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Muito além de um rostinho bonito…

Atualizado: 19 de set. de 2023

Por Andressa Elias de Matos e Ju Leonel


Ilustração: Natasha T. Hoff


É difícil encontrar alguém que não tenha um certo apreço por algum mamífero marinho. Quantos não querem abraçar um golfinho ou fazer um cafuné em uma foca. Mas eles são muito mais do que fofinhos! Além da função ecológica que desempenham no ecossistema do qual fazem parte, eles também são importantes para estudos de contaminação ambiental.


A maioria dos mamíferos marinhos são organismos de topo de teia trófica (pois não tem muitos predadores naturais na fase adulta), vivem muitos anos, gestam e amamentam seus filhotes (como os demais mamíferos) e possuem uma camada de gordura subcutânea - principalmente as baleias e golfinhos - que ajuda na flutuabilidade, a manter a tempera corpórea, além de ser reserva de energia. Algumas espécies são cosmopolitas e outras ocorrem em apenas algumas regiões. Há, ainda, espécies que vivem em diversas regiões, mas se subdividem em populações e estas ocupam uma região bem determinada. Por exemplo, as populações de botos da Lagoa dos Patos/RS e de Laguna/SC: apesar de serem da mesma espécie, estão isoladas e não interagem entre si.


Mas o que todas essas características têm a ver com estudos de contaminação?


Muitos contaminantes ambientais são lipofílicos, ou seja, tem afinidade por lipídios. Por isso, a camada de gordura subcutânea dos mamíferos marinhos é um local preferencial de acúmulo dessas substâncias. Isso faz deles uma excelente matriz para estudar a presença e distribuição desses compostos.


A alta longevidade dos mamíferos marinhos também faz com que, ao longo da sua vida, eles acumulem diversos contaminantes persistentes (aqueles que não são metabolizáveis) nos seus tecidos. Esse processo é chamado de bioacumulação.

figura para ilustrar o processo de bioacumulação. Desenho de 4 peixes em linha; O primeiro (da esquerda para a direita) tem 15% do corpo pintado de vermelho, o segundo 30%, o terceiro tem 60% e o quarto 90%. A pintura em vermelho representa o nível de contaminante em cada um dos peixes. E cada peixe (da esquerda para a direita) representa o mesmo organismo ao longo da sua vida: do mais jovem ao mais velho.

Fonte: Juliana Leonel com Licença CC 4.0 BY


Dessa forma, quanto mais velho for o organismo, maiores serão as concentrações desses contaminantes. No entanto, devido a gestação e lactação, isso não é igual para machos e fêmeas. Durante a gestação e, principalmente, durante a lactação, as fêmeas excretam parte desses contaminantes (principalmente os que têm afinidade a lipídios) através da placenta e do leite. Por isso, as fêmeas adultas costumam ter níveis de contaminação menores que os machos adultos.


Por serem organismos de topo de teia trófica, através da alimentação, eles são expostos a todos os contaminantes presentes nas suas presas. Dessa forma, acumulam níveis maiores que os organismos de menor nível trófico. Esse processo de aumento da concentração de um contaminante ao longo da teia trófica é a biomagnificação.

figura para ilustrar o processo de biomagnificação. Estão alinhados - da esquerda para a direita -  desenhos de fitoplâncton, zooplấncton, peixes, foca e orca. Embaixo deles de cada um uma régua mostrando o nível de contaminação aumentando desde o plấncton até a orca.

Fonte: Juliana Leonel com Licença CC 4.0 BY


Outra vantagem desse grupo de organismos, é que eles podem ajudar a elucidar a exposição humana aos contaminantes através da ingestão de peixes e frutos do mar, assim como também a exposição de filhotes durante a gestação e lactação. Além disso, diferentemente do que acontece com peixes, crustáceos e moluscos, que precisam ser mortos para que os tecidos a serem analisados sejam retirados, para as espécies maiores (como as baleias não dentadas) é possível amostrar pequenos pedaços de pele e gordura subcutânea dos animais vivos, sem causar danos neles, através dos uso de dardos. No entanto, vale ressaltar que esse tipo de procedimento tem um alto custo financeiro e exige pessoal treinado (e com autorização) para executá-lo.


No Brasil, apesar da ampla extensão litorânea e da ocorrência de dezenas de espécies de mamíferos marinhos, os estudos de poluição se concentram em poucas espécies coletadas principalmente na costa sul e sudeste do Brasil. Para os Poluentes Orgânicos Persistentes, as espécies mais estudadas são o boto-cinza (Sotalia guianensis), a toninha (Pontoporia blainvillei) e o golfinho-pintado-do-Atlântico (Stenella frontalis). De uma forma geral, os organismos de regiões altamente urbanizadas e industrializadas, como da Baixada Santista e da Baía de Guanabara, apresentam os valores mais altos - e mais preocupantes - desses compostos.

 

Sobre Andressa Matos:

Me chamo Andressa, tenho 28 anos e sou bióloga por formação, mas foi na oceanografia que encontrei minha verdadeira paixão, os mamíferos marinhos! Faço parte do Laboratório de Poluição e Geoquímica Marinha da UFSC, onde desenvolvi minha pesquisa de mestrado investigando a contaminação de mamíferos marinhos ao longo da costa brasileira por poluentes orgânicos persistentes organoclorados. Atualmente, resido em Curitiba-PR, onde atuo como docente do ensino fundamental e médio e em projetos de educação ambiental.


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