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Peixe-lua: um gigante vagando pelo oceano

Por Camila Tiemi Matino

Ilustração de Joana Ho


Que tal conhecer um pouco sobre o peixe-lua? Esse peixe elegante, enigmático e estranho ao mesmo tempo. Mas para que falar sobre esse peixe? Ele tem alguma relevância ecológica, importância econômica, ou eles só ficam derivando no oceano?


Bom, vamos começar apresentando essas complexas criaturas. Os peixes-lua são espécies da família Molidae, que consiste em três gêneros e cinco espécies. As espécies mais conhecidas pela maioria das pessoas pertencem ao gênero Mola: são grandes, têm o corpo arredondado e coloração acinzentada. Os peixe-lua são encontrados em águas tropicais e temperadas ao redor do mundo e ocupam o posto de maior peixe ósseo sobre o qual existem informações de tamanho. Não é muito difícil de identificar um peixe-lua, já que eles possuem um corpo de formato bem peculiar (difícil mesmo é identificar em nível de espécie!). Esses organismos têm características bem específicas, tanto na fase larval, quanto na fase adulta. As larvas eclodem com menos de 2,0 mm de comprimento, seu corpo é redondo e com vários espinhos (parecido com uma mamona), têm nadadeiras peitorais, dorsal, caudal e anal, e são plânctônicas.

Larva de peixe-lua. Foto: Érico S. L. G. dos Santos e Henrique Grande. Todos os direitos reservados.


Conforme se desenvolve, seu formato muda drasticamente: seus espinhos desaparecem, o corpo ganha uma forma circular e achatada lateralmente, com as nadadeiras dorsal e anal bem proeminentes, e uma estrutura que substitui sua nadadeira caudal, chamado clavus. Quanto ao crescimento, eles podem aumentar em torno de 60 milhões de vezes sua massa corporal inicial, até chegar em sua fase adulta. Em 20 anos o peixe-lua chega a medir 3,0 m de comprimento e pode pesar mais de uma tonelada! No entanto, ser tão grande assim no oceano não é muito vantajoso: além de serem presas de orcas e leões marinhos, muitos peixes-lua são capturados acidentalmente nas redes de pescas. O que acaba sendo o fator que mais impacta na abundância desses peixes.

Peixe-lua capturado em Santa Catalina, Califórnia, em abril de 1910. Foto: P.V. Reyes Domínio público.


A dificuldade de identificar esses peixes em nível de espécie se mostrou, ao longo dos anos e ainda hoje, que é um grande desafio. Durante o século XIX, a família Molidae tinha mais de 50 espécies com 19 gêneros. Mas, em 1951, o ictiólogo britânico Alec Fraser-Brunner tomou as rédeas da taxonomia dessa família e sugeriu que o gênero Mola teria apenas duas espécies, o famoso Mola mola (encontrado ao redor do mundo) e o Mola alexandrini (que seria a espécie que substituiria a espécie M. mola no oceano Pacífico Sul). Durante 60 anos, essa foi a taxonomia aceita. Porém, sabendo-se de uma possível confusão taxonômica em sua história, muitos cientistas ficaram intrigados com essa família, especificamente com o gênero Mola. Foi aí, que, em 2017, a cientista Marianne Nyegaard descreveu uma nova espécie, a Mola tecta. Em sua tese, Nyegaard revisou alguns indivíduos preservados em museus e identificou uma grande quantidade de espécimes que estavam classificadas erroneamente.


Como Mola mola era a mais comum dentre as espécies de peixe-lua, os pescadores não pensavam duas vezes antes de identificá-los como M. mola quando quando eram pescados acidentalmente. Essas pescas se mostraram bastante impactantes na abundância desses peixes, tanto que atualmente M. mola é considerada uma espécie vulnerável. Mas será mesmo que é essa a espécie que está vulnerável? Há a possibilidade de que outra espécie de Mola esteja vulnerável? Como as espécies são muito parecidas morfologicamente, elas requerem um procedimento mais detalhado para identificá-las, tais como a contagem de raios das nadadeiras peitorais, dorsal e anal, e, principalmente, a contagem dos ossículos do clavus (aquela estrutura que substitui sua nadadeira caudal, lembra?), e, para aperfeiçoar ainda mais a identificação, é necessária uma análise genética. Assim, é comum que as pessoas se confundam e acabem identificando as diversas espécies como Mola mola, a espécie mais conhecida, inclusive em diários de bordo. Se a identificação dos adultos já é difícil, imaginem quão difícil é a identificação das larvas tão diminutas de peixe-lua. Atualmente, não existem trabalhos publicados para que haja uma distinção morfológica das larvas do gênero Mola.

Peixe-lua e seu esqueleto, observe a modificação das nadadeiras dorsal e anal, formando o clavus. Fonte: Nol Aders, com modificações por PaladinWhite.


Essas criaturas enigmáticas, apesar de grandes quando adultas, não representam nenhum perigo aos humanos, que, muitas vezes, confundem suas nadadeiras dorsais com as de um tubarão, quando eles vão à superfície. Os peixe-lua até permitem uma grande aproximação de outras espécies, inclusive a espécie humana. E por serem tão grandes, acabam virando hospedeiros de muitos parasitas externos (o que pode vir a incomodar em um certo ponto). Para se livrarem desse incômodo utilizam-se de dois métodos conhecidos: o primeiro é ir a locais mais rasos, como recifes, que abrigam uma infinidade de espécies que os ajudam na remoção dos parasitas. E o outro, é de ir à superfície, onde acontece uma interação com as aves marinhas, que se alimentam desses organismos parasitas incrustados ao longo de seu corpo.

Peixe-lua na superfície do mar na baía de Walvis (Namibia). Foto: H.-U. Küenle/CC-BY-SA-4.0


Ao contrário do que muitos pensam, seu modo de vida é bem ativo. Eles são organismos predadores, que se alimentam de zooplâncton e, principalmente, de águas-vivas. Para ir atrás de sua presa, eles se locomovem através de um movimento sincronizado de suas nadadeiras dorsal e anal, e seu clavus é utilizado como um leme. Eles podem atingir altas profundidades, em águas bem geladas, em busca de seus alimentos.


Aqui no Brasil, o peixe-lua não tem importância econômica e nem turística, diferentemente de alguns países asiáticos, como Japão e Taiwan, onde possuem muito valor turístico, o que agrega mais valor econômico. Apesar de seus aparecimentos serem esporádicos e incertos, eles são avistados durante mergulhos recreacionais e em avistamentos de cetáceos, trazendo uma grande excitação para os turistas, já que eles são considerados peixes raros.


Sabendo-se da grande importância ecológica e turística, e da sua possível vulnerabilidade, é interessante aprofundarmos os estudos sobre as espécies de peixe-lua para tentarmos protegê-los da melhor forma possível. E a melhor proteção, acaba sendo invariavelmente o conhecimento. Se entendemos mais sobre as diferentes espécies de peixe-lua, seus modos de vida e reprodução, conseguimos adequar as medidas de proteção para cada espécie.

 

Referências Bibliográficas


Australian Museum’s Fish Site; <https://australianmuseum.net.au/learn/animals/fishes/>. Acesso disponível em 10 de Junho de 2020.


Nyegaard, M. 2018. The importance of taxonomic clarity of the large ocean sunfish (genus Mola, Family Molidae) for assessing sunfish vulnerability to anthropogenic pressures. - Murdoch University, 2018.

 

Sobre a autora:

Camila Matino é oceanógrafa formada pela Universidade de São Paulo. Amante dos oceanos, se apaixonou pelo microscópico mundo do ictioplâncton ao trabalhar na Coleção Biológica Prof. Edmundo Nonato (ColBIO), onde estudou a fundo a distribuição das larvas e adultos do peixe lua ao longo da costa brasileira.





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