Lei do Mar: antes tarde do que nunca
- batepapocomnetuno
- 29 de mai.
- 5 min de leitura
Por Yonara Garcia
A Lei do Mar (PL 6.969/2013) é uma proposta legislativa que busca instituir a Política Nacional para Uso e a Conservação do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar) e estava em tramitação no Congresso Nacional há mais de dez anos. Seu objetivo principal é promover a proteção, uso sustentável e a recuperação dos ecossistemas marinhos e costeiros, integrando ações de monitoramento ambiental, pesquisa científica, gestão participativa e ampliação de áreas marinhas protegidas. A proposta também busca promover uma governança nacional mais eficaz sobre os recursos marinhos e enfrentar problemas como poluição marinha e sobrepesca (Para saber mais sobre este projeto, clique aqui). Nesta semana, a proposta foi finalmente aprovada na Câmara dos Deputados e agora segue para análise no Senado!
Ao longo dessa tramitação, em 2023, assisti a uma sessão da Câmara dos Deputados, na qual me deparei com a fala de diversos atores (representantes da indústria pesqueira, da pesca artesanal, ambientalistas, entre outros) ali presentes. Cada um tinha seu ponto de vista, pontos que não concordavam no texto, e cada um teve seu espaço de fala. Quando chegou o momento da Profa. Dra. Leandra Gonçalves, professora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-UNIFESP), ela falou da importância desse projeto ser aprovado e, então, encaminhado para o Senado, pois já havia uma década de tramitação. Para mim, foi incrível a fala dela e quando ela terminou, eu pensei: “Nossa, arrasou! Explicou super bem, deu um sacode em alguns que estavam presentes, acho que todos entenderam”. Eis que um deputado pede espaço de fala e diz (não exatamente com essas palavras): Professora Leandra, foi muito bonito seu discurso, com palavras bem colocadas, mas eu estou aqui para defender os humanos… e continuou sua fala. Aquele momento me causou certa estranheza pela falta de percepção de que os humanos não fazem parte da natureza, o que me lembrou de um filme que ilustra perfeitamente o que eu havia acabado de presenciar.
O filme em questão é o “Princesa Mononoke” (1997), dirigido por Hayao Miyazaki e produzido pelo Studio Ghibli. Ambientado no final do período Muromachi (séculos XIV a XVI) do Japão, este filme segue a história de Ashitaka, um jovem príncipe, condenado por uma maldição enquanto salvava seu vilarejo do ataque de um Deus-javali demonizado. A fim de descobrir a origem de sua maldição e encontrar uma possível cura, Ashitaka parte em uma jornada e se depara com um conflito entre os deuses da floresta e os humanos que exploram os recursos naturais. Em meio a esse conflito, ele conhece San, a Princesa Mononoke, uma jovem criada por deuses-lobos, que carrega um ódio pelos homens e luta ao lado da floresta, e Lady Eboshi, líder da Vila de Ferro que busca progresso às custas da natureza, mas também se mostra uma líder generosa por desafiar o feudalismo japonês, oferecendo dignidade e trabalho a pessoas marginalizadas pela sociedade, como as prostitutas e os leprosos. Ashitaka tenta intermediar a paz, mas a tensão entre a preservação da natureza e o desenvolvimento só aumenta, resultando em uma batalha épica. Em certo momento da batalha, o Espírito da Floresta (Deus-cervo), uma divindade pacífica, é decapitado por Lady Eboshi, pois ela acreditava que dessa forma ela iria conseguir alcançar o progresso para seu povo. Em seguida, o Deus-cervo se transforma em uma entidade demoníaca que destrói tudo ao seu redor, tanto os animais da floresta, quanto a Vila de Ferro, o que causa grande perplexidade em todos os personagens. Mas esta entidade não distingue entre bons e maus, pois quando o equilíbrio é quebrado, todos sofrem. A destruição termina quando a cabeça do Espírito da Floresta é devolvida e ele desaparece, mostrando que o equilíbrio foi perdido. Esse momento do filme é marcado pelo recomeço para ambos os lados, onde a floresta começa a se regenerar, mas não a mesma, e os humanos que sobreviveram voltam a se reconstruir, na esperança da lição ter sido aprendida.
Esse filme é uma clara metáfora do que vivemos. Progresso à custa da destruição. Olhar os seres humanos como algo à parte, acima de tudo, onde o planeta Terra é dividido em espécies de fauna, flora e a poderosa espécie humana.
Mas vamos pensar o seguinte, imagine uma pirâmide de cartas de baralho, onde cada carta representa uma espécie no planeta, e uma dessas cartas representa a espécie humana. Se começarmos a derrubar algumas cartas, a tendência é que a pirâmide inteira caia. A pirâmide corresponde à biodiversidade do planeta Terra. Quando a base da pirâmide cai, todas as espécies caem, incluindo a espécie humana. Então, quando você vê ambientalistas falando centenas de vezes da importância da biodiversidade, do porquê devemos frear essa constante perda da biodiversidade, não é (só) porque somos seres altruístas, que amam a natureza e querem salvar apenas os animais e as plantinhas. O que buscamos é manter essa estrutura de vida que conhecemos hoje. Nós queremos nos salvar, salvar nossa espécie também. Nós entendemos que ao ocorrer progresso às custas da biodiversidade, estamos dando um tiro no próprio pé.
Por isso, o desenvolvimento e implantação de projetos como a Lei do Mar são tão importantes, pois buscam regulamentar diversas atividades, promovem o uso sustentável dos ecossistemas e garantem a conservação da biodiversidade. Ou ainda lutar contra propostas como o PL 2.159/2021, da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, mais conhecida como PL da Devastação, que enfraquecem a proteção ambiental no país. Assim como no filme, se não respeitarmos os limites para coexistir, a Terra não vai acabar, mas pode ser que essa estrutura de vida que conhecemos hoje acabe. E o planeta se reconstituirá, de um outro jeito, com novas formas de vida.
"You cannot change fate. However, you can rise to meet it, if you so choose.” (“Não se pode mudar o destino. Mas é possível enfrentá-lo, se você quiser.” – Princesa Mononoke)
Sobre a autora:

Editora do BPCN, formada em ciências biológicas pela UFJF com mestrado em ciências (Oceanografia Biológica) pelo Instituto Oceanográfico da USP. Atualmente está desenvolvendo seu doutorado no Instituto do Mar da UNIFESP. Sempre despertou interesse pelos ecossistemas aquáticos. Durante a graduação atuou em limnologia estudando, principalmente, os ciclos biogeoquímicos e as comunidades planctônicas. Já na pós-graduação atuou em pesquisas que tiveram como foco o plâncton marinho e o coral-sol. Hoje seu foco principal é o estudo da contaminação, principalmente por microsplásticos, em Áreas Marinhas Protegidas. Gosta de andar de bicicleta, ir à praia, subir montanha, viajar, fotografar, reunir os amigos, estar em contato com a natureza e sempre contar com uma boa leitura. Está aprendendo a cada dia o papel de ser mãe com sua filha Mia.
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