Por Juliana Leonel
Um dos assuntos mais comentados da semana passada foi a descoberta do processo de geração de oxigênio (dark oxygem = oxigênio negro) no fundo do oceano sem a intervenção de organismos. Essa descoberta é muito importante, porque traz questionamentos sobre o início da vida aeróbica (aquela que depende de oxigênio) na Terra e também sobre a exploração de minerais do fundo marinho.
Antes de falar mais sobre o estudo em si, vamos revisar alguns conceitos já conhecidos.
Até o momento, sabíamos que a geração de oxigênio livre (O2, que é o oxigênio que respiramos) só era feita por reações mediadas por organismos, tanto os fotossintetizantes (que utilizam a luz como energia) como os quimiossintetizantes (que usam a energia oriunda de reações químicas, como a oxidação de alguns substâncias inorgânicas, como nitrato e sulfato).
A maior parte da produção de oxigênio é feita por organismos fotossintetizantes, pois a quimiossíntese é realizada por um grupo pequeno de organismos que se encontram em locais específicos.
Por isso, locais sem a presença de luz - como o fundo do oceano - costumam ter valores mais baixos de oxigênio (quem leva o oxigênio até lá são as massas de água).
Sabendo disso, quando os equipamentos do grupo de pesquisadores liderado pelo Prof. Andrew Sweetman (da Associação Escocesa para Ciências Marinhas) detectou oxigênio sendo produzido na escuridão do fundo do mar, há 10 anos, eles achavam que o resultado era problema nos sensores que estavam utilizando. Depois de quase uma década e várias calibrações, revisões nos equipamentos, novas medições e uma série de experimentos para assegurar que o oxigênio não vinha de outros locais (bolhas, água intersticial, organismos quimiossintetizantes etc), eles finalmente entenderam que era a presença de nódulos polimetálicos que estava produzindo oxigênio.
Mas com isso acontece?
Primeiro vamos entender o que são os nódulos polimetálicos…
Estes nódulos polimetálicos são produzidos por concreções (agrupamento) de minerais presentes na água do mar que se depositam ao longo do tempo de forma relativamente concêntrica em volta de um núcleo (que pode ser partículas de sedimento, por exemplo - similar ao que ocorre na formação de um pérola). Com o passar do tempo - e de forma muito lenta, mas muito lenta mesmo (= milhões de anos) - podem atingir algumas dezenas de centímetros de diâmetro. A composição dos nódulos varia dependendo da região de formação, mas os elementos mais abundantes costumam ser o manganês e o ferro (por isso, costumam ser chamados também de nódulos de ferro-manganês). No entanto, eles são ricos em outros elementos também, como cobalto, níquel, magnésio e elementos terras-raras (exemplos: neodímio, lantânio, samário) - elementos essenciais para baterias e eletrônicos em geral. Por isso, os nódulos polimetálicos são tão cobiçados pelas empresas de mineração que vêem neles uma importante fonte de minerais.
À esquerda temos a imagem de apenas um nódulo polimetálico, uma estrutura similar a uma rocha.
À direita temos a imagem de diversos nódulos espalhados no fundo do oceano.
Imagem à esquerda: Fonte: Wikipédia com licença CC BY-SA 3.0.
Imagem à direita: Fonte: Wikipédia em Domínio Público
Entre um dos usos desses minerais está a produção de baterias. E é exatamente esse “efeito de bateria” que é responsável por separar os componentes da água (H2O) e liberar oxigênio em sua forma livre (O2). Isso ocorre, porque os elementos presentes no nódulo (como cobalto, lítio, níquel) irão produzir uma corrente elétrica capaz de fazer eletrólise (nome bonito para separação dos componentes da água).
Para testar essa hipótese o grupo do Prof. Andrew Sweetman colocou os nódulos em câmaras fechadas e monitorou a quantidade de oxigênio. Após 2 dias, a quantidade de oxigênio nas câmaras havia triplicado! Estes experimentos foram feitos tanto in situ (no fundo do mar) como ex situ (em laboratório). Eles também conseguiram detectar que a quantidade de oxigênio formada tem relação com a quantidade de nódulos presentes na região. Quanto mais nódulos, maior a corrente elétrica.
Com essa descoberta, algumas perguntas/reflexões começam a ser feitas:
Quão importante é este oxigênio para as comunidades bentônicas do fundo oceânico?
Como a mineração dos nódulos polimetálicos pode afetar a geração deste oxigênio e os organismos que dependem dele?
É crucial obter respostas para essas perguntas antes que a exploração de metais em mar profundo se intensifique.
A descoberta do oxigênio negro é mais um exemplo de como ainda sabemos pouco sobre o mar profundo e como há muita coisa incrível acontecendo a milhares de metros abaixo da superfície do oceano.
Sobre a autora:
Formada em oceanologia na FURG com doutorado em oceanografia química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente é professora adjunta na UFSC. Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril de 2020 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). Participa do BPCN desde 2018 como editora. É a chata dos "direitos autorais" e quer que todos usem/produzam material livre com licença creative commons.
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asasas
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