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Você já sobreviveu a um concurso?

Atualizado: 9 de ago. de 2022

Legenda: ilustração do post Concurso ou Maratona do Bate papo com Netuno.  Descrição: No plano geral, o perfil de uma mulher em rosa observa um caminho tortuoso colocado à sua frente com diversos obstáculos como dinheiro, representado por notas de reais, deslocamento da cidade natal, representado por malas de viagem, provas escritas, representadas por pranchetas com folhas escritas, aulas teóricas, representadas por um professor à frente de uma lousa com mais três pessoas assistindo à aula, a decisão final, representada por um martelo de juiz, uma mulher em posição comemorativa, representando a comemoração da realização de um sonho, a linha de chegada, representada por duas bandeiras quadriculadas de corrida e, finalmente, ao final do caminho, um troféu escrito “sonho da minha vida” em cima. No plano geral, do lado direito superior, está escrito “Concurso ou Maratora?”.

Ilustração de Luiza Soares


Isso mesmo, não é sobre ser aprovada ou não... é sobre ter sobrevivido a esse processo desgastante tanto físico como emocionalmente (e também financeiramente), que nos suga e nos conduz até nossos limites...


Não estou falando de ultramaratona ou treinamento para ser astronauta ou subir o Everest, mas de concurso público para professor de ensino superior.


Um processo que geralmente só tem uma vaga disponível, mas dezenas (ou até centenas) de inscritos e que envolve uma maratona de provas escritas, apresentações, dar aula e arguições... e que pode se prolongar por semanas.


Apesar de haver diferença no processo seletivo entre universidades/departamentos, há alguns rituais que se repetem:


- antes mesmo de chegar a data da seleção tem o processo de documentar o currículo; não importa se seu artigo está na Nature, se não tiver uma cópia em papel dele anexada ao seu currículo (CV), ele não vale de nada... e essa regra se aplica para tudo e qualquer coisa que estiver no seu currículo. Então, não jogue fora nada sem antes escanear e ter cópia em 3 HDs, 2 nuvens virtuais e mandar para seus 7 diferentes endereços de e-mail! Além do CV, tem que escrever o memorial, e que coisa bizarra é escrever algo sobre você mesma tentando exaltar seus feitos enquanto a Síndrome da Impostora bate forte dizendo ao pé do ouvido "Amiga, ninguém liga que você foi convidada para palestrar no congresso mais importante da sua área, isso foi sorte porque você conhecia os organizadores e não competência". Sem falar que o memorial implica em relembrar toda a sua caminhada, quando às vezes têm coisas que a gente quer esquecer e não falar nem na terapia. Por fim, mas não menos trabalhoso, tem o plano de trabalho: que linhas de pesquisa pretende desenvolver (e como fazer isso enquanto nossa ciência é sucateada), projetos que irá executar (tirando dinheiro sabe-se lá de onde), disciplinas que irá ministrar, projetos de extensão que conduzirá e tudo que você acha que irá fazer uma vez contratada. Digo aqui "acha que" porque, depois de contratada, você irá passar mais tempo em reuniões infindáveis e desnecessárias do que pesquisando/ensinando.


Ufa... Calma que agora vem o concurso em si:


- prova escrita: comumente, no edital são indicados uns 10 tópicos e destes 1 ou 2 serão sorteados no dia da avaliação. Depois os candidatos têm de 4-5 horas para escrever tudo(!) o que sabem sobre o tema. E haja tinta de caneta e reza para que a nossa senhora da ortopedia nos proteja de câimbras e tendinites;


- quem sobreviveu até aqui vai para a prova didática: a candidata sorteia um dos tópicos do edital e tem 24 horas para preparar uma aula de 40-50 minutos. Fora a pressão psicológica de não usar 1 minuto a mais ou 1 minuto a menos, tem aquela sensação agradabilíssima (#sqn) de falar para uma sala de aula que não existe enquanto 3 avaliadoras te encaram e olham profundamente como se fossem um comendador da morte e quisessem sugar a sua alma (claro que há exceções e algumas bancas tentam não encarar tanto);


Agora acabou? Não!!!


- mais um dia e mais um sacrifício ao altar da academia nessa jornada em busca de ocupar um espaço na docência: a apresentação do memorial e do plano de trabalho seguido de uma arguição que nem sempre é conduzida de forma ética e responsável. Infelizmente, aqui há casos de perguntas (quase) inacreditáveis como:


"Se contratada, você pretende engravidar?" (sim, é ilegal perguntar isso, mas nem por isso deixam de perguntar);


"Seu marido está ok com a mudança de cidade?" (aproveita e já chama o marido para checar se ele autorizou mesmo a esposa a fazer o concurso);


"Isso que você propôs é inviável de ser realizado" (geralmente vem da pessoa que não sabe nada sobre a área do projeto proposto);


"Só 235 publicações? Isso é muito pouco para um docente de uma instituição federal, precisa publicar mais" (também costuma vir do avaliador que não tem nem 1/5 dessa produção).


Nesse momento é cansaço físico, é cansaço emocional, é cansaço psicológico, é desespero financeiro (afinal muitos concursos são em outras cidades e aí é passagem+hotel+alimentação a ser paga e vários dias sem trabalhar com muitas horas de trabalho a serem repostas)... Mas ainda precisamos esperar o resultado que sai igual escola de samba: abrem-se os envelopes selados e a nota de cada etapa para cada concorrente é adicionada em um tabela projetada na parede para todos acompanharem.


Soma-se a isso vários dias convivendo com pessoas (algumas muito simpáticas, mas outras nem tanto) que também querem aquela vaga tanto quanto você.


Entendeu agora porque não é sobre ser aprovada ou reprovada, mas sobre sobreviver?

 

Nós já tivemos um desabafo pessoal sobre concursos publicado aqui no Bate-Papo com Netuno. Se esse tema te interessa, não deixe de ler o post A exaustão de quem busca uma vaga de professora universitária.


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