Por Luiza Soares
Arte por Luiza Soares
Prazer,
Sou bolsista CAPES.
Talvez vocês já devam estar sabendo por aí da notícia de que eu não receberia meu salário este mês, pois a verba destinada ao pagamento de 14 mil residentes e 100 mil bolsistas CAPES foi congelada pelo atual governo.
O sentimento que me definiu (e ainda define) quando soube da notícia foi de frustração. Veja bem, me mudei para São Paulo e entrei para o mestrado no Programa de Pós-Graduação do Instituto Oceanográfico da USP no início desse ano e, contrariando todas as previsões de cortes, fui selecionada para receber bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Recebo exatamente R$1500,00 mensais (o valor da bolsa para doutorado é de R$2200,00), valor esse, vale ressaltar, que não sofre reajuste desde 2013. Trabalho das 9 às 18 horas de segunda a sexta, isso quando não tenho que estender até às 19, 20, 21 horas ao chegar em casa. Ah! Muitas vezes tenho que trabalhar aos finais de semana também para cumprir prazos e demandas que não serão cumpridos sozinhos. Te falei que não recebo décimo terceiro? Pois é… Também não tenho férias, plano de saúde, muito menos segurabilidade social. Esqueci outro detalhe importante: sou contratualmente proibida de ter vínculo empregatício. Ou seja, minha renda depende exclusivamente da mísera bolsa de R$1500,00 que, por direito, eu deveria receber da CAPES. E não me entenda mal. Essa realidade é conhecida por nós, pesquisadores, desde que colocamos o pé na academia, mas isso não nos tira o direito de clamar por condições melhores e justas, concorda?
Não é raro nas conversas entre colegas surgir a seguinte reclamação: “Poxa… consegui me organizar financeiramente esse mês, mas fiquei doente e gastei uma nota na farmácia que irá me fazer falta no fim do mês”. O engraçado (leia-se, trágico) é que nossa bolsa independe de organização financeira. Ela simplesmente não abarca imprevisibilidades. Ficou doente? Vai ter que gastar um dinheiro que não tem. A geladeira quebrou? Vai ter que gastar um dinheiro que não tem. Mercado caríssimo? Vai ter que gastar um dinheiro que não tem. Lazer? Esquece! Custo de vida alto em São Paulo, aluguel e contas para pagar e sua bolsa sofre ameaças de corte? Que pena, vai ter que se virar. Vivemos no limite sempre!
Na manhã em que as notícias de corte pipocaram, acordei e, como de costume, fui tomar meu café da manhã. Foi fácil perceber que logo logo eu teria que fazer uma ida ao mercado. Imediatamente começou a passar pela minha cabeça planos A, B, C e D referentes a essa situação: passo todos os meus gastos deste mês no cartão de crédito, contando com o retroativo de janeiro de 2023 que talvez nunca chegue? Empresto dinheiro de familiares? Tiro dinheiro do cofrinho destinado a outros fins? Por aí vai...
Acho bom enfatizar que minha situação nem é das piores. Imagine quem, além de se sustentar unicamente com a bolsa, precise sustentar um filho, a família, um ente enfermo. Imagine só quem está a quilômetros e quilômetros de distância da família e se mudou para outra cidade ou estado com o intuito de realizar sua pesquisa de Pós-Graduação e, no final do ano, quando todos já estamos esgotados, recebe mais esse golpe baixo. Sinceramente… é chutar cachorro morto. Não basta nossas condições serem precárias, nosso trabalho ser desvalorizado, precisaríamos aguentar mais essa. Graças a mobilização dos Pós-Graduandos, universidades e órgãos responsáveis afora, esse mês passaremos ilesos. Poderemos respirar aliviados. Mas e no próximo mês? Estamos assegurados? E nos próximos anos? Nosso salário continuará sem reajuste? Continuaremos vivendo no limite financeiro? Infelizmente, muitas perguntas e poucas respostas. Ainda sim, continuarei realizando a minha pesquisa da melhor forma que conseguir.
Abraço forte a todos os Pós-Graduandos desse Brasil. Seguimos atentos.
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