top of page

Cultura oceânica: Por que temos que falar sobre isso nas escolas?

Atualizado: 29 de set. de 2020

Por Carmen Pazoto


Será que você já viu uma fotografia do nosso planeta tirada a partir do espaço? Se nunca viu (ou se nunca se cansa de ver!) dê uma olhadinha na fotografia abaixo, obtida pela tripulação da missão Apollo 17 em 1972 e disponível no site da NASA.


Foto da Terra vista do espaço com os continentes africano ao centro e a antártico embaixo rodeados pelo oceano azul coberto de nuvens.

“Bola-de-gude azul” é o nome dado a essa foto tirada em 1972 pelos tripulantes da missão Apollo 17 e republicada no site da NASA em 22 de abril de 2020 para comemorar o dia da Terra. Embora não seja nova, representa a espantosa visão que os primeiros astronautas tiveram do nosso planeta azul. (Fonte: Nasa).


Uma das características do nosso planeta que mais chamou a atenção dos primeiros astronautas a se aventurarem pelo espaço (e a minha também!) foi a constatação de que ele era predominantemente azul. Como vocês devem saber, isso se deve ao fato de que mais de 70% da superfície da Terra é formada por oceano e mares. E, embora essa seja uma das principais caraterísticas do nosso planeta, as pessoas, no geral, não costumam dar muita importância ao oceano. Digo oceano no singular e não no plural, como de costume, já que as bacias oceânicas estão todas interligadas, formando um único oceano global.


A despeito da falta de atenção ou interesse que o oceano desperta no nosso cotidiano, ele é fundamental para as nossas vidas. É só pensar no que aconteceria se ele desaparecesse. Primeiro de tudo, podemos imaginar uma grande mudança da paisagem que predomina na Terra, que se tornaria bem semelhante à de Marte: um mundo marrom, com montanhas, longas planícies e depressões profundas. Sem o oceano perderíamos grande parte da biodiversidade do planeta. Por exemplo, todos os grupos de seres vivos têm representantes no ambiente marinho e alguns grupos são, inclusive, mais diversos nesse ambiente. Entre esses seres marinhos que desapareceriam estão as microalgas, invisíveis aos nossos olhos, mas essenciais à vida, já que produzem mais de 50% do gás oxigênio que respiramos. A atmosfera não seria diferente apenas pela redução da quantidade de gás oxigênio, mas, também, pelo aumento da concentração do gás carbônico, já que o oceano absorve a maior parte desse gás, atuando no controle do clima do planeta. Além disso, grande parte da precipitação que ocorre em terra, vem da evaporação da água do oceano.


Deu para perceber que sem o oceano a vida, pelo menos como a conhecemos, não seria possível na Terra? E olha que eu só citei alguns exemplos de sua importância... Se você não estava familiarizado com o papel indispensável desempenhado pelo oceano não se sinta mal! Por muito tempo, se pensou que seus recursos eram infinitos e que sua imensa vastidão seria capaz de suportar tudo o que nele lançássemos, como bem disse a oceanógrafa Sylvia Earle em seu livro A Terra é Azul, de 2017. Mas também não fique parado! Ainda dá tempo de aprender, se interessar e defender o oceano. Afinal, a ignorância talvez seja um dos fatores responsáveis pela negligência da saúde desse ambiente.


Uma forma de combater a falta de conhecimento sobre o oceano começou a ser elaborada em 2002, por um grupo de cientistas oceânicos e educadores estadunidenses que começaram a refletir sobre o que todas as pessoas deveriam saber sobre o oceano. Essa iniciativa ficou conhecida como Cultura Oceânica, e foi definida como “uma compreensão da influência dos oceanos na vida do ser humano, bem como a influência do ser humano nos oceanos”, após um grande workshop online que ocorreu em 2004 (veja o nosso Descomplicando Netuno sobre o tema aqui).


A Cultura Oceânica incorpora a ideia de que quanto mais instruídos em relação ao oceano, mais nós, seres humanos, respeitaremos seus limites, no que tange à sustentabilidade dos ecossistemas marinhos e seus recursos. Uma das formas de alcançar esses objetivos da Cultura Oceânica é introduzir, tanto na educação formal quanto na educação não formal, conteúdos relacionados ao oceano em consonância com os princípios e conceitos em que se baseia a Cultura Oceânica e, mais ainda, inseri-los nos currículos escolares! Desde as fases iniciais da educação escolar podemos abordar assuntos referentes aos ambientes marinhos.


Como professora e bióloga marinha fiquei intrigada em saber se e como os conteúdos sobre o oceano e o ambiente marinho são apresentados nas escolas. Para entender um pouco sobre isso, resolvi voltar a estudar e, em 2019, comecei um doutorado na área de biologia marinha pela Universidade Federal Fluminense. A pesquisa que desenvolvo visa entender se a temática oceânica está representada nos currículos escolares brasileiros, como os professores inserem esse conteúdo em suas aulas e qual o nível de conhecimento sobre o oceano apresentados pelos estudantes do estado do Rio de Janeiro. Por enquanto, só a primeira parte da pesquisa está concluída e, por isso, vamos falar apenas dela no momento: existem conteúdos sobre o oceano e ambiente marinho nos currículos escolares?


Para responder a essa pergunta fiz uma análise do documento que direciona os conteúdos que devem ser ensinados na educação básica no Brasil, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Esse documento apresenta os conteúdos obrigatórios para cada disciplina ao longo de cada ano de escolaridade, no ensino infantil, fundamental e médio. Além desses conteúdos, cada estado e cada município podem complementar seu referencial curricular com uma parte diversificada, relacionada à sua cultura, por isso também analisei o Documento Curricular do Estado do Rio de Janeiro.


Para esta análise, fiz a leitura desses documentos em busca das palavras oceano e mar, bem como de outras que se referem a esses ambientes e podiam surgir da leitura. E o resultado é que os conhecimentos sobre o oceano não estão em destaque na BNCC. Encontrei 6 palavras relacionadas a essa temática (aquática, mar, marítima, oceânica, oceano e tsunami), que aparecem nos conteúdos de ciências, geografia e história. Ao todo, essas palavras são citadas apenas 10 vezes, e somente na parte do documento que se refere ao ensino fundamental, que vai do 1º ao 9º ano de escolaridade. Considerando que a BNCC tem 600 páginas e se refere a três segmentos de ensino, os conteúdos referentes ao oceano estão bem pouco representados...


Infelizmente, essa situação não é diferente no documento curricular do Rio de Janeiro. Nesse texto, o ambiente marinho está um pouquinho mais representado, sendo citadas mais quatro palavras relacionadas ao ambiente marinho, além daquelas já citadas na BNCC: praia, mangue, restinga e litorânea. Ao todo são 15 citações, que continuam aparecendo nos conteúdos das disciplinas de ciências, geografia e história. Contudo, ainda devo dizer que estas ocorrências estão muito aquém dos princípios e conceitos propostos pela Cultura Oceânica em nível internacional.


Claro que a Cultura Oceânica não deve se restringir apenas à escola! Mas a escola é um ótimo lugar para compartilhar esses conteúdos, tanto quanto para incentivar uma conexão do ser humano com o oceano. Por isso, aproveito para fazer um apelo aos profissionais de educação, num esforço de implementar nas suas aulas conteúdos sobre o oceano, mesmo que ele não esteja tão presente nos currículos e livros didáticos (vale a pena conhecer o projeto Maré de Ciência).


Como bem colocado pela mergulhadora e marinheira Tosca Ballerini, no kit pedagógico Cultura Oceânica para Todos (que pode ser baixado gratuitamente aqui), “uma condição necessária para querer proteger algo é conhecê-lo e amá-lo”. Assim, se existe uma necessidade de informar os cidadãos sobre o impacto de suas ações sobre o oceano, de forma que todos os seres vivos possam usufruir de um oceano saudável no futuro, urge a necessidade da propagação e ampliação da Cultura Oceânica para todo morador desse planeta chamado Terra. Afinal, não queremos salvar só o oceano, queremos salvar o NOSSO oceano e todas as formas de vida que dele dependem e é bom dizer que isso inclui a gente, a raça humana!


 

Referências:


Cava F, Schoedinger S, Strang C & Tuddenham P (2005). Science content and standards for ocean literacy: A report on ocean literacy. http://coexploration.org/oceanliteracy/documents/OLit2004-05.Final report.pdf. Data de consulta: 04.01.19


Earle, S A (2017). A Terra é azul: Por que o destino dos oceanos e o nosso é um só? São Paulo. SESI-SP Editora. 320p.


UNESCO (2020). Cultura oceânica para todos: kit pedagógico. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373449. Data de consulta: 01.06.2020


 

Sobre a autora:

Sou Bióloga Marinha, formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e tenho mestrado em Zoologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde a minha formação me dedico a uma paixão que surgiu durante o tempo da faculdade, a educação, e atuo como professora de Ciências e Biologia da rede pública e particular do município de Niterói/RJ. Decidida a juntar duas paixões da minha vida: a biologia marinha e a educação, ingressei em 2019 no curso de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Marinha e Ambientes Costeiros pela UFF, onde tenho me dedicado a pesquisar a Cultura Oceânica na educação formal brasileira.





1.690 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo

1 Comment


Natalia Grilli
Natalia Grilli
Mar 23, 2021

Excelente texto! Parabéns! Já estou curiosa para saber os resultados do seu doutorado :)

Like
bottom of page