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A exaustão de quem busca uma vaga de professora universitária

Por: Breylla Campos Carvalho



No alto a frase: A exaustão de quem busca uma vaga de professora universitária, abaixo @batepapocomnetuno. A imagem mostra uma mulher sentada segurando os joelhos, e com a cabeça apoiada nos braços, olhos fechado e sembrante cansado e triste. Ela veste uma camiseta roxa e uma calça lilá, Seu cabelo é castanho claro. Ao lado dela uma pilha de livros com o globo em cima.


É muito lindo o discurso de que precisamos de mais diversidade em todas as áreas da nossa vida, mas essas ações nunca se materializam. Eu sempre achei que a forma como alguns (a maioria) processos seletivos acontecem, em especial para alcançar cargos públicos, especificamente os cargos para docentes universitários, não são nenhum pouco bons.


Primeiro, que você precisa ter um currículo ultragalático, mas ao mesmo tempo precisa ser um(a) total desocupado(a), já que as provas acontecem durante a semana. Quem trabalha e quer ocupar uma posição melhor (como eu?): que se vire! Segundo, só quem está no sistema tem alguma chance de entrar e quem está fora certamente não vai entrar, porque o modelo privilegia quem já faz parte do sistema.


Na área das geociências, mais ainda no mundo das geotecnologias, o fato de ser mulher também parece inibir a banca, quase sempre formada em sua maioria por homens. Meu primeiro concurso depois do doutorado foi para uma vaga na área de Cartografia e Geotecnologias da UFPB. Eu tirei a maior nota da prova escrita – a prova era identificada por um código, ninguém sabia se eu era mulher ou não. Então na fase seguinte, na prova didática, o código ganha uma cara – de uma mulher nova (na época eu estava com 31 anos). Tenho certeza absoluta que isso foi determinante para eu ganhar a pior nota. Detalhe: dos 6 concorrentes nesta fase, eu era a única mulher. E eu não dei uma aula para ser desclassificada, eu tenho noção de quando não vou bem.


Depois desse concurso, prestei muitos outros, gastei tempo, dinheiro e energia, até que, no ano passado, prestei um concurso na área de Oceanografia Geológica na UFES – uma área que tenho conhecimento por conta do meu doutorado. Não consegui de novo, agora porque o sistema de seleção deles não leva em consideração a experiência de quem não é da universidade.


Eu fui financiada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental das Nações Unidas (IOC-UNESCO) para fazer cursos na área de Oceanografia, eu ganhei financiamento da Associação Internacional de Sedimentologia (IAS) e da União Internacional de Pesquisa Quaternária (INQUA) para participar de congressos científicos internacionais, eu trabalho em um dos principais institutos do país (IBGE), junto com uma galera sensacional, mas nada disso contou, porque não sou parte do sistema – bancas e orientações eram pontuados (coisas que eu não tenho, justamente porque não sou do meio acadêmico) e meus cursos e financiamentos, não. Fiquei muito consternada, pensando em desistir de buscar uma opção melhor de trabalho (meu contrato no IBGE é temporário), mas repensei e voltei para o jogo.


No começo desse ano, fui nomeada como uma das 50 estrelas em ascensão do mundo geoespacial pela Geospatial World, uma organização vinculada à Divisão de Estatística das Nações Unidas, e como “prêmio” pude participar do Geospatial World Forum, que aconteceu entre os dia 09 e 12 de maio na Holanda. Uma semana incrível, que só não foi melhor, porque mais uma vez o maldito gender bias aconteceu comigo. Desta vez, foi com o concurso da área de Cartografia e Geoprocessamento da UFABC. Eu passei na prova escrita, que tinha feito enquanto estava no Brasil e as outras fases aconteceriam sabe-se lá quando de forma remota. E justamente, aconteceu nos dias em que eu estava na Holanda. Consegui manejar meus compromissos e o fuso horário para participar. Tirei a segunda maior nota na prova escrita. E novamente, foi só mostrar minha cara para tudo desandar de novo. Um homem, que já faz parte do sistema acadêmico (agora veio o combo da falta de diversidade e dos privilégios de quem já está inserido no meio), levou a vaga, porque mesmo eu sendo competente no que eu faço, tendo reconhecimento internacional (além desse prêmio, já tive foto minha em capa de revista internacional, tive o mapa mais votado em um dos fóruns da ESRI (Environmental Systems Research Institute), já dei entrevista sobre minha experiência em Delft e tenho publicações de qualidade em revistas especializadas), nada disso conta: porque eu não sou homem e não estou no sistema. Como eu vou ser parte do sistema se eu não posso entrar?


O que me deixa com raiva é a falta de uma política de diversidade na área de tecnologia das universidades, além do gasto de dinheiro e saúde física e mental que esse tipo de seleção provoca. Eu estou me sentindo um lixo, porque, para quem está lá dentro, eu não sirvo para ensinar, eu não sou boa o suficiente para pesquisar e não sei divulgar o meu trabalho. Se eu procuro emprego na iniciativa privada, a coisa piora e muito. Eu não tenho uma rede de contatos muito grande – esse é o mal de se fazer pós-graduação no Brasil! Aplico para milhares de vagas na área geotecnológica; mas não recebo nem um e-mail dizendo porque não me ajusto para aquela vaga. A única vaga para a qual apliquei e me chamaram tinha uma redução na bolsa de pesquisa pelo fato de eu ser professora concursada em Maricá! Talvez se eu tivesse um sobrenome estrangeiro ou se fosse um homem, eu não tivesse esse problema, porém eu nasci mulher, sou mulher e tenho que me satisfazer com empregos temporários, quando têm. E o que me deixou mais "fula" nessa última seleção para professor universitário, que definitivamente vai ser a última de que participo, foi o fato de que deixei de passar tempo com meu pai, que estava hospitalizado quando fiz a prova escrita, e depois deixei de aproveitar 100% um evento incrível que rolou na Holanda.


Poucas pessoas vão ler isso, ninguém vai me dar o emprego dos sonhos, vamos continuar tendo bancas de seleção compostas por homens brancos de meia idade e os RHs das empresas vão continuar me ignorando. Mas, pelo menos, eu verbalizei o que eu sentia, enquanto chorei copiosamente com muita raiva, porque não adianta vir com o discurso de que a minha hora vai chegar, que eu sou boa e não posso me abalar e outras pieguices – meu pai está doente neste momento, preciso ampará-lo e dar um mínimo de conforto para ele, mas não tenho condições financeiras de ajudá-lo por muito tempo; eis um dos motivos da minha busca por uma posição melhor remunerada. E eu quero ser mãe, mas como eu posso querer gerar uma vida se eu não tenho meios de sustentá-la? Infelizmente, para mim, as coisas não vão mudar, mas eu realmente espero que a próxima geração de mulheres nas geotecnologias não precisem passar por isso, porque se sentir um lixo, sabendo que não se é, é a pior sensação do mundo.


 

Sobre a autora:

Geógrafa (USP) e mestre e doutora em Oceanografia (UERJ). Atualmente é Analista Censitária na Gerência de Infraestrutura da Coordenação de Estruturas Territoriais da Diretoria de Geociências do IBGE e instrutora dos cursos de extensão dos Sistema Labgis/UERJ. Têm experiência na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia Costeira e Dinâmica Sedimentar de Ambientes Costeiros, utilizando ferramentas de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto. E o amor pelas águas salgadas vai além, sendo atleta amadora de natação em águas abertas.


 
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