top of page

Resultados da Busca

523 resultados encontrados com uma busca vazia

  • Ecopsicologia: conectando a ecologia com a psicologia

    Uma experiência de transição profissional Por Maria Cláudia Grillo Ilustração de Joana Ho Cresci numa casa com árvores no quintal e sempre me senti próxima da natureza, uma ligação que permaneceu forte ao longo da vida. Meu programa preferido era ir à praia. O mar era aquele lugar belo e amplo que, para mim, representava duas palavras – alegria e liberdade - e que, ao mesmo tempo, instigava minha curiosidade investigativa.  Lá pelos 9 anos, comecei a sentir o chamado para estudar biologia. E assim foi.  Aos 16, entrei na faculdade de biologia da UFRJ, e escolhi me aprofundar em ecologia marinha costeira. Fiz o mestrado e o doutorado nessa área e, paralelamente, dei aulas de ecologia geral e marinha em universidades por 10 anos. Como professora e orientadora acadêmica, meu interesse pelas relações humanas foi crescendo, pois, a interação com os alunos e o apoio às suas escolhas era algo bem motivante. No entanto, sentia necessidade de uma aproximação maior entre o conhecimento científico, com sua objetividade, e a compreensão da dinâmica psíquica do ser humano, inclusive com a natureza, o que me levou a me aproximar da psicologia. Comecei, então, a buscar livros de psicologia junguiana e a me encantar com o universo simbólico de Jung (analista e psiquiatra suíço, 1875 - 1961).  Segui meu percurso atuando como analista ambiental por vários anos. Trabalhei em ambiente corporativo com biodiversidade, mudanças climáticas e sustentabilidade. Contudo, ao longo dos anos, foi crescendo minha insatisfação profissional diante do que eu chamaria de “pragmatismo econômico” frente à importância do meio ambiente em si, e foi se aprofundando em mim o desejo por uma transição profissional.  Passei, então, a imaginar um novo caminho mais integrativo. Fiz pós-graduação em psicologia junguiana e formações em arteterapia e ecoarteterapia (que utiliza materiais da natureza) e, enfim, me desliguei do ambiente corporativo.  O desejo de seguir integrando conhecimentos entre meio ambiente e psicologia me levou, nos últimos anos, a conhecer a ecopsicologia - área de estudos relativamente nova no Brasil e que busca compreender o psiquismo humano na sua relação com as demais espécies e com o ambiente. Trata-se de uma abordagem proposta inicialmente por psicólogos da Universidade de Berkeley, EUA, na década de 1990, e que procura integrar saberes das ciências naturais e humanas, incluindo a ciência, a psicologia, a filosofia, as artes e os conhecimentos dos povos originários, numa perspectiva transdisciplinar e ecocêntrica. Em 1992, o historiador Theodore Roszak publicou a obra A Voz da Terra, uma importante referência no tema, onde foram lançadas as bases do movimento ecopsicológico.     De forma resumida, pode-se dizer que a ecopsicologia é uma ciência que busca a investigação da dinâmica psíquica das interrelações entre o ser humano e o ambiente natural, reconhecendo seus efeitos recíprocos (positivos e negativos) e questionando, ainda, modelos culturais de felicidade baseados no consumismo e no produtivismo que, em última análise, impactam e destroem os ecossistemas. Assim, a ecopsicologia busca plantar as sementes de uma maior compreensão e de uma nova concepção das relações do ser humano com o meio ambiente. A realização de vivências de reconexão com a natureza é prática essencial de sua abordagem na conscientização sobre a importância das demais espécies e da preservação dos ecossistemas como um todo, da qual depende também a saúde mental e a própria sobrevivência humana.   No momento, trabalho como terapeuta, numa perspectiva integrativa, e faço a Formação em Ecopsicologia e Ecologia Profunda oferecida pelo Instituto Brasileiro de Ecopsicologia (IBE), com sede em Brasília e a UNIPAZ-DF. Minha experiência na área ambiental segue apoiando minha curiosidade e meus novos caminhos e, assim, me sinto inspirada para um próximo projeto - o de construir pontes entre os conteúdos da ecologia marinha costeira com os da ecopsicologia.   --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Para informações adicionais sobre formações, imersões e vivências em ecopsicologia e ecologia profunda, buscar o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia (IBE) - @ecopsicologiabrasil --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Referências básicas no tema KURIANSKY, Judy; NEMETH, Darlyne G. (Orgs). Ecopsychology: advances from the intersection of psychology and environmental protection . Denver, Colorado: ABC-CLIO, 2016. V. I-II. MACY, Joanna & Johstone, Chris. Active Hope. New World Library. Novato, California.2012. MACY, Joanna & Molly Young Brow. Nossa Vida como Gaia. Editora Gaia. 2004. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8a. Ed. Rio de Janeiro. Editora Bertrand Brasil. 2005. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3a. Ed. Porto Alegre. Editora Sulina. 2007. ROSZAK, Theodore. The Voice of the earth: an exploration of ecopsychology. Grand Rapids, Wyoming: Phanes Press, 2011. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Sobre a autora Maria Cláudia Grillo é bacharel e licenciada em Ciências biológicas (UFRJ), mestre e doutora em ecologia (UFRJ). Trabalhou como professora universitária por 10 anos e na área de gestão ambiental corporativa com biodiversidade, mudanças climáticas e responsabilidade social. Iniciou uma transição profissional (que também chama de ampliação profissional) há 5 anos quando fez o curso Leadership for Transition, no Schumacher College, na Inglaterra. Fez pós-graduação em psicologia junguiana e outras formações terapêuticas, como arteterapia e aromaterapia.  Atualmente, trabalha como terapeuta, oferece cursos em ecologia, incluindo a abordagem terapêutica, e cursa formação em ecopsicologia e ecologia profunda pelo Instituto Brasileiro de Ecopsicologia e a UNIPAZ DF. Adora fotografia, praias, vivências e viagens na natureza, além de arte e cultura.  #VideDeCientista #DescomplicandoNetuno #EcologiaMarinha #Natureza #PsicologiaJunguiana #tTerapiasIntegrativas #Ecopsicologia  #TransiçãoProfissional Contatos: Instagram @telos_terapia e e-mail: claudiagrilloterapeuta@gmail.com As informações e opiniões dos textos postados são de responsabilidade única e exclusivamente do autor de cada texto e não necessariamente refletem a opinião de Bate-papo com Netuno.

  • No fundo do mar e além...

    Por Juliana Leonel O mundo oceanográfico é cheio de histórias de descobertas, muitas delas que mudaram completamente a forma como vemos a vida (e sua evolução). Ao longo dos séculos, descobriu-se que a vida não se restringe apenas às camadas superiores do oceano e que processos biogeoquímicos e adaptações específicas contribuem para permitir que organismos se desenvolvam em zonas abissais  (profundidades maiores que 4.000 m), nos poros de rochas abaixo do assoalho oceânico  e em locais com elementos tóxicos para a maioria dos demais seres vivos.  Na década de 1970, cientistas descobriram, próximo das Ilhas Galápagos a quase 3.000 m de profundidade, um ecossistema até então desconhecido: aglomerados densos de organismos que crescem no entorno de jatos de água quente (de até 350° C) oriundas de fontes hidrotermais. As fontes hidrotermais  são aberturas do fundo oceânico, em regiões de alta atividade tectônica,  onde a água do mar percola a crosta oceânica recém-formada. Durante esse processo, a água é aquecida pelo magma e alguns elementos são removidos enquanto outros são incorporados a ela. Com o aquecimento, a água emerge no assoalho oceânico na forma de fontes. A composição desta água e a sua temperatura vai depender da composição basáltica da crosta oceânica que ela teve contato e da proximidade com a cordilheira oceânica , respectivamente. Enquanto algumas fontes atingem temperaturas maiores que 300°C, outras não ultrapassam algumas dezenas de graus.  Fonte: NOAA Photo Library  em domínio público. Devido a ausência de luz, bactérias e arqueas usam os elementos presentes na água do mar - ao invés da luz do sol, como fazem os fotossintetizantes - como fonte de energia para produzir matéria orgânica, processo chamado de quimiossíntese . Esta é a base da teia alimentar para camarões, vermes tubícolas , bivalves, caranguejos, anêmonas, polvos, entre outros, que compõem o ecossistema no entorno das fontes hidrotermais. Entre os organismos deste ecossistema, um grupo de vermes tubícolas, chama a atenção: com um comprimento de 2 m, diâmetro de um braço humano e tufos de tentáculos projetados a partir de um tubo (o pogonóforo), estes vermes não possuem boca, nem trato digestório ou ânus. Então, como eles se alimentam? Ao longo do seu corpo, há trofossomas: tecidos que hospedam bactérias simbiontes que usam o sulfato de hidrogênio expelido pelas fontes hidrotermais e absorvido pelos tentáculos do verme hospedeiro como energia para produzir a matéria orgânica que servirá de alimento a ele.  Não são apenas as fontes hidrotermais que abrigam descobertas incríveis. Em outras regiões profundas do oceano, as vezes chegando a 10.000 m de profundidade, na região chamada zona hadal , é encontrado um grupo de organismos muito curioso: os xenofióforos; organismos eucariontes formados por apenas uma célula em fita e com comprimento de até 20 cm.  Estes pequenos grandes protistas são muitas vezes os dominantes em algumas regiões e auxiliam na diversidade local, pois servem como habitat para outros organismos (equinodermas, bivalves, crustáceos, etc). Suas estruturas auxiliam a “prender” partículas orgânicas que servem de alimento para diversas espécies. Os xenofióforos secretam uma substância adesiva ao longo do seu corpo na qual aderem conchas e grãos de sedimento que formam uma “cápsula” em torno do organismo.  Fonte: NOAA's Ocean Explorer  em domínio público. Se formos um pouco mais fundo… espera, mais fundo que o assoalho oceânico a 10 km de profundidade? Sim! Porque vamos agora para a região abaixo do assoalho oceânico, no sedimento e rochas que ali se encontram. Quanto mais aumenta a profundidade - e, consequentemente, a pressão - mais diminui o interstício (espaço) entre os grãos dos minerais. Por isso, até a década de 1970, acreditava-se que não haveria vida abaixo dos primeiros centímetros de sedimento do leito oceânico. Hoje, sabe-se que há vida - bactérias e arqueas - entre os minerais de rochas a 3.200 m de profundidade abaixo do fundo do oceano. Estes organismos realizam quimiossíntese e são a base da teia trófica de consumidores primários também muito pequenos que têm uma taxa metabólica muito baixa, em que a divisão ocorre apenas uma vez entre 100 a 2000 anos. Juntos, estes produtores primários e consumidores, constituem o ecossistema microbiano litoautotrófico de sub-superfície (SLIMES, sigla em inglês), onde destaca-se um grupo de bactérias muito menores que as demais, as ultramicrobactérias  (± 0,3 μm). Alguns estudos indicam que essas bactérias podem nos auxiliar a entender as primeiras formas de vida na Terra.  E aí, você tinha ideia de tudo que acontece e vive lá no fundo (bem fundo) do mar? --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Sobre a autora Juliana Leonel é f ormada em oceanologia na FURG com doutorado em oceanografia química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente é professora adjunta na UFSC. ​Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril/20 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). Participa do BPCN desde 2018 como editora e é uma das responsáveis pela página no twitter. É a chata dos "direitos autorais" e quer que todos usem/produzam material livre com licença creative commons. #ZonaAbissal #ZonaHadal #Quimissíntese #FontesHidrotermais #Xenofióforos #Ultramicrobactérias #Descomplicando #JulianaLeonel

  • When your hypothesis is rejected, breathe in and out: you still have a result!

    My experience with turtle physiology. By Tábata Cordeiro English edit by Lidia Paes  Leme and   Carla Elliff *post originally published in Portuguese on August 6, 2020 My passion for sea turtles began in 2003, when my family moved from Rio de Janeiro to Salvador and I got to know the Tamar Project. Years later, I started my degree, in biology, of course! Now I had to find a way to study these charming and intriguing animals. I started an internship at the Animal Physiology Laboratory (LAFISA/UFBA) in 2008. The day I went to talk to my future supervisor, Prof. Dr. Wilfried Klein, I told him that I was interested in working with turtles. That's how I started working with the morphology and physiology of breathing in these animals. This topic was my advisor's line of research and I was very interested in it. I remember that, in a conversation with another professor at the university, when I mentioned that I had started this internship, he joked that he had nothing new to know about chelonians. I felt challenged. And since I like being challenged, I decided to persist! During my undergraduate studies, I learned that sea turtles are part of a group of animals known as Testudines, Testudinata or Chelonia, which also includes turtles (terrestrial animals) and terrapins (animals that inhabit freshwater environments). This is why we often see the name chelonians used to refer to them. Chelonians, animals that belong to the reptile class, are easy to recognize due to the group's slightly different anatomy. Testudines have a body surrounded by a shell, dorsally called a carapace  (fused to the ribs and spine) and ventrally called a plastron  (fused to the clavicles and interclavicle). However, I had to postpone my dream of working with sea turtles. The species that occur in Brazil are considered vulnerable or endangered and, for this reason, are not allowed to be manipulated in the laboratory and this would be my working environment. I began my studies on the respiration of chelonians during my master's degree, investigating general aspects of ventilation and the metabolic rate in two freshwater species. Bimodal breathing Let me just provide a brief explanation of the subject of my work! Ventilation can be described as the movement of air or water in and out of structures specialized in the transport and exchange of oxygen and carbon dioxide between the animal and the external environment, such as the lungs. The amount of oxygen absorbed by each organism will determine its metabolic rate, i.e. the amount of energy consumed. Chelonians are animals that perform intermittent ventilation, i.e. they alternate ventilatory moments, an expiration followed by an inspiration, with non-ventilatory moments, apnea. This characteristic has implications for the metabolic rate  of this group of animals. Chelonians have been shown to have a metabolic rate that can be much lower when compared to mammals of a corresponding size. Ok, brief explanation done!  Returning to my work, I noticed that one of the species I investigated, Phrynops geoffroanus , had a very low metabolic rate compared to other reptiles, due to the low level of oxygen it consumes. Based on this result, I proposed a PhD project to investigate behavioral, morphological and physiological issues   associated with bimodal respiration  in P. geoffroanus . Bimodal respiration can be defined as the ability of an animal to carry out gas exchange through both air and water. The cute P. geoffroanus  (Source: Tábata Cordeiro with CC SA-BY 4.0 license ). Assuming that  P. geoffroanus  has one of the lowest metabolic rates among chelonians, what are the behavioral, morphological and physiological implications of this observed parameter? Thus, the central question of the study was "Does P. geoffroanus carry out gas exchange through structures other than lungs? In other words, does it perform bimodal respiration? If so, which structures are responsible for these exchanges?" Spoiler: the interesting thing, at the end of this process, is that my working hypothesis was rejected. The results of my doctorate did not indicate that the species performs bimodal respiration! Or, alternatively, these exchanges are not proportionally adequate to maintain the species' basic metabolic needs. Thus, P. geoffroanus obtains oxygen primarily through its lungs. But let's see how I got there. Changes Working with chelonians involved overcoming MANY challenges. The first was how to get access to these animals: do field collections and organize the whole structure around this work, or get access to these animals through partnerships with a zoo and chase down all the possible and impossible documentation? I chose the second option and I can say that I learned a lot in terms of interpersonal relationships and dealing with bureaucratic issues. The second challenge concerns keeping the animals in an artificial environment. When the animals are in our care, we need to know how to keep them healthy: housing, feeding, air and water temperature, keeping an eye out for any changes in behavior. It is essential to have the contact details of a wildlife veterinarian to answer any questions. In addition to the challenges of working with chelonians, there are the difficulties of working as a researcher (and in Brazil). I've had to give up being close to people I love because I've moved cities to do my master's and doctorate, and the adaptation phase of these changes involves issues that go beyond studying and doing experiments. It's very difficult to reconcile professional and private life when you're immersed in a project in which you put so much energy. Almost everything changed between writing the project and carrying out the work! I made and broke partnerships, added and removed proposals from the project, I had to learn new techniques, such as handling different drugs to achieve analgesia and anesthesia in chelonians, surgical practices for cannulating blood vessels to collect material for blood analysis, biochemical and morphological analysis techniques, among others. I made some adaptations due to lack of equipment or time.  To come to the conclusion that P. geoffroanus  does not have bimodal breathing, I carried out behavioral, morphological and physiological analyses, testing the hypothesis that structures such as the skin, the buccopharyngeal cavity  (popularly known simply as the mouth) and/or the cloacal pouches  (structures attached to the cloaca, present only in some aquatic species of chelonians) would be responsible for gas exchange between the aquatic environment and the animals. In the end, contrary to what was expected, I observed that there were no behavioral changes when different areas of the animals' bodies were isolated from the aquatic environment; the morphological analyses were not very indicative of the presence of characteristics that could classify these structures as gas exchange sites (such as the small diffusion distance) and the biochemical results of the physiological experiments showed no differences when the animals were exposed to aquatic environments with either a higher or a lower oxygen concentration. Based on these results, some hypotheses were raised: 1) P. geoffroanus  may show tolerance to hypoxia and anoxia. This hypothesis was raised by Hsia and collaborators (2013), who argue that tolerance to hypoxia and anoxia is a characteristic that dates back to the Triassic and Jurassic, when aquatic chelonian lineages of that time were exposed to hypoxic and anoxic aquatic environments, due to the high density of vegetation and high biological oxidative demand, and the low atmospheric oxygen content, which was supposedly around 15%; 2) P. geoffroanus  would be able to decrease energy consumption, hypometabolism . The researchers Hochachka and Lutz (2001) pointed out that this characteristic may be an important mechanism for maintaining the life of these animals, without the need to travel to the surface to perform aerial gas exchange so frequently.  All this experience and learning has made me realize what places I want to occupy in my professional career. I want to continue working in research and teaching, bringing science closer to society. I want to share knowledge and values, and tell children and young people, regardless of gender, race or class, that they can study, choose what they want to be, produce and share knowledge. Tábata discusses the results of her work at a scientific event (Source: Tábata Cordeiro with CC SA-BY 4.0 license). —----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- References Hsia C. C.; Schmitz, A.; Lambertz, M.; Perry, S. F.; Maina, J. N. (2013). Evolution of air breathing: Oxygen homeostasis and the transitions from water to land and sky. Comprehensive Physiology, 3, 849–915. DOI: 10.1002/cphy.c120003    Hochachka, P. W.; Lutz, P. L. (2001). Mechanism, origin, and evolution of anoxia tolerance in animals. Comparative Biochemistry and Physiology Part B: Biochemistry and Molecular Biology, 130, 435–459. DOI: https://doi.org/10.1016/S1096-4959(01)00408-0 --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- #Quelonians #Turtles #Respiration #Metabolism #Physiology #MarineScience #TabataCordeiro

  • Mas afinal de contas o que é ser produtiva na academia?

    Por Juliana Leonel Ilustração de Alexya Queiroz Preparar aula.  Lecionar.  Tirar dúvidas.  Escrever projeto de pesquisa.  Executar o projeto de pesquisa. Prestar contas do projeto de pesquisa. Escrever relatório do projeto de pesquisa. Revisar projeto de pesquisa de outros colegas.  Analisar dados. Escrever artigo. Revisar artigo de outros colegas. Orientar IC, TCC, dissertação, tese. Revisar relatório de IC, TCC, dissertação, tese.  Supervisionar monitoria. Supervisionar pós-doutorado. Participar de banca de TCC, mestrado, doutorado, concurso. Escrever projeto de extensão. Executar projeto de extensão. Prestar contas do projeto de extensão.  Escrever relatório do projeto de extensão. Participar de reunião de departamento, de colegiado de graduação, de pós-graduação, de conselho universitário, de grupos de pesquisa, de grupos de extensão, de comitês, de grupos de trabalho e outras tantas.  Ter cargos de chefia de departamento, coordenação de curso de graduação e de programa de pós-graduação, chefe de instituto/centro etc . Ufa… Se ler esta lista já cansa, imagina fazer tudo isso? Tudo que foi citado na lista acima (e mais um tanto de coisa) faz parte das atividades cotidianas de qualquer professora de uma das muitas universidades federais brasileiras (e também de muitas estaduais e privadas). No entanto, na hora de concorrer a um edital para financiar sua pesquisa ou a uma bolsa de produtividade, só um item entre todos será realmente levado em consideração: o número de artigos publicados .  Isso mesmo, para o sistema acadêmico, produtividade se resume a “número” de artigos científicos publicados e a quantas vezes esses artigos foram citados. Isso mesmo, tudo se resume a NÚ-ME-ROS . A qualidade, a relevância, o (verdadeiro) impacto da pesquisa e sua aplicação na sociedade tem uma importância menor ou nem são avaliados. Não à toa este método de apenas “olhar para números” é chamado de produtivismo . Mas pior do que avaliar uma pessoa em função do número de artigos publicados, é avaliar como se essa fosse a sua única função como profissional e como se todos tivessem exatamente o mesmo tempo e condições financeiras de fazer pesquisa. Desconsiderando, dessa forma, todas as diferenças - muitas vezes gritantes - de realidades e de demandas de cada pessoa. Ou você realmente acredita que uma mulher que, além do trabalho citado acima, tem que cuidar dos filhos, de outros familiares e da casa tem as mesmas condições de produzir que um homem que chega em casa e encontra sua roupa limpa e a janta pronta? Ou que, quem faz pesquisa em locais afastados de grandes centros urbanos ou com fundações de amparo a pesquisa com menos recursos, tem condições de produzir o mesmo tanto de quem está em grandes centros de pesquisa no sudeste do país? Será que a pessoa que dá 8 horas-aula por semana tem as mesmas condições de escrever artigo que alguém que dá 15, 18, 20 horas-aula por semana?  As diferenças na carreira acadêmica são imensas e ignorar a sua existência na avaliação de diferentes profissionais ou na hora de distribuir recursos para pesquisa é olhar de forma reducionista e com vista a favorecer apenas os mesmos grupos que sempre se destacam. E  dessa forma, deixar de lado a contribuição de “uma galera” que faz ciência de qualidade, mas nem sempre em quantidade.  Além da falta de equidade nas condições de trabalho, é difícil não encontrar nesses grupos “altamente produtivos” estudantes e pesquisadores sobrecarregados, que trabalham incansavelmente finais de semana e feriados, que não tem vida social, que sofrem abusos/assédios, que sofrem de diversos distúrbios e descobrem o que é burn out muito antes de saberem o que é ter emprego - sim, aqui vale lembrar que mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos recebem bolsa e isso não constitui vínculo empregatício, ou seja, não tem direitos trabalhistas garantidos como férias ou 13º e nem contribuição para sua aposentadoria.   Outro problema dessa cobrança pela produtividade exacerbada está na qualidade dos trabalhos produzidos e, infelizmente, também no uso de meios espúrios - que envolvem fraudes e plágios (vide o número cada vez maior de artigos retirados de circulação) - para inflar quantidade de publicações. Um exemplo bem conhecido é a da “ciência salame”, quando pesquisadores fatiam uma única descoberta no maior número possível de artigos científicos para aumentar a sua produção. Revistas científicas com qualidade questionável também se aproveitam dessa incessante “rodinha de hamster” da produtividade para oferecer oportunidades de publicação rápida, sem seguir o rigor científico, por um valor monetário (veja mais sobre isso em nosso post sobre spam acadêmico ). A supervalorização do volume de artigos publicados não é prejudicial apenas para quem está no meio acadêmico, mas principalmente para o desenvolvimento da ciência. Quando a qualidade deixa de ser o objetivo, também deixam de ocorrer descobertas e avanços que podem melhorar a vida de todos. Neste contexto, o movimento pela desaceleração da ciência tem se destacado. Segundo a filósofa belga Isabelle Stengers, uma das defensoras do movimento e autora do livro "Uma Outra Ciência É Possível", no modelo produtivista atual não é possível atender às reais necessidades da sociedade; o que gera também exclusão e desigualdade - não só para quem faz ciência - mas também para aqueles que deveriam se beneficiar dela.  Muita gente - infelizmente - acha que tudo isso é um grande bobagem e só um “mimimi” de quem não “dá conta do tranco” da academia. Outras, felizmente enxergam os problemas gerados pelo produtivismo e questionam isso; entre elas está o físico Peter Higgs (aquele mesmo do Bóson de Higgs): quando ganhou o  Nobel de Física em 2013, ele disse que pelos padrões atuais nunca seria contratado por nenhuma universidade, justamente por não ser “produtivo” o suficiente . Na mesma linha, te convido a fazer uma reflexão sobre tudo isso e responder: você acha mesmo que Marie Curie teria tempo para desenvolver a teoria da radioatividade se fosse obrigada a publicar 10, 15, 20 artigos por ano? Sobre a autora: Juliana Leonel  é f ormada em oceanologia na FURG com doutorado em oceanografia química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente é professora adjunta na UFSC. ​Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril/20 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). Participa do BPCN desde 2018 como editora e é uma das responsáveis pela página no twitter. É a chata dos "direitos autorais" e quer que todos usem/produzam material livre com licença creative commons. #JulianaLeonel #Produtividade #VidaCientista #DesaceleraçãoDaCiência #AlexyaQueiroz

  • Esportes ao ar livre e Conservação ambiental: Uma onda boa de se pegar

    Por Malu Abieri e Débora Camacho Ilustração de Malu Abieri O esporte é, há muito tempo, considerado uma eficiente ferramenta de transformação social. Espalham-se pelo Brasil exemplos de projetos que utilizam o esporte para mudar a realidade de crianças e jovens em diferentes situações sócio-econômicas. Mas será que o esporte também pode ser uma ferramenta de transformação ambiental e auxiliar na conservação do oceano? Para falar desse assunto conversamos com a Letícia Parada, Educadora Física e idealizadora de um projeto que “envolve a aplicação de tecnologia para o reaproveitamento de resíduos plásticos encontrados em praias, ao mesmo tempo em que a prática de esportes é fomentada lançando mão da educação ambiental”  (se quiser conhecer mais sobre o andamento do projeto da Letícia, clique aqui ) “Movida pelo oceano”,  definida pela própria Letícia em sua página pessoal no Linkedin, a Educadora Física conta que sua relação com o esporte, através da prática ou consumo de conteúdos, começou muito cedo e aos 14 anos não tinha dúvidas da profissão que iria seguir. Apesar das práticas de esportes ao ar livre, como o surf, a sua relação profissional com a área de ecologia no entanto só surgiu mais tarde, levando-a  realizar o mestrado em ecologia. Sua primeira linha de pesquisa, no entanto, estava voltada a entender o impacto da poluição atmosférica na saúde humana durante a prática de exercícios físicos. De fato há estudos que mostram que a prática de exercício em ambientes poluídos trazem riscos à saúde e redução do desempenho¹,² e entender cada vez mais essa relação é essencial para adoção de medidas de prevenção e elaboração de políticas públicas voltadas ao tema. No entanto, como muitas leitoras acadêmicas aqui irão entender, o projeto de Letícia não saiu como o esperado, e ela teve que “se reinventar” para cumprir com as obrigações de uma bolsista, ela precisava entregar algum resultado.  Foi assim que Letícia caiu na face oposta dessa moeda. Se de um lado a prática de esporte em um meio ambiente saudável é essencial para a saúde humana, do outro lado pergunta-se: A atividade física pode ser usada como um ferramenta de educação ambiental para a conservação do meio ambiente? E essa pergunta teve que esperar um pouquinho mais até o seu projeto de doutorado. Surfista da Praia Grande em São Paulo,  Letícia percebia no curto caminhar até o mar uma grande quantidade de lixo, sendo ainda pior nas segundas-feiras, ou seja, após o final de semana (ou após feriados) quando as praias estavam ainda mais cheias. E, assim como muitos frequentadores assíduos da praia, começou a catar esse lixo para jogar fora, e percebia que muitas pessoas se interessavam e se sentiam estimuladas a participar dessas “coletas” junto a ela.  No início era algo pontual, até participou de alguns “desafios” de um “Instagrammer” internacional onde o perfil que coletasse maior número de lixo ganhava pequenos prêmios, como camisetas. Mas ainda assim, algo a incomodava muito: o destino desse lixo. “Não tem um ciclo … Que retorna de alguma forma e traz um benefício maior do que só a retirada do lixo. Que é um benefício a retirada do lixo… Mas quando ele é retirado dali, ele vai para um aterro, vai se misturar com areia e dificilmente será separado para ganhar uma nova vida”.  Com o fim do mestrado, Letícia embarcou em diversas aventuras e percebia que a questão do lixo era grave em todos os lugares que visitava, e o “desejo de transformar esse resíduo de praia, independente de onde estivesse, …, e se tornar algo útil e que fosse relacionado ao esporte, foi crescendo”. E assim teve mais um “click” para o seu projeto de doutorado.  O lixo plástico sujando as praias e a Letícia fazendo a diferença, coletando esse material e reconectando as pessoas. Imagem 1: licença Canva, Imagem 2 cedida por: Letícia Parada. No início, Letícia tentou fazer a reciclagem de forma bem “caseira”, cortando à mão os plásticos e usando “forninho” elétrico. Nesses primeiros testes ela percebeu diversas questões a serem aperfeiçoadas para melhor reciclagem e moldagem dos produtos. Atualmente, está concretizando a sua própria  usina de reciclagem, montada em parceria, onde consegue realizar todas as etapas da reciclagem, desde a separação do material por tipo e cor, até a moldagem de diferentes objetos, como as tão famosas pranchinhas de mão. A surfista percebeu que o engajamento seria ainda maior quando as pessoas se sentissem mais conectadas ao ambiente e até mesmo ao lixo transformado que fora retirado daquele mesmo lugar. Ao ver uma raquete de frescobol ou até mesmo um raspador de parafina feito a partir da reciclagem de materiais encontrados na praia, os frequentadores se sentiam ainda mais envolvidos em não apenas dar o destino correto ao lixo, mas também coletar o que já estava na praia. Leticia e sua prancha de mão de tampinhas recicladas. Imagem cedida por: Letícia Parada  Além disso, Letícia também se questionou se os esportistas ao livre tinham maior engajamento e conscientização ambiental, não apenas vendo a natureza como um objeto de uso mas sim como parte dela. Alerta de “spoiler”!! Os resultados preliminares mostram que sim! Pessoas que praticam esportes ao ar livre se sentem mais responsáveis em manter aquele ambiente limpo, livre de resíduos. Desde esportes aquáticos, como surfistas que trazem lixos das águas em seus bolsos, até os esportistas de areia, como jogadores de vôlei e “beach tennis”, que se preocupam em se ferir com as tampinhas e palitos, o engajamento é ainda maior quando estamos conectados àquele ambiente. Cada vez mais estudos mostram os benefícios das atividades físicas, principalmente praticadas ao ar livre, em contato com a natureza. Agora é a nossa vez de trazer os benefícios à natureza da nossa presença, nos conectando e tirando dela a nossa bagunça. #ParadaNoMar #Upcycling #ElaNoMar #Menos1Lixo #Esporte #EsporteEConservacao  #BatePapocomNetuno #LigadasMulherespeloOceano #RessoaOceano Esse texto foi produzido em parceria com o projeto Rede Ressoa Oceano, Liga das Mulheres pelo Oceano e Bate-Papo com Netuno. Sobre a Entrevistada Profissional de Educação Física e Esporte, mestre em Ecologia e doutoranda em Ciência e Tecnologia Ambiental. Apaixonada pelo mar e pelas ondas, fundou o “Ela No Mar”, primeiro e único canal de bodysurf do mundo no YouTube ( clique aqui  para conhecer mais do canal). Minha vida é pautada na natureza e sou movida especificamente pelo oceano. É ele quem me encoraja a aceitar desafios e superar meus limites, desempenhando o papel de uma bússola tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Meu propósito é educar pessoas para que reconheçam o oceano como elemento essencial à vida humana e assim possam tornar-se agentes da transformação positiva da natureza.  Sobre as autoras Maria Luiza Abieri é Bióloga e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, atua como colaboradora do Bate-Papo com Netuno e bolsista CNPq na Rede Ressoa Oceano. A inserção do Bate-Papo com Netuno à Ressoa Oceano amplia ainda mais a rede, promovendo a divulgação científica e a visibilidade das ciências do mar e cultura oceânica através de informações científicas de qualidade, baseadas em uma linguagem acessível e lúdica. Débora Camacho Luz é Bióloga, formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG), membro da Liga das Mulheres Pelo Oceano e bolsista CNPq DTI na Rede Ressoa Oceano. A Ressoa Oceano é uma rede formada pela Liga das Mulheres Pelo Oceano, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP (LabJor), a Cátedra da Unesco pela Sustentabilidade do Oceano e a Ilha do Conhecimento. Essa rede tem como objetivo promover a ciência e a cultura oceânica para além do litoral e centros de pesquisa, conectando cientistas e jornalistas para a abordagem do tema nos meios de comunicação e investindo em projetos e iniciativas de comunicação sobre o oceano. Referências | Para saber mais:  Canal “Ela no Mar”  https://www.youtube.com/c/elanomar #VidaDeCientista #MaluAbieri #ParadaNoMar #Upcycling #ElaNoMar #Menos1Lixo #Esporte #EsporteEConservacao  #LigadasMulherespeloOceano #RessoaOceano

  • A storyteller called otolith and fisheries biology

    By Natasha Travenisk Hoff English edit by  Carla Elliff *post originally published in Portuguese on October 8, 2020 In addition to being time tellers, how can otoliths help in fisheries biology? Illustration by Joana Ho. In the world of bony fish, otoliths can be considered true storytellers: these calcified structures , present in the form of three pairs ( sagitta, lapillus  and asteriscus ) in the fish's head  and responsible for balance and sound perception, they grow in layers of carbonate and protein with daily deposition (like an onion, you know?). These structures allow us, scientists, to make inferences about their eating habits, what type of environment they were born in, whether they migrate, among many other possibilities. The most common and well-known use is in fish growth studies. In the post “ How to know the age of a fish and other things... ”, Chat with Neptune editor, Claudia Namiki, talks about what otoliths are and how much information these small structures carry. Side view of the inner ear of a teleost fish, including the position of the three pairs of otoliths (sagitta, asteriscos and lapillus), and their location in the head. (Illustration by Natasha Travenisk Hoff, license CC-AS-BY 4.0). Generally, those who start working with otoliths begin their studies by analyzing the growth of their rings during their undergraduate or master's degrees, moving on to other types of analysis later... I only started my work with otoliths during my doctorate, in 2015, analyzing their shape and chemical composition applied to fisheries oceanography! Everything was effectively new to me, which represented a great personal and professional challenge! And the most interesting thing is that these little structures always bring me new curiosities, applications, questions... and that makes me want to know more about them every day! What I bring to you today was a chapter from my doctorate, recently published in the Journal of Applied Ichthyology, in which we sought to evaluate, through the shape of the otolith, the population structure of the bigtooth corvina ( Isopisthus parvipinnis , a cousin of the weakfish that is widely caught even though it is not a target species or having much commercial value), from the northern coast of the state of São Paulo to Santa Catarina, divided into five sub-regions, at two very different times: in 1975 and 2018/2019. In other words, we wanted to know if the species has different population units (or fishery stocks) and if these varied over these 43 years, speculating about the causes of these variations. But “how important is this?”, you ask. When we talk about fisheries management, knowledge about different stocks helps us organize fishing and assess the possibility of recovering a species in the face of very intense exploitation ( overexploitation ), whether or not this species is the targeted species, or changes to the natural environment or due to human action. For example, if the population of a species is restricted to the Santos region, it would be much more vulnerable than if it were distributed across the coast of São Paulo. This is the bigtooth corvina (Isopisthus parvipinnis, Sciaenidae) and a map containing the locations where the individuals I analyzed were captured in 1975 and 2018/2019 in the coastal region of the states of São Paulo, Paraná and Santa Catarina. Photo and map: Natasha Travenisk Hoff, license CC-AS-BY 4.0. The shape of the otoliths of each species is unique and, therefore, very useful in studies on the feeding habits of organisms that feed on fish, but the factors that determine this shape have not yet been completely understood. What is known is that there is a strong genetic component, which determines the general shape, but that there is also variability related to sex, age, diet, environmental conditions, and other factors such as water temperature, depth, type of substrate (mud, sand, gravel, etc.). Due to all these influences, population units were found to be recognizable and distinguishable through the variations in otoliths of the same species! Example of different shapes of otoliths. Source: COSS – Brasil ( http://usp.br/cossbrasil/glossario.php ), license CC-BY 3.0. And these variations were observed by us, not only spatially, but also between the two periods studied. Look what we found: In 1975, the bigtooth corvina formed a single population unit. Even living in environments with different oceanographic characteristics, whether under the influence of large estuaries in the south of São Paulo and Paraná (Cananéia and Paranaguá, respectively), or due to the resurgence phenomenon, which affects the north of São Paulo and the region of Santa Catarina. In 2018/2019, a new condition was observed, with the formation of four population units: one in the north of SP, another in the center of SP, a third between the south of São Paulo and Paraná, and a fourth in Santa Catarina. And what could be the causes for such changes? We attribute this differentiation between locations and years to the different ecosystems and oceanographic processes found in the study area, and to changes in the coastline, which have altered the contribution of river waters to the coastal environment in the last 40-50 years, as we can see in the figure below. Evolutionary scheme of the mouth of the Guaraú River (near the collection site in Peruíbe, SP) in the years 1966, 1973, 1981 (Tessler et al., 2006, available at www.mma.gov.br/publicacoes-mma  ) and 2020 (Google Maps).  Fish, like all living beings, are capable of adapting to natural environmental changes or those induced by human action through modifications in their physiology and behavior, which are not necessarily related to genetic changes, but which directly affect reproduction, morphology or survival. For this reason, it is important to emphasize that our results are not necessarily evidence of genetic differentiation. The use of otoliths to evaluate fish stocks in Brazil is still in its infancy and no other Brazilian species had been approached in the way we did, comparing samples so old with current ones. As this was the first analysis with this species, it is also important that other methods are tested to support and/or challenge the results obtained. Spoiler alert: the analysis of the chemical composition of these same otoliths presented very similar results, but with more confidence in the distinction of population units and also distinguished Santa Catarina from the other locations studied in 1975. In itself, this study raises many other questions, such as: 1. Did this same process happen with other species?  2. Can we see any impact on fishing, given that stocks can behave in different ways in the face of fishing pressure? 3. Could the decrease in the number of bigtooth corvina captured recently be a reflection of this process? It could be, since the species occurs as an accidental capture and little attention is directed to it and so many other species in the same situation. 4. Knowing that changes in the coastal zone due to human action can directly and indirectly impact fish populations, what can we, as a society, do in the face of these changes? Be a critical citizen: seek to know the origin of the fish you consume (why does meat need seals to be sold while fish does not?); whether they are threatened species; support local fisheries; if the sewage of the coastal city you like to visit is treated or the condominium/building/house you are staying in by the sea has a license... Anyway, it is clear that there are natural variations occurring in the ocean that could lead to this distinction between populations, but we have to be aware of the influence that our society exerts (and more so every day!) on different ecosystems, and take responsibility for changes that improve these relationships between human beings and the environment, especially the marine environment! --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- References or reading suggestion Coleção de Otólitos de Peixes Teleósteos da Região Sudeste-Sul do Brasil (COSS – Brasil). Site: www.usp.br/cossbrasil/ Hoff, N.T., Dias, J.F., Zani-Teixeira, M.L., Correia, A.T. 2020.   Spatio-temporal evaluation of the population structure of the bigtooth corvina Isopisthus parvipinnis from Southwest Atlantic Ocean using otolith shape signatures. Journal of Applied Ichthyology, 36: 439-450. doi.org/10.1111/jai.14044 Tessler, M.G., Goya, S.C., Yoshikawa, P.S., Hurtado, S.N. 2006. São Paulo , in Muehe, D. (org.), Erosão e progradação no litoral brasileiro. Brasília: MMA. pp. 297-346. www.mma.gov.br/publicacoes-mma   Vignon, M. 2012. Ontogenetic trajectories of otolith shape during shift in habitat use: Interaction between otolith growth and environment. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 420-421(2012):26-32. doi:10.1016/j.jembe.2012.03.021 Volpedo, A.V., Vaz-dos-Santos, A.M. 2015. Métodos de estudos com otólitos: princípios e aplicações. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: PIESCE - SPU. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- About the author Passionate about the sea, music (playing or dancing, I've even given ballroom dancing classes!), and family. I am an oceanographer with a degree from the University of São Paulo, and a master's degree in Science (Oceanography, area of ​​concentration in Biological Oceanography) from the Oceanographic Institute of the University of São Paulo. Currently, I am in the final phase of my doctorate at the same institute, with inorganic chemistry, fish ecology, otoliths, and biotic integrity of fish communities being my main lines of research.  Contato: tashahoff@gmail.com #FisheryStocks #Otoliths #IsopisthusParvipinnis #MarineScience #Oceanography #FisheryBiology #MarineBiology #Fisheries  #NatashaHoffChat

  • 20º COLACMAR e 8º CBO: novos rumos para eventos sobre Ciências do Mar. Será mesmo?

    Por Natasha Travenisk Hoff Entre os dias 13 e 16 de agosto, oceanógrafos, biólogos marinhos e todos os apaixonados pelas Ciências do Mar se reuniram em Itajaí (Santa Catarina - Brasil) para a realização do 20º Congresso Latino-Americano de Ciências do Mar e 8º Congresso Brasileiro de Oceanografia . Foram mais de 2.400 inscritos e, é claro, que o Bate-Papo com Netuno  não poderia ficar de fora: tivemos um pôster intitulado “ O papel da Divulgação Científica no incentivo às oportunidades de trabalho nas Ciências do Mar ”, no qual fui autora em parceria com a nossa editora Juliana Leonel. Neste trabalho, mostramos como a atuação do Bate-Papo com Netuno, enquanto plataforma de Divulgação Científica das Ciências do Mar, pode ir além da difusão do conhecimento científico, influenciando e acolhendo, principalmente as mulheres, nas suas escolhas profissionais. Como a vida acadêmica também é a escolha de muitas/os estudiosos do mar, ressaltamos a importância da Rede de Compartilhamento de Experiências na Pós-Graduação . Nossa editora, Natasha T. Hoff, na apresentação do pôster "O papel da divulgação científica no incentivo às oportunidades de trabalho nas Ciências do Mar". Foto cedida por Natasha T. Hoff com licença CC BY NC-ND. Aproveitamos o evento, ainda, para reunir nossas integrantes Carla Elliff, Luiza Soares e eu, Natasha Hoff! Pode parecer simples, mas a equipe do Bate-papo com Netuno divide-se entre cinco estados brasileiros e um encontro entre os membros da equipe é raro. Luiza Soares, Natasha T. Hoff e Carla Elliff, editoras do BPCN, no evento. Foto cedida por Natasha T. Hoff com licença CC BY NC-ND. O evento contou com uma parte cultural muito bacana, com a presença de artesãos e apresentações, como a do grupo “ Tartaruga-de-mamão ”, projeto de extensão do IFSC campus Itajaí que trabalha o tema da preservação marinha usando personagem da cultura catarinense (como o Boi de Mamão ), e que encantou o público de todas as idades! Mas duas coisas chamaram atenção no evento… A primeira diz respeito à participação das mulheres . Logo na cerimônia de abertura, ficou clara a falta de representatividade feminina: uma mesa composta por nove homens e apenas UMA mulher. Um detalhe é que a maioria das pessoas presentes, participantes do evento, eram mulheres. Irônico, não?! Quando questionado no instagram do evento, eles disseram que “tinha uma mulher”.  Como se não bastasse a baixa diversidade na mesa de abertura, ao chamar a única mulher ali presente para fazer sua fala, trocaram seu nome pelo nome de um homem na mesma instituição. Ela, com todo jogo de cintura possível para manter o decoro, respondeu ao ocorrido com algo próximo a “é tão incomum chamar mulheres para compor essas mesas que até trocam os nomes na hora, né?!”. Ovacionada pelo público presente!  Confesso que isso ficou martelando em minha cabeça e decidi fazer uma estatística básica sobre os convidados (palestrantes e ministrantes) e pasmem: mais de 70% deles eram homens ! E isso sem considerar os simpósios temáticos… Esse desequilíbrio fala muito sobre a invisibilização de mulheres nas ciências , a dificuldade de mulheres alcançarem (e se manterem) em cargos de liderança , a necessidade de superar essa deficiência nos nossos eventos científicos  e de combater o machismo estrutural no ambiente de trabalho .  O segundo ponto que me chamou a atenção foi a quantidade de famílias com crianças andando pelo evento. Achei muito legal de ver, mas o fato é que, se havia os dois responsáveis presentes, é mais provável que se revezaram para assistir alguma palestra enquanto o outro cuidava da cria. Triste realidade para eventos de tamanha relevância, mas que que ainda não entenderam a necessidade de oferecer “Espaço Kids”, como foi feito na Semana Nacional de Oceanografia de 2023 . Há alguns anos, isso talvez não fosse notado ou questionado, mas, queridos organizadores, o mundo está mudando! Demorou, mas esse momento chegou… esperamos ver maior equidade nos próximos eventos oceanográficos, que também considerem as necessidades das famílias e cuidadores solo! #NetuniandoPorAí #MulheresNaCiência #CiênciasDoMar #COLACMAR2024 #CBO2024

  • São Paulo Ocean Week 2024

    Nos dias 18 a 22 ocorreu o maior evento de Cultura Oceânica  da América, a SP Ocean Week . Esse evento, anual e GRATUITO, visa promover ações de comunicação, divulgação científica e educação ambiental sobre o Oceano através de uma programação diversa, interativa e que abrange todas as idades. Nós, do Bate-Papo com Netuno, não poderíamos ficar de fora! Jana del Favero participou de um painel intitulado “ Cultura Oceânica | Um oceano inspirador e envolvente ” ao lado do Rodrigo Thomé (Euceano), Natalia Ghilardi-Lopes (UFABC) e Germana Barata (LabJor e Ressoa Oceano), e do lançamento do livro do “ Uma Onda de Mulheres pelo Mar ”, editado pelas incríveis Leandra Gonçalves e Patricia Furtado de Mendonça, no qual teve a honra de contribuir com um capítulo. Essa obra fala sobre a força feminina, a inclusão, a diversidade e a busca incansável por um futuro mais sustentável para nossos mares através de histórias poderosas de mulheres de várias regiões do Brasil. E olha que a Jana não estava sozinha. Ela estava acompanhada do seu fiel companheiro, o Suvaco, personagem de seis livros infantis que buscam conectar crianças dos diversos ambientes marinhos. A dupla participou de três contações de histórias e distribuiu 200 livros “ Suvaco, o oceano e uma viagem no tempo ” para as escolas inscritas e todos que participaram das contações. Dizem por aí que além de fotos e autógrafos, Suvaco distribuiu carisma e muitas lambidas. Claudia Namiki participou do painel “ Recomendações dos Signatários do Compromisso para o Futuro do Oceano - Sociedade civil ”, ao lado de Luana Seixas (Instituto Meros do Brasil), Oscar Lopes Luiz (Instituto Neo Mondo), Laura Piatto (Instituto Monitoramento Mirim Costeiro) e Fernando Assanti (Instituto Selo Social), onde conversaram sobre os avanços conquistados pela Década, suas limitações, e apontaram caminhos para o futuro, focando principalmente na ampliação da comunicação o grande público e com os tomadores de decisão. Além disso, Cláudia e as alunas e alunos do IOUSP levaram  exposição “Pequenos Notáveis: Histórias dos Seres Microscópicos que Sustentam Toda a Vida no Oceano" que nos convida a  mergulhar no universo microscópico marinho, revelando a importância vital dos seres marinhos microscópicos para o equilíbrio dos ecossistemas oceânicos. A mostra é fruto do Projeto de Caracterização Regional da Bacia de Santos (PCR-BS), coordenado pelo CENPES PETROBRAS e liderado pela USP, com  a colaboração das universidades brasileiras UNIFESP, UFPR, UFRJ e UFF.   Natasha Hoff participou da Barraca do Peixe, atividade do Laboratório de Ecologia da Reprodução e do Recrutamento de Organismos Marinhos do Instituto Oceanográfico da USP ( @ecorrep.iousp ). Nesta atividade, voltada para crianças, adolescentes e adultos, busca-se apresentar estruturas morfológicas de peixes, tubarões e raias; e suscitar discussões sobre consumo consciente de pescado, petrechos de pesca e ecologia.  E não poderíamos deixar de falar da emocionante entrega do Prêmio Marta Vannucci para Mulheres na Ciência do Oceano . Nossa editora Carla Elliff, premiada na categoria Jovem Cientista na primeira edição do prêmio, participou mais uma vez do comitê de seleção representando o Bate-Papo com Netuno. Neste ano, reconhecemos e celebramos as trajetórias profissionais de duas brilhantes cientistas do mar: Zelinda Margarida de Andrade Nery Leão e Marina Nasri Sissini. Ainda dá para assistir à gravação deste momento, que inclui um bate-papo com as premiadas, no YouTube da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano . Um evento como a SP Ocean Week, repleto de informação e arte, é essencial para deixar o oceano marcado nas mentes e nos corações das pessoas, e assim cumprir um dos grandes objetivos da Década, de tornar o oceano conhecido e valorizado por todos .  Já estamos ansiosas pela próxima edição em 2025! Esperamos você por lá! 😉 Confira alguns momentos da SPOW 2024!

  • Uma sonequinha embaixo d'água: será que os peixes dormem?

    Por Natasha Travenisk Hoff É fato que tentamos humanizar quase todos os processos na natureza. Será que podemos fazer o mesmo com o "sono" dos peixes?   Você gosta de dormir? É daquelas pessoas que dorme "como uma pedra" ou que acorda com qualquer barulhinho ou luz? Poucas horas de sono são suficientes ou, se o despertador não tocar, o mundo pode acabar, mas você não sai da cama? Para nós, seres humanos, dormir é uma parte essencial da vida! Uma boa noite de sono nos permite ter um dia bacana, de bom humor... Inclusive, para neurocientistas e pesquisadores do sono, mesmo que sem muitas evidências concretas, dormir é um componente vital para os animais e a privação de sono pode ser letal! Mas será que, no oceano, os peixes também dormem como a gente? Antes de responder esta pergunta, acho importante definirmos o que é "dormir" e quais os processos fisiológicos envolvidos nessa ação. Pois bem, para entender o conceito e comparar com outros termos que podem confundir um pouco as coisas. A primeira distinção que deve ser é entre sono e ritmo circadiano, relacionado à variação nas funções biológicas, que se repete regularmente em ciclos de, aproximadamente, 24 horas. A maioria dos animais precisa ajustar sua atividade às condições ótimas de disponibilidade de presas, ameaça de predadores, oportunidades sexuais, temperatura e outras variáveis que afetam sua sobrevivência e que variam com o período do dia (como exemplo, temos as migrações verticais diárias do zooplâncton descritas aqui ). O ato de dormir persiste mesmo em animais que não apresentam ciclo circadiano! Outros termos que podem ser confundidos são descanso, torpor e hibernação. O primeiro refere-se a um estado de atividade reduzida sem perda de consciência ou redução acentuada da responsividade. O torpor é um mecanismo de economia de energia dos animais, em que reduzem sua taxa metabólica, batimentos cardíacos e, até mesmo, a temperatura corporal por um período menor que 24 horas. Quando esse período de torpor perdura por dias ou semanas, chamamos de hibernação. Finalmente, então, temos que o sono é definido como um estado de imobilidade rapidamente reversível e de responsividade sensorial bastante reduzida.  A tal "vontade" de dormir é influenciada pela regulação circadiana e histórico prévio de sono-vigília. Os osciladores circadianos, como os olhos e a glândula pineal, são acionados por sinais ambientais, comumente ciclos naturais de luz-escuridão, para atuar como marcapassos para o tempo adaptativo do sono e da vigília. Além disso, ele é regulado homeostaticamente, ou seja, o sono perdido é compensado com um aumento na necessidade de sono, dormindo-se mais e mais profundamente.  Conseguiram perceber as diferenças? Seguimos então... Em relação aos peixes ósseos  - actinopterígios -, a maioria dos estudos foca em espécies não marinhas. Mas algo é unânime: os peixes não têm pálpebras, assim, não podemos esperar que eles fechem os olhos para uma sonequinha, certo! Um dos peixes mais estudados são os peixes-zebras, que habitam ambientes de águas interiores, como os rios. Eles têm comportamento diurno e não nadam enquanto dormem, permanecendo praticamente imóveis próximos da superfície. Seu ciclo de sono é regido por mecanismos circadianos, com redução e irregularidade nas taxas respiratórias. Em um segundo momento do sono, acontece algo similar a fase do ciclo de sono chamada de REM (do inglês Rapid Eyes Movement  = movimento rápido dos olhos), observado nos mamíferos: observa-se atonia muscular, ou seja, a perda temporária do tônus muscular, e aumento na variabilidade da frequência cardíaca, na ausência de movimentos oculares, o que os diferencia dos mamíferos. Estudos comportamentais realizados com espécies recifais das Bermudas, ilhas britânicas no Oceano Atlântico norte, e de águas interiores mostraram que peixes, como muitas espécies da família Labridae (budiões) e Scaridae (peixes-papagaio), também dormem. Alguns padrões encontrados foram: redução da locomoção e das taxas respiratórias, enterramento em substrato arenoso (onde permanecem inativos até o amanhecer), os organismos são facilmente manuseados sem resposta, entre outros. Uma curiosidade sobre os budiões é que, algumas espécies, produzem algo como uma “cápsula” composta por muco, dentro da qual permanecem durante a noite. Ou seja, eles produzem algo similar a um saco de dormir! Demais, não é mesmo? Algumas vantagens dessa “cápsula” é que ela oferece proteção contra predadores, mascarando seu cheiro, e funcionando como uma barreira física, que dá tempo para que o peixe adormecido acorde e reaja à invasão. Registro de budião em sua “cápsula”, realizado pelo Projeto Budiões. Como os movimentos oculares durante o sono estão relacionados ao sono REM em mamíferos, pássaros e talvez lagartos, algumas observações de movimentos oculares durante períodos de quiescência (inatividade) sustentada em peixes de recife das Bermudas suscitaram a possibilidade de um estado semelhante ao sono REM em peixes ósseos. No entanto, não há novos registros desse comportamento desde 1969, então, não podemos fazer uma afirmação em relação a isso. Estudos realizados com espécies de mais de 20 famílias de elasmobrânquios (raias e tubarões), apresentaram também algumas evidências de que esses organismos dormem, tais como a organização circadiana, a imobilidade e redução na consciência. Alguns comportamentos semelhantes a dormir já foram registrados em tubarões: espécimes de tubarão-lixa e tubarão-de-Port-Jackson já foram observados descansando em uma caverna rochosa, enquanto tubarões-limão são conhecidos por ficarem imóveis no fundo arenoso por longos períodos de tempo. Já os tubarões-de-pontas-brancas-de-recife, geralmente descansam em grandes congregações intraespecíficas (de tubarões de uma mesma espécie). Mas nem toda soneca se faz à noite na natureza, sabia? Algumas espécies que vivem associadas à superfície de fundo, como os tubarões-chifre ( Heterodontus francisci , oceano Atlântico norte) e o tubarão-gato ( Cephaloscyllium ventriosum, oceano Pacífico ocidental), foram observadas dormindo durante a maior parte do dia, seja na natureza ou em cativeiro. Para eles, os comportamentos natatórios e alimentares iniciam-se ao anoitecer. Infelizmente, há ainda muitas incertezas acerca do comportamento de sono dos actinopterígios e elasmobrânquios, em função da diversidade filogenética, e da dificuldade de registrar a função cerebral na água e reproduzir o habitat desses organismos em cativeiro. Ainda, muitas dúvidas também surgem devido ao fato de muitos estudos não poderem ser reproduzidos, algo que deve ser assegurado em estudos científicos. Portanto, querido amigo que me enviou a pergunta "peixes dormem?" em uma caixinha de perguntas do Instagram, há indícios de que os peixes, sejam eles actinopterígios ou elasmobrânquios, dormem, sim, só não necessariamente esse processo acontece da mesma forma como acontece conosco!   Referências ou sugestão de leitura: Kelly, M.L.; Collin, S.P.; Hemmi, J.M.; Lesku, J.A. 2019. Evidence for sleep in sharks and rays: behavioural, physiological, and evolutionary considerations. Brain, Behavior and Evolution, 2019(94):37-50. DOI: 10.1159/000504123 Siegel, J.M. 2008. Do all animals sleep? Trends in Neuroscience, 31(4):208-213. DOI: 10.1016/j.tins.2008.02.001  Sobre a autora: Oceanógrafa, mestre e doutora em Oceanografia, na área de concentração Oceanografia Biológica, pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), com período sanduíche em Portugal, no CIIMAR (Universidade do Porto). Atualmente, é pesquisadora de Pós-Doutorado no IOUSP e editora voluntária do Bate-Papo com Netuno. A Oceanografia entrou em sua vida muito cedo, quando tinha apenas 12 anos. Desde então, sua curiosidade a leva para novos e diferentes caminhos a cada nova empreitada. Acredita que o diferencial da Oceanografia é justamente a multidisciplinaridade. Assim, tem experiência com análises climatológicas, química inorgânica de sedimentos, unidades de conservação, integridade biótica da ictiofauna, estoques pesqueiros, análises morfométricas, otólitos e, desde 2021, entrou no mundo da paleoecologia! #Peixes #Elasmobrânquios #TubarõesERaias #CicloCircadiano #Sono #PeixeDorme #Ictiofauna #CiênciasDoMar #DivulgaçãoCientífica #NatashaHoff

  • Vortices: do physics and biology communicate with each other?

    By Filipe Pereira English edit by Carla Elliff *post originally published in Portuguese on November 5, 2020 Illustration by Joana Ho . We humans are terrestrial animals. It is therefore natural that we are more familiar with continental environments than with oceanic ones. Therefore, to show how the physics of the oceans can affect the lives of the organisms that live there, especially the primary producers, I will begin our discussion by drawing a parallel between the oceanic subtropical gyres and terrestrial forests. Primary producers , such as plants and algae , also called photosynthetic organisms, are essential for the functioning of most food chains on the planet. They are the only living beings capable of transforming the energy of sunlight into the chemical energy that drives life on Earth by producing organic matter  (food) through photosynthesis . In order to carry out photosynthesis, they need light, water, carbon dioxide and nutrients . In terrestrial environments, the incidence of light is usually not a major problem, and the availability of carbon dioxide is much less so. What usually limits the growth of terrestrial plants is the availability of water and nutrients. Under ideal conditions, water and nutrients are within reach of the plants’ roots and they can thus thrive. In the marine environment, however, the main photosynthetic organisms are, for the most part, microscopic and transported by currents, known as phytoplankton . Of course, water is not a problem in the sea, nor is carbon dioxide either. The limiting factors  for the growth of marine phytoplankton are, therefore, light and nutrients. Seawater has the property of absorbing light very efficiently . At a depth of just a few meters, the ocean is already a dark environment and therefore incapable of sustaining photosynthetic organisms. In other words, the only habitable zone for phytoplankton is a thin surface layer that rarely exceeds 100 m in depth and is called the euphotic zone , where there is enough light to sustain the photosynthesis of these organisms. Nutrients are rapidly consumed by phytoplankton in the euphotic zone and therefore have low concentrations at the ocean surface. On the other hand, part of the organic matter produced sinks and is remineralized (decomposed) and transformed into nutrients again  at greater depths. Since nutrients are not greatly consumed below the euphotic zone, they are found in higher concentrations at greater depths. Diagram showing the distribution of water, light, and nutrients on land and in the ocean. Photosynthesis occurs in well-lit regions on both land and in the ocean. The difference is that on land, vertical transport of nutrients is done by the plants themselves, while in the ocean, this depends on physical processes to bring nutrients to the euphotic zone. OM denotes organic matter, and H2O represents liquid water. License CC 4.0 BY-SA. See, we have a problem here: in the large subtropical gyres , which correspond to most of the oceans and are illustrated in the figure below, the greatest concentration of nutrients is at depth, far from the reach of primary producers. In other words, surface concentrations of nutrients are low and therefore there is no great growth of phytoplankton communities. This makes the gyres less productive than coastal regions, for example. Global map of satellite-measured surface chlorophyll (SeaWiFS), the areas circled in red show the major subtropical gyres with lower chlorophyll concentrations. Chlorophyll concentration is an indirect way to estimate the amount of phytoplankton present in the water. Adapted from https://earthobservatory.nasa.gov/images/4097/global-chlorophyll . NASA. Since light is abundant at the surface and the highest concentrations of nutrients are below the euphotic zone, only physical phenomena occurring in these regions can alter these environmental conditions. There is no way to make light go deeper, so only when nutrient-rich waters are somehow brought to the surface can the growth rate of phytoplankton increase. These conditions, of increased nutrient concentration at the surface, allow the ecosystem to become more productive relative to the average state, as discussed above. This is where ocean physics is essential to better understand how these organisms can thrive in these ecosystems . We can think that physical processes condition the environment  where these organisms live. When we talk about physical processes, we are basically referring to water movements . These movements are horizontal : transporting phytoplankton to regions that are more or less favorable for their growth or trapping them in a limited area; and vertical : they can alter the concentrations of nutrients available to phytoplankton if the velocities are upward, or pushing these organisms out of the euphotic zone if the velocities are downward. Several physical processes can affect the ecology of the surface layers of the ocean. One of the most studied mechanisms are mesoscale vortices . These are the phenomena responsible for oceanic weather (as in weather forecasting) and can be roughly understood as the marine version of hurricanes and atmospheric typhoons. These structures are hundreds of kilometers in size and are common in the ocean. They can be easily seen from satellite data on temperature, sea level and even chlorophyll concentration, the pigment responsible for photosynthesis in primary producers. Vortices are areas of high or low oceanic pressure  and consist of circular movements, being in geostrophic balance, that is, they are large enough for their dynamics to be governed by the Earth's rotation. They are classified as anticyclones when they rotate in the opposite direction  to the Earth's rotation, acting as high-pressure centers, or cyclones when they rotate in the same direction  as the Earth, acting as low-pressure centers. Diagram of cyclonic and anticyclonic vortices in the southern hemisphere. F is the force generated by the pressure difference between the center and the edge of the vortex (always points to lower pressure), this force is balanced by the force C generated by the Earth's rotation (Coriolis force). This is the geostrophic balance, and generates velocities V that rotate around the centers of high (anticyclone) and low (cyclone) pressure. The pressure at the center of the vortex implies vertical velocities (w) downward (red arrow) in the anticyclone, and upward (blue arrow) in the cyclone. The vertical scale of the surface elevation is exaggerated for better visualization. License CC 4.0 BY-SA . Okay, but how do these phenomena influence the growth rate of phytoplankton? Get this, a high-pressure center implies an “accumulation” of water in the vortex. This weight pushes the water downwards, causing the nutrient-rich water to be carried even further to the bottom; inhibiting the growth of phytoplankton. In the opposite situation, in a cyclonic vortex, the low pressure generates upward vertical velocities, bringing waters that are richer in nutrients to more superficial and more illuminated regions, which can favor the growth of these organisms. The phenomena I presented earlier would be the ideal situations shown in oceanography books, but it is not uncommon to find cyclonic vortices with low productivity and anticyclonic ones with high… 😅😅😅. The interaction of the vortex with the wind, for example, can invert the sign of the vertical velocities in the first meters of the water column, generating an effect opposite to that expected: cyclonic vortices with downward vertical velocities and anticyclonic ones with upward vertical velocities! Other smaller phenomena that commonly occur at the edges of vortices, called sub-mesoscale phenomena, can greatly intensify the vertical velocities at the edges of vortices, and these can present higher concentrations at the edges than at their centers. What we want to show with this “flood” of information is that the ocean is a complex and chaotic system . Several processes are happening at the same time, and the sum of all these phenomena results in what we observe in nature. Okay, that's all really cool, right? But why should we understand it? Remember that these organisms are the basis of marine food webs . Imagine subtropical gyres as large deserts; mesoscale vortices would be oases where there is high primary production. They end up attracting other larger organisms, such as fish, due to the greater availability of food. Understanding the dynamics of these processes can be important for fisheries management in some regions, for example. In addition, the photosynthesis of marine primary producers is an important way of sequestering carbon from the atmosphere (as are forests), and is a key factor in understanding the carbon cycle  on our planet and, therefore, has significant effects on the climate . Ultimately, understanding the distribution and ecological dynamics of marine phytoplankton is directly affected by ocean movements , and has important implications for human activities and certainly affects our way of life. *the ocean has an average depth of 4 km. Suggested reading: McGillicuddy Jr, D.J., 2016. Mechanisms of physical-biological-biogeochemical interaction at the oceanic mesoscale. Annual Review of Marine Science , 8 , pp.125-159. (doi : 10.1146/annurev-marine-010814-015606 ) Mahadevan, A., 2016. The impact of submesoscale physics on primary productivity of plankton. Annual Review of Marine Science , 8 , pp.161-184. (doi: 10.1146/annurev-marine-010814-015912 ) About Filipe Pereira: Filipe is from Bahia, originally from Alagoinhas. He has always been curious about how the Earth works and decided to be a scientist since the third grade of elementary school. He began his studies in biology at the State University of Feira de Santana (UEFS), but soon realized that he was looking for a more interdisciplinary education. He went to the Federal University of Bahia (UFBA) to study oceanography, where he was encouraged to go to the University of São Paulo (USP), where the course would have a stronger foundation in physics. He graduated in oceanography in 2017 from USP, and is currently studying for a PhD in Physical Oceanography in the Dual Degree Program in Marine Sciences between USP and the University of Massachusetts Dartmouth. He mainly studies the dynamics of oceanic and coastal fronts at the mesoscale and sub-mesoscale, and their effects on plankton ecology. In addition to being passionate about the Earth, he loves aquariums and music, and is a singer in the USP Todo Canto Choir as a baritone. #Oceanography #MarineScience #EarthScience #Vortices #Phytoplankton #Ecology #Guests

  • Greenwashing

    Por Juliana Leonel Você já deve ter visto diversos produtos (ou propagandas) usando os termos sustentabilidade, green , ecologicamente correto, eco-friendly  etc em embalagens na cor verde, com desenhos de folhas ou outras formas que remetem à natureza. O uso cada vez mais disseminado desses termos em produtos, propagandas, discursos, documentos etc, pode ser fruto do greenwashing . Mas o que é isso? Greenwashing  (ou lavagem verde) é a técnica de usar ideias ambientalistas para criar uma imagem pública responsável, vender mais produtos dando aos consumidores a impressão de melhor desempenho ambiental ou benefícios ambientais de um produto/serviço, ou mostrar uma responsabilidade ambiental que não corresponde às ações. Ela é aplicada por empresas, ONGs, pessoas, governos, instituições etc. A técnica não é novidade e é usada desde a década de 80. No entanto, ganhou muito mais espaço na última década e é identificado em milhares de produtos. Mas qual o problema do greenwashing ? Além de gerar confusão nos consumidores, o aumento no uso de técnicas de greenwashing  pode ter efeitos negativos sérios na confiança do consumidor e do investidor em produtos verdes.  Exemplos de greenwashing  relacionados ao oceano:  1. Calçados e roupas feitos de garrafas PETs retiradas do oceano. A iniciativa até parece interessante e vende bem. No entanto, representa uma percentagem tão - mas tão pequena - em relação aos demais produtos destas marcas que usam plástico virgem que fica a pergunta “Qual o real impacto dessa iniciativa?”. Além disso, depois que o PET é usado para produzir fibras (para tênis, camisetas etc), ele não pode ser mais reutilizado ou reciclado - como acontece com as garrafas -  e precisa ser descartado ou em aterros sanitários ou incinerado.  Também é importante citar que há empresas que dizem que alguns dos seus produtos são feitos de plásticos retirados do mar, mas nas entrelinhas explicam que apenas uma pequena percentagem (10-20%) do plástico usado naquele material veio da reciclagem e o restante é plástico virgem. Outras dizem que usam plásticos que “estavam indo para o mar”, mas o que isso significa? Eles tiraram plástico efetivamente do ambiente ou eles usaram plásticos que foram direcionados para a reciclagem?  E por fim, o que estas empresas têm feito para reduzir realmente o uso de plástico ou para tornar seus produtos mais duráveis e, consequentemente, diminuir a quantidade de produtos descartados?  2. Mineração do fundo do oceano.  Em nome da transição energética - e, consequentemente, de frear o aquecimento global - empresas (e governos) têm defendido que é necessário liberar a exploração de nódulos polimetálicos no fundo do oceano. Embora seja necessário diminuir o consumo de combustíveis fósseis, isso deve ser pensado não só no modo de substituir uma forma de energia por outra, mas mudando hábitos. Por exemplo, se trocarmos todos os carros movidos a gasolina por carros elétricos, estaremos criando outro problema ambiental grave. O que precisamos é investir em transporte público, repensar as cidades para que as pessoas não precisem se deslocar por grandes distâncias e possam usar meios de transporte alternativos (como bicicletas). Com relação à produção industrial, temos hoje um sistema que incentiva o consumo exacerbado que precisa ser repensado não só por questões climáticas, mas também para diminuir a exploração de recursos ambientais e dos trabalhadores.  3. Selos em pescados. Selos que atestam que determinado peixe foi retirado do oceano usando técnicas menos destrutivas e com menor  geração de descarte de pesca . No entanto, várias denúncias mostram que diversas organizações responsáveis por esses selos não estão realmente fiscalizando como está ocorrendo a pesca e manejo das espécies.  E se você quiser mais exemplos, sugiro a leitura deste texto sobre plásticos biodegradáveis .  Sobre a autora: Formada em oceanologia na FURG com doutorado em oceanografia química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente é professora adjunta na UFSC. ​Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril/20 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). Participa do BPCN desde 2018 como editora e é a chata dos "direitos autorais" e quer que todos usem/produzam material livre com licença creative commons . #JulianaLeonel #Descomplicando #Greenwashing #Oceano #Plástico

  • “Casa” pra quem precisa!

    Por Pedro Freitas de Carvalho       A Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) divulgou que em 2024, infelizmente, atingimos a marca de mais de 100 milhões de desabrigados no mundo e mais de 700 mil no Brasil. Vale a pena dizer que esse número tende a aumentar devido ao avanço dos oceanos e rios sobre as comunidades litorâneas e ribeirinhas, como consequência do aquecimento global, que promove o aumento de chuvas e o derretimento de geleiras. Esse é um assunto muito sério que deve ser tratado com a devida importância pelos governantes de todo o mundo. Lendo o título e este parágrafo, você pode ter pensado: Será que acessei o site errado!? Calma!!! Para além de nós, humanos, a moradia servindo de abrigo também é uma questão para diversos organismos marinhos. Alguns exemplos são o peixe conhecido como maria-da-toca ou gobião-de- pedra ( Bathygobius soporator – Figura 1a), que usa fendas de rocha do costão como refúgio, ou o caranguejo-uçá ( Ucides cordatus - Figura 1b), que constrói a sua moradia no solo do manguezal.  Até mesmo em animais pequeninos que vivem na coluna de água e são carregados pelas correntes marítimas, o zooplâncton, há um grupo de organismos que constroem suas “casas”. Mas, antes de falarmos desses organismos e a função dessas “casas” é necessário entender algumas coisas. Figura 1: a. Bathygobius soporator – nome vulgar, maria-da-toca ou gobião-de- pedra. Fonte: Wikimedia Commons/ Flickr upload bot / com licença CC-BY-2.0. b. Ucides cordatus – nome vulgar, caranguejo-uçá. Fonte: Wikimedia Commons/ Leoadec / com licença CC-BY-SA-3.0. Os principais e mais numerosos grupos do zooplâncton compõem um nível fundamental da cadeia alimentar marinha, como consumidores primários, onde esses organismos se alimentam principalmente de fitoplâncton. Desta forma, transferem a energia e a biomassa dos produtores primários (fotossintetizantes) para os níveis mais elevados da cadeia trófica , como peixes e crustáceos. A biomassa do fitoplâncton é muito disputada entre esses consumidores, o que promove diferentes estratégias na captura desse importante alimento. Mas, o que isso tem a ver com casa e moradia...? Aguenta aí! Parece que estamos meio perdidos, mas chegaremos lá! A alimentação é fundamental para a sobrevivência de uma espécie, pois nesse processo os organismos adquirem energia para manter o seu funcionamento e para realizar atividades essenciais, como reprodução e locomoção. Segundo a teoria de Darwin, o sucesso na sobrevivência possibilita uma maior capacidade reprodutiva da espécie, passando essa característica vantajosa aos seus descendentes, fazendo com que esses permaneçam no ambiente evitando assim o seu processo de extinção, através da seleção natural. Observando a figura 2, vale enxergar a relação do tamanho dos organismos e o seu aparato de filtração para captura de fitoplâncton. Fazendo uma breve análise, qual desses principais organismos do zooplâncton estaria mais suscetível à extinção, baseado na proporção entre o tamanho do indivíduo e a superfície do aparato de filtração de organismos fitoplanctônicos? Qual deles teria uma menor eficiência de captura?       Figura 2: A – Apendiculária ( Oikopleura longicauda ), A1 – Comprimento da espécie, A2 - aparato de filtração (Boca); B – Copépode ( Euchaeta  spp.), B1 - Comprimento da espécie, B2 - aparato de filtração (Antena); C – Doliolídeo ( Doliolum nationalis ), C1 - Comprimento da espécie, C2 - aparato de filtração (Sifão oral). Fonte:  Atlas de Zooplâncton da Bacia de Campos . Fotos do autor. Sem querer induzir uma resposta, mas já induzindo, você provavelmente observou que as apendiculárias teriam uma menor vantagem na captura de alimento do que os outros dois animais mostrados na figura 2. Será mesmo?  E se eu falar pra vocês que em um estudo recente publicado em uma excelente revista em 2023, a pesquisadora dinamarquesa Cornelia Jaspers e colaboradores, mostraram que as apendiculárias estão entre os organismos gelatinosos mais numerosos do zooplâncton , tanto em águas costeiras como oceânicas?! Esses animais possuem uma taxa de crescimento extraordinária, alimentando-se de organismos de diversos tamanhos e de diferentes grupos do fitoplâncton, levando uma vantagem competitiva entre os demais grupos zooplanctônicos. O estudo vai além, dizendo que as apendiculárias correspondem ao segundo grupo mais abundante e importante do zooplâncton, ficando somente atrás dos copépodes (crustáceos), e que a sua taxa de crescimento supera a de qualquer outro animal, sendo um dos maiores contribuintes na produção de carbono no ambiente marinho. O estudo ainda traz uma previsão: futuramente, com um aumento, já observado, na quantidade de animais gelatinosos, as apendiculárias se tornarão os organismos zooplanctônicos mais abundantes no ambiente marinho, substituindo os copépodes na transferência de energia na cadeia alimentar.  Então, como um organismo com a boca de um tamanho tão limitado, tem uma importância fundamental na biomassa e produtividade da comunidade planctônica? E, o mais intrigante, o que isso tem a ver com a “casa”? Observando a figura 3, talvez as coisas comecem a fazer algum sentido. As apendiculárias possuem uma estrutura secretada por elas mesmas chamada de oikoplasto , também conhecida como “casa” ou “ house ”, em inglês. Essa casa feita de muco serve como um filtro, onde o fitoplâncton, bactérias e outras partículas que servem de alimento ficam presos, assim como em uma rede de pesca. O seu tamanho interno é fundamental para a capacidade que esses organismos têm de se alimentar de diversas partículas, de grupos distintos de seres vivos (microalgas, protozoários, bactérias e vírus) muita das vezes inacessível para os outros filtradores do zooplâncton. Dessa maneira, a captura de presas de uma variada gama de tamanhos dá uma vantagem na obtenção de alimento para as apendiculárias sobre outros animais do plâncton.  Figura 3: Esquema e foto de uma Apendiculária, Oikopleura dioica com a casa ou oikoplasto. a = aparato de filtração, b = tamanho do organismo. Fonte: Modificado de Jaspers et al., 2023  com licença CC BY-NC-ND 4.0. Demorou, mas talvez agora você tenha entendido a relação da “casa” com capacidade de alimentação das apendiculárias no ambiente marinho. Ao contrário dos humanos, da maria-da-toca e do caranguejo-uçá, a “casa” para as apendiculárias nada tem a ver com moradia, e, sim, com o aumento da capacidade da alimentação, o que pode estar ligado também com a baixa probabilidade de extinção desses organismos do ambiente e com a alta importância dos mesmos no funcionamento da cadeia alimentar marinha. E você acha que acabou? Ainda não! De quebra, as casas já entupidas pelo excesso de partículas, perdem a sua eficiência de filtração e são constantemente liberadas pelas apendiculárias. Essas casas, que são sete vezes maiores que o tronco do animal, possuem uma natureza proteica que serve como uma das principais fontes alimentares para outros organismos zooplanctônicos que estão na superfície e em outras profundidades da coluna de água, sendo considerada um elemento bastante frequente na neve marinha (pequenas partículas de matéria orgânica que precipitam da superfície para o fundo do oceano, parecido com uma neve mesmo).  Agora, se algum dia você, caro leitor, tiver a oportunidade de observar um exemplar de apendiculária proveniente de uma coleção  biológica, em lupa ou microscópio, através de uma visita a um laboratório de zooplâncton ou a uma exposição, dificilmente vai encontrar esse organismo com uma “casa”, como a observada na figura 3. Isso porque, quando as apendiculárias se sentem ameaçadas por predadores, ou pelas redes de coleta, elas se livram das suas casas que são um peso para carregar na hora da fuga, apesar de úteis para a alimentação. Organismos com “casas” são observados vivos em cultivos, normalmente através de vídeos ou fotos. Ufa!!! Acho que depois de tudo isso fica evidente a importância de conhecer cada vez mais esses fascinantes organismos do Filo Tunicata, Classe Appendicularia. Se vocês quiserem mais informações, sugiro os sites: Vídeos: https://planktonchronicles.org/en/portfolio/larvaceans-their-houses-are-nets/ ; fotos e características das principais espécies do Atlântico Sul: http://www.intranet.biologia.ufrj.br/lizi/cat.zoo/index.html . Também sugiro leituras mais aprofundadas de artigos científicos recentes, abordando características das apendiculárias (Jaspers et al., 2023) e como está o conhecimento atual e a distribuição do grupo na costa brasileira (Rocha et al., 2024). Referências:  ACNUR, (2024). Dados sobre refugiados. Acessado em: https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugiados . Acesso em 06/05/2024 . Heneghan, R. F.; Everett, J. D.; Sykes, P.; Batten, S. D.; Edwards, M.; Takahashi, K., I.; Suthers, I. M.; Blanchard, J. L.; Richardson, A. J. (2020). A functional size-spectrum model of the global marine ecosystem that resolves zooplankton composition. Ecological Modelling, 435, 109265. Jaspers, C.; Hopcroft, R. R.; Kiørboe, T.; Lombard, F.; López-Urrutia, Á.; Everett, J. D.; Richardson, A. J. (2023). Gelatinous larvacean zooplankton can enhance trophic transfer and carbon sequestration. Trends in Ecology & Evolution. DOI: 10.1016/j.tree.2023.05.005. Rocha, R. M.; Lotufo, T. M. C.; Bonecker, S.; Oliveira, L. M.; Skinner, L. F.; Carvalho, P. F. C.; da Silva, P. C. A. (2024). A synopsis of Tunicata biodiversity in Brazil. Zoologia 41: e23042. DOI: 10.1590/S1984-4689.v41.e23042. Sobre o autor: Formado em ciências biológicas, mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é pesquisador do Laboratório de Zooplâncton e Ictioplâncton da UFRJ. Trabalha na identificação e ecologia de organismos zooplanctônicos marinhos, mais especificamente com organismos gelatinosos tunicados. Busca entender como as espécies do zooplâncton respondem a questões ecológicas e de qualidade de água. Além disso, se aventura como curioso fazendo registros fotográficos do zooplâncton nas horas vagas. O seu maior prazer é ser pai, em processo de aprendizado ainda. Gosta de música velha, insiste em praticar esporte e adora jogar conversa fora com os amigos. #CiênciasDoMar #Convidados #AnimaisMarinhos #Zooplâncton #Casa #Alimentação #Apendiculária #TeiaTrófica #BiologiaMarinha #OceanografiaBiológica #AnimaisFiltradores #Plâncton

bottom of page