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Os polvos podem brincar? O que nos ensina o documentário Professor Polvo

  • batepapocomnetuno
  • 11 de jul.
  • 4 min de leitura

Por Nayara Almeida Amed


Você já assistiu o documentário “Professor Polvo”? Ele foi lançado em 2020 e foi ganhador do Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem em 2021. Dirigido por Pippa Ehrlich e James Reed, o longa mostra a história real de Craig Foster, um cineasta que mergulha todos os dias, durante quase um ano, para visitar um polvo fêmea em uma floresta de algas na África do Sul. Com o tempo, o polvo começa a confiar nele, e o que vemos é uma relação muito curiosa – e surpreendente! Um dos comportamentos mais diferentes observados nesse período foi a brincadeira. Mas será que um polvo pode mesmo brincar? 


Os polvos são moluscos do grupo dos cefalópodes, conhecidos por sua inteligência e habilidades incríveis. Eles têm um sistema nervoso muito desenvolvido: um polvo adulto tem cerca de 500 milhões de neurônios, sendo que a maior parte está espalhada pelos tentáculos! Para comparar, caramujos, que também são moluscos, possuem só cerca de 20 mil neurônios. Além da quantidade, a organização dos neurônios nos polvos também impressiona. Eles têm uma parte do cérebro chamada lobo vertical, importante para a memória e o aprendizado, o que ajuda a explicar seus comportamentos complexos, tal qual a brincadeira. 

Mergulhador homem usando máscara de snorkel preta observa de perto um polvo marrom com os tentáculos estendidos em águas cristalinas.
O cineasta Craig Foster conhecendo o polvo e se fascinando pela primeira vez, o que o levou a visitar o animal por vários dias seguidos e acompanhar seu ciclo de vida (Foto de divulgação Netflix).

O que é brincar para um polvo?


Brincar pode parecer algo só de humanos ou de animais domésticos, mas cientistas vêm observando que outros animais também fazem isso. No caso dos polvos, a brincadeira mais comum é com objetos. Um estudo de 2003 listou cinco critérios para identificar se um comportamento é mesmo uma brincadeira: deve ser voluntário e espontâneo; não deve estar ligado a necessidades básicas (como fome); deve ser diferente do comportamento “normal” do animal; acontecer várias vezes e quando o animal não está estressado. Ou seja, o polvo só brinca se estiver calmo, sem perigo e com recursos sobrando.


No documentário, tem uma cena marcante em que o polvo estica os tentáculos em direção a um cardume de peixes, sem tentar pegá-los. Craig Foster questiona: “Será que ele está brincando?” Pode ser que sim! 


Brincar, nesse caso, pode ser uma forma do polvo de se estimular mentalmente, usar a criatividade e até aprender coisas novas. A teoria do “recurso excedente” (Kuba et al., 2006) explica que os animais só brincam quando têm energia e tempo “sobrando”. Ou seja, a brincadeira não serve para algo imediato, como se alimentar, mas pode ajudar o animal a desenvolver habilidades importantes para a sobrevivência. Estudar o comportamento dos polvos – como a brincadeira – nos ajuda a entender melhor como funciona a inteligência nos animais. Mesmo sendo invertebrados, eles mostram sinais de curiosidade, criatividade e aprendizado, e isso amplia nossa visão sobre o que é consciência e cognição no mundo animal. No caso do Octopus vulgaris, a espécie mostrada no documentário, vemos comportamentos como a cena do cardume de peixe, na qual o polvo não parece estar predando os peixes, mas somente interagindo com eles, o que poderia caracterizar uma brincadeira. Além disso, outras cenas demonstram a complexidade de comportamentos do animal, como se camuflar imitando texturas e cores e estratégias para enganar predadores (como se fingir de alga ou usar conchas para se esconder). Essas ações mostram que os polvos têm uma mente ativa, que aprende com o ambiente e que pode até se divertir. E se brincar é sinal de bem-estar e inteligência, então talvez esses animais tenham muito mais a nos ensinar do que imaginamos.

Conjunto de conchas de diferentes tamanhos, cores e formas empilhadas e agrupadas sobre o fundo arenoso do mar. A estrutura está encobrindo um polvo, com apenas partes de seus tentáculos visíveis.
O polvo envolve-se em conchas para se proteger e despistar predadores (Foto de divulgação Netflix). 

A observação dos polvos brincando nos leva a uma pergunta importante: será que só os humanos têm criatividade e curiosidade? A resposta é: não. Os polvos mostram que para eles a brincadeira também pode ser uma forma de aprender, explorar e sobreviver. E isso nos ajuda a entender que, mesmo entre os animais mais diferentes de nós, existem formas riquíssimas de inteligência e que eles têm muito a nos ensinar, como bons professores.



Referências:


HOCHNER, Binyamin; Strutt, David. Octopuses. Current Biology Vol 18 No 19, 2008.


HUGHES, M.. Sequential Analysis of Exploration and Play. International Journal of Behavioral Development, 1(1), 83-97, 1978.


KUBA, Michael. et al. Looking at play in Octopus vulgaris. Berliner Paläontologische Abhandlungen. 3. 163-169. 2003


KUBA, Michael. et al. When do octopuses play? Effects of repeated testing, object type, age, and food deprivation on object play in Octopus vulgaris. Journal of Comparative Psychology, 2006.  


KUBA, Michael J.; GUTNICK, Tamar; BURGHARDT, Gordon M. Learning from play in octopus. Cephalopod Cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. p. 145–157. 


O’BRIEN, C. E., et al. Octopus. Reference Module in Life Sciences, 1–7, 2018. 


ZYLINSK, Sarah. 2015. Fun and play in invertebrates. Current  Biology,  25(1): R10-2. 2015.

Sobre a autora:

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Sou uma estudante de Biologia apaixonada pelo mar e pela educação em todas as suas formas. Faço bacharelado e licenciatura em Biologia na Universidade de São Paulo, e já trabalhei com identificação taxonômica de larvas de peixes. Atualmente faço estágio em um colégio com o ensino médio e sou bolsista do Programa Unificado de Bolsas da USP, no Projeto do Bate-papo com Netuno.


A ideia desse texto surgiu como resultado de uma pesquisa na São Paulo Ocean Week em 2024, a partir da curiosidade de estudantes que se interessam pelo oceano e buscam mais informações sobre temas como esse! 





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