na superfície, estamos a 1 atm, então imagine conseguir suportar 1101 atm!? Até hoje, foram realizadas apenas quatro expedições à fossa, todas em submarinos especiais feitos de materiais reforçados, capazes de resistir a essa pressão esmagadora. E essas viagens levam várias horas. Uma cápsula de vidro, como a retratada no filme, jamais suportaria essa profundidade, com essa pressão. 


Um "deserto" nas profundezas?


Um veículo operado remotamente está iluminando uma formação rochosa no fundo da Fossa das Marianas. Há um cabo luminoso conectado ao equipamento e ao fundo da imagem há a escuridão do oceano.
Exploração da Fossa das Marianas de 2016, pelo Escritório de Exploração e Pesquisa Oceânica da NOAA (Foto de NOAA com licença CC BY-SA 4.0)

No filme, quando a expedição ultrapassa o que se pensava ser o fundo do assoalho oceânico na Fossa das Marianas, os pesquisadores descobrem uma imensa diversidade de vida. Essa tamanha diversidade se tornou possível no filme por conta de uma termoclina, ou seja, uma camada de transição de temperatura que estava separando a camada mais profunda, com temperaturas baixas, de uma camada abaixo, com temperaturas tropicais. Na realidade, a termoclina é uma camada de transição entre águas superficiais, mais quentes, e águas profundas, mais frias. Para resolver essa questão da diversidade no fundo do oceano, a história traz uma termoclina inversa. Afinal, na vida real, essa região é mais próxima de um deserto do que de uma floresta tropical. São poucas as espécies que conseguem sobreviver às condições que encontramos neste ambiente, como a alta pressão, falta de luz, pouca disponibilidade de nutrientes e baixa temperatura. Assim, os seres que habitam o mar profundo passaram por um longo processo evolutivo e possuem diversas adaptações para suportar condições extremas.

O peixe-bolha Psychrolutes phrictus encontrado em altas pressões no seu habitat natural junto ao fundo. (Foto de NOAA com licença CC BY-SA 4.0.)
O peixe-bolha Psychrolutes phrictus encontrado em altas pressões no seu habitat natural junto ao fundo. (Foto de NOAA com licença CC BY-SA 4.0.)

Um exemplo de animal que conseguiu sobreviver muito bem nessas condições é o peixe-bolha (Psychrolutes phrictus). Esse peixe vive entre 800 e 2800 metros de profundidade, ou seja, está submetido a uma pressão 280 vezes maior do que a da superfície, possuindo algumas adaptações que permitem que ele sobreviva. Seus ossos são mais frágeis e seu corpo parece uma massa gelatinosa. Quando é retirado da água e levado para a superfície, ele ganha essa aparência estranha, por ser composto por muita água e gordura. Mas o megalodonte não se parece em nada com o peixe-bolha, então será mesmo que ele poderia sobreviver no ambiente retratado

Três espécimes de Psychrolutes phrictus estão em cima de caixas metálicas. Os espécimes estão na superfície, submetidos a uma pressão diferente do seu habitat, resultando em uma aparência inchada.
O peixe-bolha Psychrolutes phrictus quando está na superfície - Centro de Ciências Pesqueiras do Alaska NOAA. (Foto de NOAA com licença CC BY-SA 4.0.)

no filme? Bom, os tubarões são peixes cartilaginosos, ou seja, possuem um esqueleto de cartilagem rígido que poderia ser facilmente comprimido nas condições retratadas no filme. Apesar de passar uma imagem de forte e invencível, é bem provável que o megalodonte fosse vencido pela alta pressão do oceano profundo. O que sabemos sobre esses gigantes, hoje em dia, é que eles provavelmente habitavam águas rasas, com maior disponibilidade de alimento e temperaturas tropicais. Com isso em mente, um ambiente com águas frias, alta pressão e pouca disponibilidade de alimento não parece o habitat ideal para um tubarão gigante.


É possível existir um megalodonte nos dias atuais? 


O Carcharocles megalodon, mais conhecido como megalodonte, habitou os oceanos entre aproximadamente 23 a 3,6 milhões de anos atrás, durante o período Mioceno e Plioceno. Segundo estudos baseados em sua dentição, distribuição e fauna associada, estima-se que ele tinha em média 18 metros de comprimento. Por ser um peixe com esqueleto de cartilagem que raramente fossiliza, os principais registros fósseis encontrados foram seus dentes. A partir disso, juntando 182 dentes encontrados, foi possível  montar uma suposta mandíbula do megalodonte. 


É impossível sabermos ao certo o que causou a extinção dos megalodontes há 3,6 milhões de anos atrás, mas os cientistas possuem algumas hipóteses. Primeiro, acredita-se que esses seres habitaram mares tropicais e temperados rasos ao longo das costas e regiões de todas as plataformas continentais, exceto na Antártica. Assim, o resfriamento dos oceanos no Plioceno pode ter causado o declínio da população e sua eventual extinção. Outra hipótese provável é de que houve uma mudança na dinâmica da cadeia alimentar, diminuindo a disponibilidade de presas para esse gigante. Esses grandes predadores do oceano provavelmente se alimentavam de tartarugas, baleias, focas e outros mamíferos marinhos, e em certo momento houve um aumento na competitividade por essas presas como orcas, tubarões brancos e cachalotes. O megalodonte, sendo um tubarão gigante, precisaria de muito mais alimento do que havia disponível por dia, resultando nesse declínio e extinção da população. A realidade é que ainda não sabemos ao certo quais foram os fatores que resultaram na sua extinção, mas com certeza seria muito difícil para um ser tão grande conseguir alimento suficiente nos dias atuais, ainda mais em uma região como o mar profundo, apresentado no filme. 

Comparação entre o tamanho de diferentes espécies de tubarão e do ser humano, usando um fundo quadriculado e a silhueta dos seres. O tubarão-branco, Carcharodon carcharias, está desenhado em verde e apresenta tamanho médio entre 6,0 e 6,4 metros. O tubarão-baleia, Rhincodon typus, está em roxo e com tamanho médio entre 9,0 e 10,0 metros. O megalodonte Carcharodon megalodon está em vermelho e cinza. O megalodonte em vermelho é uma versão conservadora, com tamanho médio estimado para adultos entre 16,0 e 18 metros. O megalodonte em cinza representa o tamanho máximo de 20,3 metros. Todos os tubarões estão em comparação com um humano de 1,80 metro.
Tamanho do megalodonte Carcharodon megalodon (em cinza e vermelho) comparado ao tubarão-baleia (roxo), ao grande tubarão-branco (verde) e a um humano (preto) em escala. O tamanho máximo alcançado pelo megalodonte é  de 20 metros, indicado pelo modelo cinza. (Imagem com licença CC BY-SA 3.0)

Como vimos, a realidade está bem longe do que vemos nas telas do cinema, e muitas vezes a imaginação humana vai longe em se tratando de seres marinhos. Então, quando der um mergulho no mar, pode ficar de boa que não há um megalodonte espreitando nas profundezas! 


Referências bibliográficas


Benites-Palomino, A., Vélez-Juarbe, J., Altamirano-Sierra, A., Collareta, A., Carrillo-Briceño, J. D., & Urbina, M. 2022. Sperm whales (Physeteroidea) from the Pisco Formation, Peru, and their trophic role as fat sources for late Miocene sharks. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 289. http://doi.org/10.1098/rspb.2022.0774


In This Issue, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 120 (27) eiti2723120, 2023. https://doi.org/10.1073/iti2723120.


National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). 2016. Mariana Trench Marine National Monument. NOAA Fisheries.

Rafferty, J. P. 2024 Megalodon. Encyclopedia Britannica. https://www.britannica.com/animal/megalodon


Sheiko, B. A. and V. V. Fedorov. Part 1. Class Cephalaspidmorha, Class Chondrichthyes, Class Holocephali, Class Osteichthyes. Pp. 7-69. 2020. 


Sobre a autora:

Sou uma estudante de Biologia apaixonada pelo mar e pela educação em todas as suas formas. Faço bacharelado e licenciatura em Biologia na Universidade de São Paulo, e já trabalhei com identificação taxonômica de larvas de peixes. Atualmente faço estágio em um colégio com o ensino médio e sou bolsista do Programa Unificado de Bolsas da USP, no Projeto do Bate-papo com Netuno.


A ideia desse texto surgiu como resultado de uma pesquisa na "São Paulo Ocean Week" em 2024, a partir da curiosidade de estudantes que se interessam pelo oceano e buscam mais informações sobre temas como esse! 




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