Viagem para o espaço: Aperte os cintos e traga uma microalga de companhia!
- yonaragbf
- há 18 minutos
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O sonho de conquistar o espaço ainda parece distante, mas amigos verdes e microscópicos podem ser a porta de entrada para nos aproximar das estrelas.
Por Marcus Vinicius Tavares e Victor Hugo Gouveia

Quando olhamos para o céu noturno, observando as estrelas, é fácil nos pegar em devaneios e imaginar como seria explorar a imensidão das galáxias para além de nossos lares. O impulso em conquistar novas fronteiras e a curiosidade em chegar ao desconhecido se reflete em uma gama de obras de ficção sobre esses temas e as nuances humanas que os permeiam.
No cinema, filmes como “Interstellar” (2014) e “Perdido em Marte” (2015) nos mostram visões distintas, mas complementares, sobre como seria viver num espaço distante. Em “Interstelar”, a humanidade se vê obrigada a encontrar um novo lar para sobreviver, enquanto o segundo traz uma jornada de resiliência e adaptação ao inesperado. Nessas obras, quase sempre existem máquinas produzidas a partir de uma tecnologia muito avançada que provém a manutenção da vida no espaço. Mas, na vida real, existe uma tecnologia em desenvolvimento que faz uso de organismos microscópicos do nosso planeta.
Atualmente, os esforços de exploração do espaço concentram-se nas estações espaciais orbitando o planeta Terra e nas expedições espaciais para Marte. Como a sonda Europa Clipper, recentemente (14-out-2024) enviada pela NASA para uma das luas do planeta Júpiter.
Para que todas essas expedições sejam bem-sucedidas, cientistas e engenheiros desenvolveram o que chamamos de “Bioregenerative Life Support Systems” (BLSS), em tradução livre: sistemas bioregenerativos de apoio à vida, para que o ambiente das naves e estações espaciais sejam adequados à sobrevivência dos astronautas, reciclando água, gás oxigênio (O2) e comida.
A ideia de que essas instalações precisam funcionar o máximo possível como um sistema fechado e autossustentável é o que implica na necessidade do B na sigla. Se os sistemas possuem a capacidade de se manter e se replicar, então há menos necessidade de que as bases do planeta Terra enviem energia e suprimentos às bases extraplanetárias. Caso contrário, estaríamos lidando com uma logística extremamente cara e longa: Júpiter e Marte não podem ser acessados facilmente chamando um motorista de aplicativo em casos de emergência.
Do que esses BLSSs são compostos, afinal? Quais os desafios para mantê-los?
Esses sistemas híbridos são projetados para combinar tecnologias físico-químicas com reatores biológicos. Estudos mais recentes buscam posicionar as microalgas, seres fotossintetizantes microscópicos, como “fábricas” de alimentos e O2 para a exploração espacial. Essas microalgas desempenham várias funções cruciais no BLSS, incluindo a regeneração de oxigênio através da fotossíntese, a absorção de dióxido de carbono e a produção de alimentos ricos em proteínas para os astronautas.

Microalgas, como Chlorella e Spirulina, podem ser uma solução sustentável e eficiente devido à sua capacidade de crescer em ambientes adversos e possibilidade de serem cultivadas em resíduos humanos e nutrientes do solo marciano (regolito). No entanto, ainda existem desafios, como a adaptação das condições de cultivo para microgravidade e radiação espacial. As algas também são uma alternativa mais eficaz do que plantas, pois produzem biomassa comestível mais rápido, utilizando menos água e luz.
Alguns cientistas estudam e defendem a possibilidade da terraformação — processo de modificação de um corpo celeste para deixá-lo em condições de sustentar vida — de Marte e de Europa. Marte, por exemplo, tem CO2 e água congelados nos polos, uma possibilidade de terraformação poderia seguir o caminho de descongelar o dióxido de carbono para aumentar o efeito estufa e criar uma atmosfera mais densa e propensa à sobrevivência dos organismos do planeta. Consequentemente, quanto mais pudermos cultivar o fitoplâncton, mais O2 será produzido a partir da fotossíntese. Quanto à Europa, um oceano de água por baixo de uma densa camada de gelo pode ser explorado com o fitoplâncton para a terraformação do satélite.
Se a colonização de outros planetas ou luas é relevante ou não para tantos esforços e gastos econômicos, enquanto temos tantos problemas na Terra, cabe um debate. Entretanto, não podemos deixar de nos fascinar com a força do meio ambiente do nosso planeta, enquanto um sistema quase fechado e autossustentável, como um organismo com seu metabolismo. Por enquanto, apenas aqui encontramos a vida como conhecemos, talvez o fenômeno mais improvável e bem-sucedido já conhecido no universo e cabe a nós valorizá-la e preservá-la.
Referências bibliográficas
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214552424000282 - Breathing life into Mars: Terraforming and the pivotal role of algae in atmospheric genesis
https://www.nature.com/articles/s41550-018-0529-6 Inventory of CO2 available for terraforming Mars
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Sobre os autores:

Marcus Vinicius é bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo. Trabalhou durante a graduação com taxonomia de animais marinhos, além de ter se envolvido com projetos de educação não formal e cursinhos populares. Atualmente, é professor de biologia para o ensino médio.

Licenciado e bacharel em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e mestrando em Ensino de Ciências pelo PIEC-USP. Se dedicou ao ensino, à pesquisa e à extensão na universidade, onde adquiriu interesse pela área da Educação. Passou a atuar nas salas de aula tanto da rede particular quanto em cursinhos populares, e como pesquisador no Laboratório de Pesquisa em Ensino Por Investigação (BioIn), em trabalhos sobre currículo e formação de professores, com foco na análise de conteúdo e do discurso.
*Marcus e Victor elaboraram este texto como projeto da disciplina “Divulgação Científica e Cultura Oceânica”, ministrada pela Prof.ᵃ Dr. ᵃ Cláudia Namiki, do curso de Bacharelado em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
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