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Refúgios em ambientes marinhos

Por Alice Reis


Refúgios são lugares que oferecem proteção. Esses lugares podem ser um habitat, vegetação, recife, buraco, toca... A proteção pode ser contra contra predação, competição, perturbações ambientais de temperatura, salinidade, umidade, oxigênio ou pH, por exemplo. E quem se beneficia pode ser um indivíduo, uma população, uma comunidade ou até mesmo um ecossistema inteiro! Vamos abordar neste texto alguns exemplos de refúgio em ambientes marinhos e costeiros.


Refúgios para indivíduos


1. Refúgio criado pelo próprio organismo


Alguns organismos constroem os seus próprios refúgios. Esse é o caso de poliquetas que constroem tubos e galerias no sedimento, de caranguejos chama-maré que constroem tocas e de moluscos que produzem uma estrutura protetora, a concha. Essas estruturas protegem os indivíduos da predação, das altas e baixas temperaturas que ocorrem fora (por exemplo, dentro da toca dos caranguejos chama maré e do caramujo Littoraria, a temperatura oscila menos do que em volta) e também da maré (no caso dos caranguejos chama-maré, que são terrestres, algumas espécies fecham a entrada da toca quando a maré sobe, deixando uma bolha de ar presa dentro da toca).

Alt:  (1) poliquetas saindo de seu tubo com uma série de cerdas rosada, a coroa branquial; (2) caranguejo Uca em sua toca, na areia ; (3) gastrópode em sua concha.

Da esquerda para a direita (1) poliqueta tubícola. Foto: John Solaro (CC 2.0); (2) toca de caranguejo chama-maré. Foto: https://doi.org/10.1371/journal.pone/0000422g001; (3) gastropode Littoraria angulifera. Foto: Alice Reis.


2. Refúgio adquirido pelo organismo


Outros organismos usam estruturas encontradas no ambiente. O paguro ou caranguejo ermitão não constrói seu próprio refúgio. Esse organismo usa conchas de moluscos que já morreram, que ficam então disponíveis nos ambientes costeiros e marinhos. Buscando um refúgio rápido e disponível, os paguros também já foram vistos usando objetos deixados pelo ser humano no ambiente, como potinhos e tampinhas de garrafa de plástico. Outro exemplo interessante de organismo que adquire um refúgio é é o polvo do coco (Coconut octopus, Amphioctopus marginatus). Como o nome sugere, ele usa as partes do coco como esconderijo.

Alt: (1) um caranguejo eremita sobre a areia da praia, com o mar ao fundo, usa o sua concha de cor branca e laranja; (2) caranguejo eremita na areia,  utilizando um frasco de vidro como refúgio (3) polvo utilizando uma casca de côco como refúgio.

(1) Caranguejo eremita ou paguro em sua concha acima. Foto: Judy Gallagher (CC 2.0). (2) caranguejo eremita em frasco deixado na praia. Foto: Jenny Downing (CC 2.0). (3) Polvo utilizando coco como refúgio. Foto: Daniel Kwok (CC 2.0).


3. Refúgio no ambiente, usado pelo indivíduo


Às vezes o refúgio não pode ser criado nem carregado, apenas utilizado quando disponível. É o caso das fissuras nas rochas usadas por peixes goby que ficam dentro ou próximos para ficarem inacessíveis pra predadores. Esse é o caso das anêmonas, usadas como refúgio pelos peixes-palhaço. Ali, eles ficam protegidos da predação, pois a maioria dos animais “se queima” ao encostar na anêmona, mas ele não (o peixe palhaço tem um mucus microbiano que reveste todo o seu corpo que o protege da ação da anêmona).

ALT: a imagem da esquerda msotra um peixe goby em uma fissura em rocha com corais como refúgio, a imagem da direita mostra dois peixes palhaço se refugiando em uma anêmona.

À esquerda peixe goby utilizando fissura em rocha com corais como refúgio. Foto: Klaus Stiefel (CC. 2.0). À direita peixe palhaço se refugiando na anêmona. Foto: Arctic Wolf (CC 2.0).


Refúgio para populações


Na maioria das vezes entendemos refúgio como um local que fornece proteção contra um predador em um momento específico, mas os refúgios também podem ser lugares que tornam o ambiente mais tolerável ao longo do tempo e que permitem que a população prospere. Esse é o caso de cardumes de peixes que utilizam corais para se protegerem da radiação solar em determinados momentos do dia e de lontras marinhas que descansam aglomeradas em terras que ficam próximas a fontes de alimento, mas inacessível aos predadores como orcas e tubarões.

ALT: duas fotos, a superior mostra um cardume abaixo de um coral tabular e a foto inferior mostra três lontras deitadas na areia da praia e uma saindo do mar.

Acima Cardume de peixes em coral tabular, retirado de Kery & Bellwood (2015), Coral Reefs Journal. Abaixo Lontras marinhas se refugiando na costa. Foto: USFWS (CC 2.0).


Andar em grupo também é uma forma de se refugiar. Na presença de perigo, um dos indivíduos do grupo sinaliza o risco e todos os outros respondem como uma unidade, tornando mais difícil para um predador escolher e acertar uma presa.

Estratégia de defesa de sardinhas usando agrupamento. Foto: Flickr Wanderlasss (CC 2.0).


Refúgio para a biodiversidade


Para além de indivíduos e populações, numa escala global, podemos ainda pensar em regiões que ao longo do tempo foram e são refúgios da biodiversidade. Esse é o caso das regiões tropicais durante períodos glaciais (quando grande parte do globo congela), das zonas abissais (regiões oceânicas profundas, dificilmente atingidas por impactos na superfície, como poluição e exploração humana) e também das áreas de proteção ambiental (refúgios de biodiversidade delimitados pelo ser humano com o intuito de preservação, como as áreas de manguezais, que entre outras funções, são berçários naturais de muitas espécies marinhas).

ALT: várias anêmonas de cor alaranjada e corais brancos e amarelos em meio a uma cascalho, no oceano profundo.

Anêmonas e corais encontrados em oceano profundo. Foto retirada de Long e colaboradores (2020), Frontiers in Marine Science Journal. https://doi.org/10.3389/fmars.2020.00460


Como foi mostrado, um refúgio marinho pode ser uma estrutura criada, adquirida ou apenas usada pelo indivíduo que protege de predadores ou variáveis ambientais, como a temperatura. Pode ser um lugar (como a terra para lontras) ou um comportamento (como o agrupamento de cardumes) que pode definir o quão protegida uma população está. Mas, pode ser também muito mais complexo e permitir que todo um ecossistema continue existindo ou consiga se recuperar diante de grandes ameaças, como os impactos causados pelo homem.

 

Sobre a autora:

Alice é doutoranda no programa de Ecologia: Teoria, Aplicação e Valores da Universidade Federal da Bahia e formou-se mestre em Ecologia e Biomonitoramento pela mesma instituição, quando estudou o papel de marismas tropicais como refúgio para caranguejos chama-maré. Desde a graduação, Alice é apaixonada por oceanografia, e logo se vinculou ao Laboratório de Ecologia Bentônica (LEB) onde vem exercendo atividades de pesquisa relacionadas à interação entre organismos bentônicos e ecologia de ambientes estuarinos.


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