top of page

A formiga e o mar

Atualizado: 24 de jul. de 2020


Ilustração: Joana Ho


Não, não estamos falando de uma formiga marinha nem de formigueiros no fundo dos oceanos. Mas sim, a formiga e o mar estão relacionados. Venha saber como


Os oceanos têm uma ligação muito próxima com tudo que é feito no continente e, de uma forma ou de outra, tudo (ou quase tudo) chega aos oceanos. Então, se usamos algum produto/substância em casa, na agricultura ou na indústria, esse material, um dia, chegará aos oceanos.


O Brasil tem um papel importante no abastecimento das fábricas de papel e celulose em diversos países do mundo (principalmente na China e em países da Europa). Por isso, nosso território tem extensas plantações de eucalipto que, devido ao seu rápido crescimento e baixo custo de plantio, é uma excelente fonte de matéria prima para estas indústrias. No entanto, as plantações de eucalipto são um “prato cheio e saboroso” para formigas cortadeiras que podem causar a desfolha total das plantas e levá-las à morte. Atualmente, para controlar esses insetos, são usadas iscas formicidas granuladas, sendo a Sulfluramida a mais usada.


Imagem: Plantações de eucalipto no extremo sul da Bahia. Acervo pessoal.

Diversos pesquisadores observaram que a Sulfluramida, após ser lançada no ambiente, se transforma em outros compostos químicos depois de algumas semanas. Um deles, o ácido perfluoroctanoico sulfônico (PFOS), é altamente persistente no ambiente e apresenta efeitos tóxicos para a biota, incluindo nós seres humanos. Porém, embora o PFOS seja classificado como um Poluente Orgânico Persistente pela Convenção de Estocolmo (saiba mais aqui), da qual o Brasil é signatário, a cada cinco anos, o país pede autorização para continuar utilizando a Sulfluramida.


Alguns trabalhos, realizados em 2012 e 2014, apresentaram valores elevados de PFOS em águas dos mares brasileiros¹,², que não foram condizentes com o uso industrial dos PFOS no país. Com isso surgiu a pergunta: seria a Sulfluramida uma fonte significante de PFOS para a região costeira do Brasil?


Para responder esta pergunta os pesquisadores do Laboratório de Oceanografia Química da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) trabalham em colaboração com outras instituições nacionais e internacionais realizando análises de amostras ambientais e experimentos laboratoriais. Dessa forma, pela primeira vez, um estudo³,4 reuniu dados sobre uso, produção, comercialização, exportação e importação do ingrediente ativo da Sulfluramida (EtFOSA – N-ethilperfluoro-octano-1-sulfonamida) mostrando que a importação de EtFOSA pelo Brasil passou de 30 toneladas em 2007 para 60 toneladas em 2014. O mesmo estudo também avaliou a ocorrência de PFOS e outras substâncias perfluoroalquiladas (PFASs) em águas superficiais da Baía de Todos os Santos (Bahia), onde se constatou a presença de um perfil de PFASs que corresponde ao uso da Sulfluramida.


Mas a pergunta ainda não estava respondida, pois os estudos que sugerem a degradação da Sulfluramida para PFOS realizaram apenas análises em solos e/ou água e nenhum deles estudou a degradação a partir das iscas formicidas, que são possíveis fontes dessa substância. A partir disso, foi elaborado um experimento para estudar essa degradação em solo, com e sem a presença de cenouras (vegetal escolhido pois é fácil de cultivar em laboratório, tem crescimento rápido e é usado na alimentação humana)5. O estudo concluiu que num período de menos de duas semanas a Sulfluramida era degrada para PFOS em uma quantidade maior que anteriormente estimada. Além disso, observou-se que o PFOS é absorvido do solo pela cenoura, e se distribui entre sua casca, seu interior e suas folhas. Ou seja, alimentos plantados próximos de regiões onde há uso da Sulfluramida podem ser expostos a PFOS.


Imagem: Coleta de Material. Arcevo pessoal.

Concomitantemente, dados gerados a partir da análise de amostras (água fluvial, marinha e subterrânea, solo, folha e sedimento) da região de Caravelas e Alcobaça (extremo sul da Bahia) auxiliaram a entender como pode ocorrer o transporte da Sulfluramida e seus produtos de degradação, desde a região de aplicação até a costa. Esta região foi escolhida devido à presença de extensas plantações de eucalipto. Por exemplo, 30,6% da área total da cidade de Caravelas é ocupada por eucalipto. Esse trabalho permitiu confirmar a hipótese que o uso de Sulfluramida nas plantações de eucalipto da Bahia são uma fonte significante de PFOS para a região costeira. Lembrando que é justamente nesta região onde se encontra a maior concentração de recifes de coral do Atlântico Sul, os recifes de Abrolhos. Além disso, a presença de PFOS (e outros compostos perfluorados) em água de poço artesiano foi particularmente preocupante, devido ao potencial de exposição de seres humanos através da ingestão de água.


Imagem: Rio Alcobaça (extremo sul da BA). Acervo pessoal.

Infelizmente, embora haja estudos em busca de alternativas, a Sulfluramida é considerada o método mais eficiente para o controle de formigas cortadeiras no Brasil e não há uma perspectiva para que seu uso seja proibido.


Trabalhos como esse exemplificam porque a liberação indiscriminada de agrotóxicos (foram mais de 100 liberados só em 2019) é tão preocupante, pois, uma vez que são introduzidos no ambiente, esses compostos não atingem somente o local onde ele é aplicado e podem permanecer no ambiente por muito tempo (veja o caso da ocorrência do DDT no ambiente antártico). Além disso, pouco se sabe sobre os produtos de degradação da maior parte dos agrotóxicos usados no Brasil.


 

Referências:


Benskin, J.P., Muir, D.C.G., Scott, B.F., Spencer, C., De Silva, A., Kylin, H., Martin,J.W., Morris, A., Lohmann, R., Tomy, G., Rosenberg, B., Taniyasu, S., Yamashita, N., 2012a. Perfluoroalkyl acids in the atlantic and canadian arctic oceans. Environ. Sci. Technol. 46, 5815–5823.


González-Gaya, B., Dachs, J., Roscales, J.L., Caballero, G., Jimenez, B., 2014. Perfluoroalkylated substances in the global tropical and subtropical surface oceans. Environ. Sci. Technol. 48, 76–84.


Gilljam, J.L., Leonel, J., Cousins, I.T., Benskin, J.P., 2016a. Is ongoing Sulfluramid use in South America a significant source of perfluorooctane sulfonate (PFOS)? Production inventories, environmental fate, and local occurrence. Environ. Sci. Technol. 50, 653–659.


Gilljam, J.L., Leonel, J., Cousins, I.T., Benskin, J.P., 2016b. Additions and correction to is ongoing Sulfluramid use in South America a significant source of perfluorooctanesulfonate (PFOS)? Production inventories, environmental fate, and local occurrence. Environ. Sci. Technol. 50, 7930–7933.


Zabaleta, I., Bizkarguenaga, E., Nunoo, D.B.O., Schultes, L., Leonel, J., Prieto, A., Zuloaga, O., Benskin, J.P., 2018. Biodegradation and uptake of the pesticide sulfluramid in a soil/carrot mesocosm. Environ. Sci. Technol. 52, 2603–2611.


Nascimento, R. A., Nonoo, D. B. O., Bizkarguenaga, E., Schults, L., Zabaletab, I., Benskin, J. P., Spanó, S., Leonel, J. (2018). Sulfluramid use in Brazilian agriculture: A source of per- and polyfluoroalkyl substances (PFASs) to the environment. Envirom. Pol. 242, 1436-1443


915 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo

1 Comment


C Cardoso
C Cardoso
Jan 17, 2022

Texto muito subjetivo, dá margem a diversos entendimentos e cheio de lacunas importantíssimas como, quais os efeitos dos PFOS nos organismos?; quais níveis conhecidos mínimos de concentração letal?; qual o comportamento químico nos solos e fenômenos relacionados?

Desta forma, achei muito tendencioso e injusto para ser lido por pessoas que não são da área, vão julgar partido sem questionar, induzidas por um texto cientifico incompleto e cheio de lacunas de fatos relacionados que não são sequer levantados.

Like
bottom of page