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A academia me fez dura, mas a docência me devolveu a humanidade…


Ilustração de Joana Ho


Entrei na faculdade e, no segundo dia, já sabia que queria seguir a área acadêmica - anos depois, descobri na terapia que na verdade desde a infância queria ser pesquisadora, só nunca tinha visto uma e não sabia nomear essa carreira. Fiz iniciação científica, adorei fazer meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso, para os menos íntimos), fiz doutorado e fui pós-doutoranda duas vezes. Sabia "tudo" sobre fazer pesquisa - ênfase nas aspas, porque se tem uma coisa que aprendemos na ciência é que nunca, jamais sabemos tudo…. Mas tinha pouca experiência na docência.


Nos pós-doutorados, tive a oportunidade de ministrar minhas primeiras disciplinas sozinha (na pós-graduação) e algumas experiências compartilhadas na graduação. Mas tudo que eu sabia sobre "dar aula" era a partir da minha experiência como aluna, ou seja, nunca aprendi nada sobre didática de ensino, não sabia nem que precisava (ou como) fazer um plano de ensino - na minha época, professores davam aula sem nos mostrar um cronograma ou objetivos das disciplinas e, algumas semanas antes, avisavam quando seria a prova (geralmente de bastante decoreba e nem um pouco de pensar). Mais do que isso, a ideia que construí ao longo da minha formação é de que precisava ser exigente e cobrar muito. Não podia dar moleza, mudar os combinados ou abrir exceções. Afinal de contas, "se você não dá conta, aqui não é o seu lugar".


Como fui ingênua e cega… a vida é tão mais que apenas dois extremos, há tantas nuances, e com elas tantas possibilidades. Apesar disso, posso dizer que sempre tive um bom relacionamento com os estudantes, ou a maioria deles. Apesar de não ter tato para as relações interpessoais, dava uma boa aula, com conteúdos atualizados e nunca me recusava a explicar de novo e de novo a matéria.


No entanto, a docência é muito mais do que isso. E foram os estudantes que - felizmente - me ensinaram isso. E o fizeram sem nem eu mesma perceber direito, fizeram mostrando que cada um é único, que as histórias de vida são individuais, que o que carregam juntos de si quando entram na sala de aula é muito mais que apenas o lápis e o caderno e que é impossível - para eles e para mim - ignorar isso. As preocupações, aflições, e até mesmo as alegrias, não ficam do lado de fora da sala esperando a aula acabar: elas vão junto e moldam cada um deles. É isso que os faz tão especiais, tão únicos. E eu, como docente, não posso querer colocar todos na mesma caixa e esperar os mesmos resultados.


Além de aprender a respeitar a individualidade de cada um - sem precisar necessariamente saber sobre ela -, eu aprendi que não preciso ser como os professores que tive ou que podia me inspirar naqueles que foram exceção a regra e que saíam da caixinha de "aula - prova". Aprendi que podia mudar também o formato das aulas e das avaliações para que cada um pudesse dar o seu melhor. Aprendi que podia dar liberdade para eles me mostrarem o que aprenderam (ou não aprenderam). Aprendi a ouvir e a observar mais.


Não, isso não foi um processo fácil. Precisei encarar que "aquilo tudo" em que acreditava podia não ser a melhor forma de encarar o ensino. Depois de aceitar que uma mudança era necessária, precisei estudar e fui aos poucos aplicando, testando novas formas. Mas mais importante que os novos métodos de ensino, foi me abrir para entender os estudantes para além daquele indivíduo sentado na minha frente segurando um lápis. E a partir daí, novos laços se formaram e a sala de aula - que já era um local em que me sentia bem - fez muito mais sentido. Hoje, a cada semestre, aprendo mais e levo comigo a certeza de que ensinar, além de um processo de duas vias, é também um processo dinâmico e em constante mudança. E como tal, está longe de ser um processo finalizado. Ainda há muito o que aprender.


Esse aprendizado foi além da sala de aula, porque me ajudou nos relacionamentos com meus orientandos também. Aliás, eles também tiveram papel importante nessa mudança. Ao me permitir essa aproximação e ao ouvir suas experiências, dores e aflições eu me dei conta que essa relação nunca é somente de sala de aula, de bancada ou de escrever um trabalho em conjunto. Todos deixamos um pouco de nós por onde passamos e levamos um pouco de quem passou pelo nosso caminho.


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