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A pós-graduação como um espaço agradável

Por Daniela Coelho


Boa parte das pessoas com quem eu já conversei sobre pós-graduação tem referências ruins sobre o ambiente acadêmico. Essas referências vão desde as más orientações que recebem dos seus orientadores (usarei o termo orientadores para me referir tanto a homens quanto a mulheres), até um ambiente pesado, de intensa cobrança e competição, que o próprio programa de pós graduação pode cultivar. Isso sempre me chamou atenção, pois desde o meu terceiro semestre do curso de Biologia eu já tinha interesse na vida acadêmica.


Fiz iniciação científica e mestrado (zoologia) na UFBA e agora estou no doutorado (ecologia) na USP. No início eu realmente achei que meu processo de adaptação seria muito pesado, por estar trocando de área de atuação e de cidade. Porém, andei um passo de cada vez e isso foi essencial para que soubesse que estava escolhendo a pessoa certa, no lugar certo. Primeiro, conheci meu orientador alguns anos antes de fazer a seleção. Fiz o esforço de ir até a universidade onde ele leciona justamente para conhecê-lo e termos nossa primeira conversa sobre a “possibilidade” de orientação - essa galera normalmente é muito ocupada e fazer o contato previamente é essencial. Ele me propôs que tivéssemos uma vivência antes (uma espécie de estágio), justamente para saber se eu me adequaria ao seu estilo de orientação e se ele acharia interessante me orientar. Nada mais justo! Ele me sugeriu também conversar com seus orientandos para saber sobre o seu perfil de orientação e sobre o ambiente do laboratório.



Acho que pouquíssimos orientadores fariam tal sugestão, assim como poucos alunos têm esse feeling de buscar saber onde estarão pisando! Conversar com os alunos que já foram orientados pelo pesquisador e aqueles que estão em via de orientação pode pesar muito na sua escolha. Após estar certa de que seria uma boa decisão fazer o doutorado com ele, iniciamos a etapa de discutir o meu projeto, de forma que a linha de pesquisa que seguiríamos se adequasse tanto aos interesses dele, quanto aos meus, afinal, eu passaria 4 anos da minha vida estudando aquele tema, naquele ambiente e sob aquela orientação.


Quando fui prestar a seleção, tive outra grata surpresa: meu orientador se propôs a discutir comigo cada um dos artigos que cairiam na prova, justamente para garantir que eu me sentisse mais segura para o processo seletivo. Embora essa atitude dele seja um ponto fora da curva, ele provavelmente também estava garantindo que o seu investimento de tempo em mim seria garantido se eu fosse aprovada na seleção! Após ingressar no programa e discutirmos nosso projeto, ele fez uma sugestão que achei brilhante! Eu seria preparada a ponto de, no último capítulo da minha tese, ser a única autora, pois ao final do meu doutorado eu deveria “ser capaz de pensar sozinha numa pergunta, delinear e executar uma pesquisa”, e a participação dele seria apenas para aparar as arestas.


Nesse momento eu realmente entendi que sua preocupação não era apenas com o número de artigos que eu iria produzir ao final do meu doutorado, e sim com a qualidade da minha formação. Ele também incentiva os alunos que integram o laboratório a trabalharem conjuntamente na elaboração de uma pesquisa, sem a participação dele e isso tem sido muito produtivo para o crescimento, união e amadurecimento do grupo. Estamos aprendendo a nos ajudar mais. Além disso, nosso orientador disponibiliza uma hora de reunião semanal para cada aluno discutir com ele o projeto ou qualquer outro assunto que quiser. Ele estuda junto com a gente!


A maioria das pessoas diz que eu vivo num laboratório de conto de fadas, e que orientadores como o meu são raríssimos! Pode até ser, quando pensarmos no grande universo das pós graduações. Porém, assim como o meu, eu tenho convivido com diversos outros orientadores que também se preocupam, e muito, com a sua “prole”. Eu faço parte de uma espécie de laboratório integrado, onde, além do meu orientador, existem três outros professores que agem praticamente da mesma forma. Eles não se importam exclusivamente com a nossa produtividade acadêmica, mas também com a qualidade do profissional que eles estão formando para o mercado.



Ok, agora vamos ampliar a escala. E o ambiente da sua pós graduação? Bom, eu estou muito satisfeita com o programa de pós graduação em ecologia da USP. Pelo tempo que estou aqui, pouco mais de 1 ano de pós e dois anos anteriores de vivência no laboratório, pude perceber que os coordenadores são muito humanos e preocupados com o bem estar dos alunos. Juntamente com os representantes discentes, eles conseguem manter um ambiente onde os alunos têm voz ativa. Há eventos sobre saúde mental, com ciclo de palestras e bate-papo entre os alunos, ou com os professores, sobre depressão, síndrome do impostor, ansiedade, organização de tempo e muitos outros temas que tanto afligem os estudantes. Além disso, temos um espaço destinados aos alunos para apresentação dos nossos projetos, ideias ou para o convite de palestrantes do nosso interesse.  Venhamos e convenhamos, existe algum trabalho sem prazos e cobranças? Não, né? A questão é o que os organizadores do ambiente em que você está inserido estão fazendo para melhorar a sua paz de espírito.O programa cobra prazo e produtividade dos alunos, como qualquer outro programa. O que muda é o que eles fazem para amenizar o estresse ao qual estamos submetidos.

Será que tudo que estou vivendo é um mar de rosas e eu estou iludida com a realidade do ambiente da pós graduação? Claro que não, não me considero uma pessoa tão ingênua assim! O grande xis da questão é saber previamente para onde você quer ir. Como disse o gato do filme Alice no País das Maravilhas, “se você não sabe pra onde ir, qualquer caminho serve”. E quais conselhos eu gostaria de deixar aqui? O primeiro é: busque se informar fortemente sobre o suporte dado por sua pós graduação de interesse à saúde mental dos alunos. Da mesma forma, busque saber quem é o seu orientador de interesse e o que os alunos antigos e atuais pensam sobre ele, tanto como pessoa quanto como profissional. Não esqueça: quem vê lattes não vê coração! A segunda é: não escolha o orientador “apenas” pelo quão produtivo ou expert ele é na sua área de interesse. Escolha também pelo quanto ele vai te respeitar como pessoa e respeitar seus interesses profissionais. Não escolha ”o melhor”, escolha aquele que é capaz de extrair o que há de melhor em você.


Eu sei que não há espaço para todos nesses ambientes ideais, mas quando estamos falando da nossa saúde mental, talvez seja mais prudente refletir se vale a pena estar em lugares que degradem a sua paz de espírito na construção do seu caminho acadêmico ao invés de buscar outras alternativas.

 

Sobre a autora:

Daniela Pinto Coelho: É bióloga formada pela UFBA, mestre pelo programa de pós-graduação em Diversidade Animal (UFBA) e doutoranda pelo programa de pós-graduação em Ecologia da USP. A autora desenvolve pesquisa com redes de interações tróficas usando serpentes como modelo de estudo. É apaixonada por gatos e por esportes de aventura.








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