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  • De oceanógrafa a programadora

    Por Letícia Portella Publicação original aqui Ilustração Silvia Gonsales Nesta semana me pediram pra contar um pouco sobre como eu virei programadora (ou pelo menos estou no processo). Eu escrevi esse texto para contar um pouco mais sobre essa história. Vamos começar do começo: sou oceanógrafa formada pela Universidade Federal de Santa Catarina em Dezembro de 2013. Bom, isso por si só, já costuma assustar as pessoas: Oceoque? A Oceanografia é linda e apaixonante. Aprendi muitas coisas interessantes e me apaixonei por muitas matérias que eram assustadoras. Logo no começo tivemos cálculos, físicas etc. Quando comecei a trabalhar na área eu transitei entre a oceanografia geológica e física até que, em 2011, consegui um estágio num instituto de pesquisa da Marinha e fui definitivamente para a Oceanografia Física, que é a área mais perto das exatas. Na oceanografia é muito comum trabalhar com dados matriciais e vetoriais e, para isso é comum utilizar um software chamado MATLAB. Por isso, durante o curso acabei aprendendo um pouco de MATLAB. Que é semelhante a uma linguagem de programação, com lógica de loops, condicionais etc. No entanto, quando eu cheguei na marinha, conheci dois oceanógrafos que trabalhavam com Python. Python? O que é isso? Tivemos várias discussões sobre como o MATLAB era um software pago e na faculdade usávamos a versão pirata, o que não era legal em ambos os sentidos da palavra, né? Nessa onda, eles começaram a me falar sobre como o Python seria o futuro da oceanografia, graças à sua maleabilidade, facilidade e, ainda por cima, era gratuito! Show de bola. Vamos aprender, né? E assim eu tive o meu primeiro contato com uma linguagem de programação mais propriamente dita. Os meus colegas foram muito espertos, sabe por quê? Todos os dias eles me desafiavam a algo novo. “Duvido que você consiga ler esse txt”, “Agora faça essa atividade com a menor quantidade de linhas possível”, e assim por diante. Eu achava aquilo fantástico! Como eles eram criativos! Tempos depois descobri que estava tudo online. Ok! Nesse meio tempo também tive contato com Linux, acesso a distância, Ubuntu, terminais, etc. Um mundo novo foi aberto para mim, e era muito interessante! Voltando do estágio cai na dura realidade: ninguém trabalhava com Python, ninguém usava ubuntu/linux e não tinha como mudar as coisas. Ok, MATLAB então. Uma das coisas que mais me desmotivou foi ter que aprender as coisas sozinha, travando nas minhas dúvidas e, ainda por cima, para aprender algo que as pessoas não viam utilidade (dentro da nossa área). No final da faculdade comecei a trabalhar numa multinacional com engenharia portuária e costeira. MATLAB e Windows na veia. Mas, teimosa que sou, comecei a colocar Python no que eu podia. Apesar de afastada dos estudos contínuos, eu gostava muito da linguagem e queria continuar aprendendo (desde que eu fizesse algo útil). Então eu usei Python para automatizar a produção de mapas num software chamado ArcGIS, depois desenvolvi um software para calcular o tamanho de um navio com base em umas tabelas internacionais, e até me aventurei brevemente pela web com o Django. Um belo dia decidi fazer mestrado e tomei a decisão de que todos os pré e pós processamentos seriam com Python. Também escolhi um modelo numérico que só poderia ser utilizado em ambiente Linux. Então eu me desafiei de verdade. Resolvi sair da preguiça e aprender! Nem que fosse sozinha! (Mas mas não foi!). Um amigo me ajudou muito e assim eu fui aprendendo ainda mais, e gostando cada vez mais. Nesse meio tempo o grupo da Python Floripa se formou. Na primeira reunião pedi pra um amigo ir comigo, porque tinha medo e vergonha de não saber o suficiente. Na última hora ele cancelou comigo! Acabei não desistindo e fui no encontro de qualquer forma. Eu era a única menina naquela primeira reunião e, “para melhorar”, as palestras foram puramente sobre web. Eu não entendi nada, mas achei aquele mundo fantástico. Decidi não ir nos próximos encontros, porque eu assustei com o conteúdo e com o quanto eu não entendi as coisas. Mas aí aconteceu a “mágica” da comunidade Python. Os meninos repararam nesse problema e chamaram uma pessoa para dar uma palestra que fosse mais “a minha cara” (menos web e mais análise de dados). Quando a palestra estava para acontecer, vários deles me mandaram mensagens avisando e falando que eu deveria ir. Fantástico, né? Depois disso me engajei de verdade e comecei a me envolver com a organização do SciPy LA 2016, Python Brasil 12 e principalmente do Pyladies. Além disso, o Anitas [saiba sobre o Anitas aqui] estava se formando e conheci mulheres maravilhosas e engajadas. Enfim, em 6 meses tudo mudou e eu já tinha mudado minha vida completamente. E assim eu fui percebendo que eu gostava daquilo. Muito mesmo. Eu amava programar, Github, Python, Ubuntu, etc. Eu podia gastar horas estudando isso. Conforme eu me envolvia, eu percebi que poderia ser uma segunda opção. No entanto eu fiz o que a maioria de nós faz: pensei que nunca iria conseguir. “Não sou boa o suficiente”, “Jamais conseguiria me envolver totalmente nisso”, etc. Pensei mesmo. Não adianta, nós pensamos, e todos sabemos que sim. Mas mesmo pensando isso, não parei de tentar aprender e de me envolver nas coisas. Não era o objetivo mesmo! Aí um belo dia eu resolvi apresentar para aquele pessoal de web o que uma oceanógrafa estava fazendo indo nos encontros. Afinal, eu programava? Por quê? Então apresentei um pouco dos meus resultados do mestrado, que tipo de dados eu trabalhava e um vídeozinho com uma onda de maré sendo propagada no meu modelo numérico. No mesmo dia, a gerente de projetos de uma empresa havia dito que havia uma vaga aberta para backend em Python. No fim da noite me vi ao lado dela e resolvi saber mais sobre a vaga que ela havia comentado e começamos a conversar. O que disse no final foi: “muito legal, mas infelizmente não posso concorrer para essa vaga”. Ela me questionou o porquê e eu disse que sabia Python, mas o que eles trabalhavam era uma área totalmente diferente. E foi aí eu recebi uma resposta que eu não esperava ouvir: “Não tem problema, o que você faz é tão complexo quanto, vem conversar com a gente com mais calma!” E eu fui. Assim, em 3 semanas a minha vida mudou, eu pedi demissão da minha empresa para virar backend developer, onde estou hoje indo para a minha terceira semana. Enquanto eu avisava as pessoas que estava mudando de área, eu fiquei esperando receber um “você está louca”! Mas não foi isso que eu recebi… Eu recebi muito apoio e incentivo, principalmente das pessoas mais próximas que aguentaram minhas inseguranças durante todo o processo entre a primeira conversa até o meu primeiro dia de trabalho. Não vou mentir. Na noite anterior ao meu primeiro dia eu entrei em pânico. Chorei muito. O que eu estava fazendo? Eu não ia conseguir isso! Era uma loucura! O que eu tive não foi racional, foi puramente emocional e descontrolado. Liguei pra quem eu sabia que ia me acalmar e assim me joguei no dia seguinte, com muito medo e uma vontade enorme de querer dar certo. Então eu gostaria de falar algumas coisas que eu aprendi no processo… A primeira coisa que eu aprendi é que eu não fiz essa mudança sem medo e sem insegurança. Isso não pode deixar a gente parar de fazer as coisas jamais! Recebi vários comentários dizendo que a minha coragem foi inspiradora e que eu era um exemplo. Eu não me considero exemplo de nada! Vocês não imaginam o medo que eu estava! Mas foi aí que eu percebi que os nossos exemplos também têm medo e isso não é problema nenhum. Faça com medo mesmo, mas faça! A segunda coisa é: faça as coisas com paixão. Descubra o que você gosta e faça! Independente se você tem perspectivas, mesmo que você ache que não sabe e que não vai conseguir. O importante é gostar de alguma coisa. E a última é: cerque-se e valorize as pessoas que te apoiam. Eu jamais teria alcançado tanta coisa e tido coragem de mudar a minha vida se eu não contasse com o apoio de inúmeros anjos, desde os primeiros que me desafiaram até os atuais, que me apoiaram e continuam me apoiando. Esse é um lugar onde decidi compartilhar minha história e tentar ajudar meninas que tem vontade de aprender a programar. Entre, fique a vontade e eu espero que você se apaixone tanto quanto eu. Sobre a autora: Letícia Portella é Oceanógrafa, desenvolvedora apaixonada e fissurada por leitura. #leticiaportella #matlab #mulheresnaciência #oceanografa #oceanografia #programação #programadora #python #software #convidados

  • Pesticidas e Aves Marinhas

    Por  Jana del Favero e Fernanda I. Colabuono Ilustração: Joana Ho Pesticidas (ou praguicidas) são substâncias, misturas de substâncias, ou até mesmo agentes biológicos (como um vírus ou uma bactéria), capazes de prevenir, combater ou exterminar espécies que causem danos durante a produção, colheita e armazenamento de alimentos, ou que causem danos à saúde pública (ex. insetos vetores de doenças). São importantes na agricultura pois, ao controlarem pragas, promovem um aumento na produtividade e/ou na qualidade do alimento. Porém, seu uso indiscriminado provoca vários problemas ambientais e para a saúde humana, uma vez que são tóxicos também para as espécies não-alvo, ou seja, para uma infinidade de outras espécies, além de mim, você e as aves marinhas, que focaremos nesse post. Muitas vezes são nomeados de acordo com o tipo de praga que eles atacam, exemplo: inseticidas para o controle de insetos, herbicidas para o controle de ervas daninhas, fungicidas para fungos, entre diversos outros nomes. Já "agrotóxico", que comumente escutamos, é o termo legal e está definido na Lei 7802/89, também chamada Lei de Agrotóxicos. Eles podem ser classificados em agrícolas ou não agrícolas (saiba mais sobre aqui). O transporte de agrotóxicos do solo para os corpos de água ocorre, principalmente, devido ao escoamento superficial gerado pela ação da chuva ou irrigação do cultivo. Uma vez que atingem os rios, estes funcionarão como uma “via expressa” transportando os agrotóxicos até os oceanos. Como muitos pesticidas são compostos com alta estabilidade química, ou seja, dificilmente são degradados ou metabolizados, eles persistem no ambiente por muito tempo. Assim, podem ser transportados por longas distâncias e ocorrer até mesmo em regiões onde nunca foram produzidos ou utilizados, como na Antártica! Uma vez nos oceanos, os pesticidas são absorvidos pelo plâncton (lembre deles aqui) e são transportados, através da alimentação, para níveis tróficos superiores, num processo denominado biomagnificação. Um exemplo de biomagnificação é apresentado na figura abaixo, onde é possível ver como a concentração de um pesticida (o DDT) em ppm (partes por milhão) aumenta a cada nível trófico: zooplâncton [0,04 ppm] < peixes pequenos [0,5 ppm] < peixe grande [2 ppm] < aves [25 ppm]. É importante lembrar que muitos peixes e aves possuem hábitos migratórios, servindo como meio de transporte de pesticidas para outras regiões. Um dos pioneiros e mais famoso pesticida, o DDT (sigla de Dicloro Difenil Tricloretano e formadora do verbo dedetizar), foi amplamente usado durante e após a Segunda Guerra Mundial para o combate de mosquitos causadores de malária e tifo, por ser barato e altamente eficiente a curto prazo. Porém, a longo prazo tem efeitos nocivos ao meio ambiente, como alarmado pelo bióloga norte-americana Rachel Carson em seu livro “Primavera Silenciosa”, que afirmava que DDT causava a diminuição da espessura das cascas de ovos, resultando em problemas reprodutivos e em morte das aves. O livro “Primavera Silenciosa” auxiliou no banimento do DDT nos Estados Unidos na década de 70, seguido por diversos outros países ( foi apenas em 2009 que o banimento ocorreu no Brasil!). Por mais que o DDT tenha sido banido na maioria dos países há décadas e nunca tenha sido usado na Antártica, em seu trabalho de pós-doutorado, a Fernanda analisou ovos de algumas espécies de aves antárticas, como pinguins, petréis e skuas, e constatou a presença de DDTs e de outros pesticidas nos mesmos, ilustrando bem como essas substâncias persistem no ambiente e atingem até mesmo áreas remotas. Mas não pense que a transferência pela cadeia trófica (conforme mostrado na figura de biomagnificação) é a única forma dos pesticidas atingirem as aves. Atualmente nós, seres humanos, incluímos mais um item alimentar no cardápio das aves marinhas: OS PLÁSTICOS! As aves marinhas, acidentalmente, confundem o plástico com algum item alimentar e os ingere, causando diversos danos ao indivíduo (ex. obstrução do trato digestório, diminuição do estímulo alimentar etc). Além disso, os plásticos absorvem os pesticidas (ou seja, as moléculas da substância em questão ficam aderidas/fixadas na superfície do plástico). E Bingo!... Além de todo o dano causado pela ingestão do plástico por si só, as aves ainda estão consumindo plásticos cobertos de pesticidas e outros poluentes! Em um trabalho publicado em 2010, a Fernanda e seus colaboradores avaliaram os objetos plásticos ingeridos por aves amostradas no sul do Brasil, e constataram a ocorrência de pesticidas nos mesmos. Infelizmente, a concentração de pesticidas vem aumentando ano a ano, sendo os mesmos encontrados no solo, na atmosfera, nas águas, e nos seres vivos. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, com o uso indiscriminado de pesticidas em muitos casos. Esse quadro precisa mudar. As aves marinhas e a sua saúde agradecem! Para saber mais: Colabuono, F.I., et al. (2010) Polychlorinated biphenyl and organochlorine pesticides in plastics ingested by seabirds. Marine Pollution Bulletin 60, 630-634. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0025326X10000366 Colabuono, F.I., et al. (2015). Organochlorine contaminants and polybrominated diphenyl ethers in eggs and embryos of Antarctic birds. Antarctic Science 27(4), 355–361. doi:10.1017/S0954102014000807 Colabuono, F.I., et al. (2016). Persistent organic pollutants in blood samples of Southern Giant Petrels (Macronectes giganteus) from the South Shetland Islands, Antarctica. Environmental Pollution 216, 38-45. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0269749116304298. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. - Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015. 624 p. Disponível em: http://www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/wp-content/uploads/2013/10/DossieAbrasco_2015_web.pdf A Fernanda Colabuono já publicou outro post aqui no Bate-Papo, relembre: Pesquisando nas ilhas remotas do Brasil #agrotóxicos #avesmarinhas #ciênciasdomar #pesticidas #plâncton #plástico #janamdelfavero #FernandaIColabuono

  • Pellets e microplástico no ambiente marinho

    Por Gabrielle Souza Você já parou para pensar por que os pequenos pedaços de plástico são prejudiciais à vida no oceano? E como eles vão parar lá? Hoje vamos falar sobre pellets e microplástico no ambiente marinho. Todos os dias os seres humanos geram toneladas de lixo. Boa parte vai para lixões ou aterros sanitários, porém pellets e microplásticos vão parar nos oceanos prejudicando a vida dos organismos marinhos. Mas, existe diferença entre pellets e microplástico? Sim! Os pellets são “mini-bolinhas”, conhecidas também como pastilhas de resina plástica ou nurdles. Possuem aproximadamente 0,1 - 0,5 centímetros de diâmetro e são utilizadas como matéria-prima para a fabricação de novos produtos de plástico, não sendo originárias da divisão de itens maiores em pequenos pedaços. Uma comparação simples seria o trigo que é matéria-prima da farinha, que posteriormente será utilizada para fazer um bolo. Esses pellets são transportados para os locais que as moldam e remontam para criação de novos produtos. Contudo, durante a fabricação e transporte, os pellets podem ser liberados de forma acidental no ambiente, e por meio de escoamento e fluxo de águas, são direcionados para o oceano. Devido à sua durabilidade, os pellets ficam presentes durante anos no oceano, sendo transportados por correntes de água que os distribuem em praias por todo o mundo. Especialistas afirmam que, uma vez na água dos oceanos, este material retém poluentes químicos que encontram-se em seu redor, prejudicando animais, como aves e organismos marinhos, visto que estes farão a ingestão acreditando que a “mini-bolinha” seja alimento, possivelmente absorvendo as toxinas liberadas posteriormente pelo pellet. Pellets de plástico. Fonte A fim de avaliar a poluição marinha, estas pastilhas de resina estão sendo coletadas. O portal online para ao lixo marinho Litterbase realiza o monitoramento dos locais que possuem mais acúmulo e distribuição de lixo nos cursos d’água. O Litterbase conta com um mapa mundial de distribuição dos tipos de lixo em diferentes locais e publicações de artigos sobre o assunto (Link Mapa). Possui também uma página que reúne a proporção de diferentes tipos de lixo que contribuem para a composição global, com dados calculados e distribuídos em gráficos (Link). Existe também a Fidra, uma instituição de caridade localizada em East Lothian na Escócia, que se envolve em questões ambientais, contribuindo para um diálogo amplo a nível nacional e internacional. Eles possuem um mapa, onde realizam a caçada por nurdles (Link Mapa), além de trabalharem em conjunto com a indústria do plástico, a fim de acabar com a poluição por pellets. E o microplástico? Qual a diferença dele para o pellet? Microplástico são partículas cujo tamanho varia de 1 nanômetro a 5 milímetros. Ao contrário dos Pellets o microplástico é resultado de plásticos maiores que se dividiram em pedaços menores. Esta divisão pode ser consequência, por exemplo, de quando o plástico é fragmentado mecanicamente, por ação do vento e ondas do mar. Ou seja, microplástico é uma forma secundária da matéria-prima, as pastilhas de resina. As microesferas são um tipo de microplástico feito de polietileno. É muito utilizada para fabricação de produtos de beleza e saúde, como por exemplo o creme dental e glitter utilizado em maquiagens, que foi bastante usado no carnaval, e que já possuem alternativas biodegradáveis. Devido ao seu tamanho essas partículas acabam ultrapassando facilmente o sistema de água dos ralos chegando aos rios e oceanos. Essas partículas são encontradas no estômago de peixes, baleias e espécies do plâncton. Similarmente aos pellets, os poluentes químicos aderem-se ao microplástico, contaminando os organismos que os ingerem. Pesquisas estão em andamento para saber realmente quais são os impactos que ambos podem causar nos organismos marinhos. Microplástico na praia de Northwestern Hawaiian Islands em 2014. Fonte Microplástico presente em cosmético para esfoliação facial. Fonte Para saber mais: http://litterbase.awi.de/interaction_detail http://litterbase.awi.de/litter_detail http://www.nurdlehunt.org.uk/ http://www.pelletwatch.org/maps/ https://marinedebris.noaa.gov/ Referências: VERGNAULT, Olivier. Nurdles pollution at record levels as 100,000 tiny plastic pellets found on one Cornish beach. 2017. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2017. Tiny plastic pellets found on 73% of UK beaches: Great Winter Nurdle Hunt finds thousands of pellets used in plastic production washed up on shorelines around country. 2017. The Guardian. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2017. MATO, Yukie et al. Plastic Resin Pellets as a Transport Medium for Toxic Chemicals in the Marine Environment. Environmental Science & Technology, [s.l.], v. 35, n. 2, p.318-324, jan. 2001. American Chemical Society (ACS). http://dx.doi.org/10.1021/es0010498. HIRAI, Hisashi et al. Organic micropollutants in marine plastics debris from the open ocean and remote and urban beaches. Marine Pollution Bulletin, [s.l.], v. 62, n. 8, p.1683-1692, ago. 2011. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.marpolbul.2011.06.004. TANIGUCHI, Satie et al. Spatial variability in persistent organic pollutants and polycyclic aromatic hydrocarbons found in beach-stranded pellets along the coast of the state of São Paulo, southeastern Brazil. Marine Pollution Bulletin, [s.l.], v. 106, n. 1-2, p.87-94, maio 2016. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.marpolbul.2016.03.024. What are microplastics?: Microplastics are small plastic pieces less than five millimeters long which can be harmful to our ocean and aquatic life.. NOAA- National Oceanic and Atmospheric Administration U.S Department of Commerce. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2017. Microplastic Marine Debris: What are microplastics?. NOAA- National Oceanic and Atmospheric Administration U.S Department of Commerce. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2017. #ambientemarinho #descomplicando #gabriellesouza #lixomarinho #microplástico #pellets #poluiçãomarinha #plástico

  • Histórias de Sucesso #1 — Izadora Mattiello

    Por: Equipe de redação do Laboratório de Carreira Publicação original em: Laboratório de Carreira O Laboratório de Carreira é apaixonado por histórias de sucesso. A nossa equipe foi atrás de exemplos de carreiras de pós-graduandos que, mesmo sob muitas dúvidas, desafios e dificuldades, conseguiram encontrar o seu caminho e conquistar uma excelente vida profissional e financeira. Nosso estudo de caso de hoje é sobre uma bióloga do interior de São Paulo chamada Izadora Mattiello. Atualmente, Izadora é sócia-proprietária da Phomenta, uma empresa que está inovando e criando a nova geração da filantropia no Brasil. Izadora se formou em biologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e desde o início da sua graduação foi apaixonada por usar seu jaleco branco, trabalhar em laboratórios de pesquisa e fazer ciência. No segundo ano de faculdade, foi aluna de iniciação científica na área de biologia ambiental com projetos ligados à área de ecologia marinha de crustáceos. Perto da formatura, ela decidiu se aventurar em um intercâmbio no Chile, na Universidad Católica del Norte, para trabalhar em um laboratório de pesquisa com algas e animais marinhos da Patagônia. Quando voltou, encarou a seleção de mestrado e garantiu seu lugar na USP para fazer o mestrado em um projeto interdisciplinar da Petrobras, que propunha um método inovador para detectar algas marinhas vivas, muitas delas tóxicas, que vinham da água de lastro de navios de diversos portos que podiam prejudicar a fauna local e a saúde humana. Ela conta que foi muito desafiador, porque trabalhava com uma equipe de formações diversas como, por exemplo, engenheiros, oceanógrafos, matemáticos, estatísticos e etc. O interessante é que parte do mestrado da Izadora foi realizado dentro de uma incubadora de empresas tecnológicas da USP e assim ela teve a oportunidade de conhecer um pouco do mundo do empreendedorismo. Depois da caminhada acadêmica de sete anos, poderia-se pensar que tinha chegado o momento de Izadora seguir sua carreira acadêmica e fazer doutorado, mas a dúvida e a incerteza ocuparam sua mente. Ela esperava ver sua pesquisa sendo aplicada para o bem do meio ambiente e da sociedade de uma maneira rápida e eficiente, mas percebeu que no lugar onde estava trabalhando existia muita burocracia, falta de eficiência e que sua paciência não aguentaria isso por mais quatro anos. A angústia e a ansiedade tomaram o lugar do prazer de executar um projeto de pesquisa, a sensação de permanecer na zona de conforto incomodava muito e o brilho nos olhos da Izadora foi aos poucos dando lugar à uma visão obscura da sua carreira. Ela decidiu tentar a vida de pesquisadora dentro de empresas na área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), só que os problemas continuaram a aparecer. Izadora enviou dezenas de currículos para diversas empresas da área de sua especialidade, mas na maioria das vezes sequer foi chamada para ser entrevistada. O simples fato de ter optado por uma carreira acadêmica durante anos e não ter nenhuma experiência profissional a limitava de começar sua carreira profissional. Passaram-se dez meses de tentativas de seleção para vagas de empregos e nada de respostas positivas. Devido a esse momento de angústia e frustração, Izadora foi atrás de autoconhecimento na tentativa de resgatar o prazer no trabalho e decidiu fazer um curso chamado Catálise na Fundação Estudar. Com isso, ela conectou-se com ela mesma e descobriu que ajudar pessoas era o que a deixava realizada, então começou a trabalhar em uma ONG para colocar isso em prática. Esta atividade a aproximou de planejamento estratégico, marketing, recursos humanos e essas áreas começaram a instigar novamente a vontade de aprender coisas novas. Izadora percebeu que o que ela tinha aprendido durante os sete anos na academia como, por exemplo, montar projetos, executar o planejamento, ter um objetivo, um cronograma e etc era algo fundamental que qualquer organização precisava ter. Sobre o Laboratório de Carreira: Laboratório de Carreira é um projeto que está se tornando uma startup. Tem como objetivo conectar o pós-graduado ao mercado de trabalho, realizando o seu sonho de vida e carreira. Saiba mais em: www.laboratoriodecarreira.com.br. Facebook: www.facebook.com/laboratoriodecarreira/. #históriasdesucesso #izadoramattiello #laboratóriodecarreira #mulheresnaciência

  • Minhocas peludas indicam a qualidade ambiental do fundo marinho no Banco dos Abrolhos

    Por Michele Quesada-Silva Todos aprendem na escola a importância da minhoca para os solos terrestres. Mas esqueceram de nos ensinar a importância dos seus parentes para os sedimentos do fundo do mar. As minhocas peludas na verdade chamam-se poliquetas e não têm pelos, mas sim cerdas (uma mais linda que a outra!). Os poliquetas pertencem ao mesmo grupo das minhocas (Filo Annelida) e, assim como elas, ventilam e irrigam o sedimento, estimulando o fluxo de nutrientes e a degradação da matéria orgânica. Existem no mundo mais de 11 mil espécies de poliquetas, sendo que eles podem ter diferentes tamanhos, hábitos de vida e hábitos alimentares (de herbívoros a omnívoros). Essa grande diversidade de espécies e hábitos faz com que a presença de determinadas espécies, assim como suas quantidades, indique as características do ambiente. Por isso, estes organismos são comumente utilizados por empresas de consultoria ambiental na caracterização e no monitoramento da qualidade do fundo marinho. Como estudar poliquetas Os poliquetas adultos são geralmente bentônicos, isto é, habitam os fundos marinhos tanto duros (como por exemplo recifes de corais) quanto os sedimentos. A figura abaixo representa a variedade de métodos para coletar os organismos bentônicos. Tradicionalmente, o bentos é dividido segundo uma classificação prática baseada no tamanho da malha das peneiras utilizadas para separar esses organismos do sedimento marinho. Animais retidos por uma peneira de 0,5 mm, por exemplo, compreendem a macrofauna bentônica, que é dominada por poliquetas. No entanto, na peneira não ficam só os organismos… então temos que separá-los em grandes grupos (poliquetas, crustáceos, moluscos, etc) através de um esteromicroscópio e, depois, com a ajuda de um microscópio com lentes de aumento mais potentes, podemos identificá-los em nível de espécie. No caso dos poliquetas, as cerdas que eu comentei anteriormente são muito importantes nessa classificação. Impacto do sedimento terrígeno nos poliquetas ao redor dos recifes de corais do Banco dos Abrolhos A importância ecológica dos poliquetas fez com que eu tivesse vontade de estudá-los durante a minha graduação em Biologia e o meu mestrado em Oceanografia Biológica. Na ocasião, o Instituto Oceanográfico da USP estava desenvolvendo um projeto nos recifes do Banco dos Abrolhos (“Produtividade, Sustentabilidade e Utilização do Ecossistema do Banco dos Abrolhos – PROABROLHOS”). Os recifes de coral estão em constante modificação, sendo ora construídos pelos corais e algas calcárias, ora erodidos pelas ondas ou por algum organismo, como o peixe-papagaio. Os fragmentos resultantes destes processos de erosão espalham-se ao redor dos recifes de coral, ampliando os limites desse ecossistema. E quais são os organismos que dominam nestes fragmentos de recife? Sim, os meus queridos poliquetas! A área de estudo do meu mestrado foi o recife Sebastião Gomes, localizado a menos de 20 km da costa da Bahia. O objetivo do meu trabalho era caracterizar a comunidade de poliquetas que vive ao redor de um recife cujo sedimento é formado tanto por fragmentos recifais quanto por partículas finas que são transportadas principalmente do Rio Caravelas para o pé do recife com ajuda das correntes marítimas e dos ventos. Tipicamente, há maior diversidade e abundância de poliquetas em sedimentos mais grossos devido ao maior espaço entre os grãos. Na época do meu mestrado, o que me preocupava era o aumento do aporte de sedimentos finos devido ao desmatamento das florestas tropicais costeiras para cultivo de eucalipto. Hoje, o que mais me preocupa é a lama contaminada da mineradora Samarco, que tem sido transportada ora para o sul e ora para o norte, até que atingiu o Banco dos Abrolhos em julho de 2016. Os sedimentos mais finos em regiões recifais não são prejudiciais apenas para os poliquetas, mas também para os corais que formam a estrutura do recife. Além de entupir os pólipos dos corais, a presença desse sedimento fino na coluna d’água também dificulta a penetração da luz, essencial para a fotossíntese das microalgas que vivem associadas aos corais. Os dados do meu mestrado foram coletados antes do desastre da Samarco e eu acredito que a utilização desses dados para o monitoramento dos recifes costeiros do Banco dos Abrolhos é um bom exemplo de como integrar a ciência básica com a ciência aplicada (Post: Ciência nada básica), porque não é possível monitorar uma área sem saber como ela era antes do impacto ambiental. No momento, estes dados não são estão sendo utilizados, mas eu espero que a sua recém publicação (o artigo acabou de sair no Brazilian Journal of Oceanography) inspire esse monitoramento! Link para o artigo científico http://www.scielo.br/pdf/bjoce/v65n1/1679-8759-bjoce-65-01-0079.pdf Link para a dissertação de mestrado http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/21/21134/tde-09042014-194321/pt-br.php. Sobre Michele Quesada-Silva: Sou bióloga (com muito orgulho) e mestre em Oceanografia Biológica, além de ser muito metódica (as fotos das caixinhas com a coleção de poliquetas do meu mestrado exemplifica bem isso) e crítica (construtiva!). Nos últimos dois anos, abandonei os meus queridos poliquetas e participei da coordenação de uma equipe de biólogos e analistas de geoprocessamento responsáveis por avaliar o fundo marinho antes da instalação ou da desinstalação de estruturas submarinas da indústria de óleo e gás. Não me preocupo com os títulos e sim com o aprendizado. Por isso, decidi fazer mais um mestrado! Desta vez, na Europa (Espanha, Portugal e Itália) e focado em políticas públicas que visam um melhor planejamento das atividades que acontecem no ambiente marinho. Lattes LinkedIn #abrolhos #animaismarinhos #bentônicos #ciênciasdomar #minhoca #poliquetas #MicheleQuesadaSilva #convidados

  • O Mar Também É História

    Por Alynne Almeida Affonso Ilustração: Silvia Gonsalves É muito comum encontrarmos a oceanografia dividida em quatro grandes áreas: Física, Química, Geológica e Biológica. Essa abordagem pode ser bastante pertinente quando consideramos metodologias práticas e eficientes para estudar ciências complexas, como a Oceanografia. Segmentar o saber facilita ainda a produção de conhecimento, a pesquisa e o ensino, já que é uma forma de classificar e organizar grandes volumes de informação. No entanto, fica o questionamento: será que tudo o que se refere às Ciências do Mar se enquadra nessa divisão em quatro grandes áreas? Sendo a Oceanografia uma ciência bastante multi e interdisciplinar, é quase natural supor que muitos assuntos relacionados aos oceanos acabem ficando à margem dessa divisão clássica. É o caso da Oceanografia Humana. Não é muito comum pensarmos nas Ciências do Mar como uma ciência humana, mas os mares e oceanos têm, sim, uma componente significativa nas ciências sociais. O que faz bastante sentido se pararmos para pensar na zona costeira e na influência que o mar exerce e já exerceu na sociedade. Nem sempre a pesquisa em Oceanografia Humana é classificada como Oceanografia propriamente dita, e isso se deve, possivelmente, à melhor adequação de muitos temas estudados na oceanografia como “ciências duras” (ou, em inglês, hard sciences) – ou seja, rígida em suas fundamentações teóricas e em sua capacidade preditiva. As ciências duras seguem à risca o que, em ciência, se conhece como Método Científico, que é a coleção e observação de dados quantificáveis, aplicação de modelos matemáticos e uso de experimentos controlados, produzindo resultados com grande grau de acurácia. Já as ciências humanas e sociais são classificadas como “ciências moles” (sei que o nome é esquisito, mas vem do inglês soft sciences), preocupadas em investigar o comportamento humano e da sociedade. Estes assuntos podem ser bastante subjetivos, baseados em interações complexas que não se encaixam na abordagem de estudo prevista pelo Método Científico, já que se torna muito difícil estabelecer um critério de análise tão sólido para temas tão abstratos. As ciências sociais podem cruzar o caminho das ciências do mar de muitas formas. A pesquisa na interface entre oceanografia e ciências humanas está bastante focada na compreensão da dinâmica entre as comunidades costeiras e o meio ambiente, uso dos recursos costeiros, uso e ocupação do território costeiro, conflitos ambientais e valoração. Mas, será que alguém se preocupa em estudar o mar em sua componente histórica? Afinal, História é uma das bases das ciências humanas e sociais. O passado, afinal, é a chave para o presente. E a resposta é: SIM! Existe uma ciência toda dedicada ao tema. A História Ambiental é uma disciplina relativamente recente, é verdade, que surgiu nos Estados Unidos durante a onda ambientalista dos anos 60 e 70, e é definida por OOSTHOEK (2005) como “o estudo da interação entre humanos e o meio ambiente no passado. A história ambiental estuda as relações entre humanos e ambiente ao redor, procurando compreender como a interação entre ambos funciona”. A História Ambiental esmiúça o papel da natureza na influência das atividades humanas e em como os humanos moldam o meio ambiente ao longo do tempo. As Zonas Costeiras são suscetíveis a mudanças bruscas e rápidas na sua configuração, induzidas tanto por processos naturais como por pressão antrópica – inclusive, para muitas zonas costeiras ao redor do mundo, a componente humana é a principal forma de alteração do espaço costeiro. O conhecimento histórico, através de uma leitura das questões da natureza, permite verificar a percepção histórica das mudanças ambientais. É possível assimilar as relações entre espécie humana e fatores naturais e investigar as interações entre cultura, natureza e interações entre homem e zona costeira no passado e através do tempo humano. Entender o passado é essencial para modelar e prever o futuro, e aí reside a grande importância da história ambiental. A interpretação histórica das questões ambientais permite a conexão entre geografia física, topografia, geomorfologia costeira a fatores climáticos, oceanográficos e biológicos, aliados a uma perspectiva política, econômica e sociológica. No entanto, é importante analisar as interpretações das ações humanas no mundo natural no passado às mudanças associadas a estes fenômenos com bastante cuidado, porque os problemas que ocorrem no presente podem influenciar a nossa percepção do passado e como interpretamos os acontecimentos pretéritos. A História Ambiental, no entanto, é muito mais que apenas apontar as interações danosas entre sociedade e natureza. Ela trata de interpretações históricas de problemas ambientais, incorporando mudanças que se apoiam na pluraridade das dimensões naturais e culturais relativas às atividades humanas e às diversas formas de percepção do ambiente e sua relação com a vida em sociedade. Uma forma muito eficiente e que tem sido aplicada com bastante frequência para o estudo da História Ambiental é o uso do Sistema de Informações Geográficas (SIG, ou GIS em inglês). O HGIS (ou Historical Geographical Information System do inglês, algo como Sistema de Informações Geográficas Histórico) é uma ferramenta eficiente porque o uso de mapas históricos georreferenciados (ou seja, associados à informações espaciais como coordenadas geográficas) e digitalizados é uma forma visual, qualitativa e quantitativa de observar mudanças ambientais ao longo do tempo, e amplamente utilizada pelos pesquisadores da História Ambiental (Figura 1). Através do HGIS é possível também armazenar, exibir e analisar dados do passado relativos ao meio ambiente e correlacionar os dados espaciais históricos com informações quantitativas como censos e pesquisas sociais realizadas por prefeituras, órgãos públicos e universidades (Figura 2). Essas informações permitem, além da reconstrução de ambientes pretéritos, a observação de mudanças dos parâmetros ao longo do tempo. É o que autores como DONAHUE (2007), CUNFER (2006), TUCCI (2010) fizeram, para citar apenas alguns. DONAHUE e CUNFER usaram mapeamentos históricos e estatísticas de uso do solo para avaliar as condições ambientais e alterações de longo prazo na paisagem induzidas por atividades de agricultura no território norte-americano. Já TUCCI, através da análise de mapas históricos de Milão, acompanhou mudanças na paisagem urbana e nos parâmetros sócio-econômicos, representativos de períodos históricos específicos, e comparou com as características atuais a fim de detectar padrões de evolução da malha urbana ao longo do tempo. Alguns autores como DeBOER & CARR (1969), CHARDON (1982), CLUTTON (1982), LLOYD et al. (1987), HESSLER (2005), além da jovem pesquisadora que aqui vos escreve, escolhemos a zona costeira como alvo dos estudos em História Ambiental. Estes autores reconstruíram, através de mapas históricos e estatísticas, as zonas costeiras alvo de seus estudos e compararam com mapas e índices atuais, a fim de acompanhar a evolução da paisagem e do comportamento do homem em relação ao ambiente (Figura 3). Existem muitos métodos para se efetuar as análises temporais dos ambientes pretéritos, que em geral, são bastante complexos. Dificilmente um autor repete a metodologia de outro passo a passo, já que as peculiaridades das áreas de estudo e objetivos da pesquisa fazem com que os pesquisadores tenham que adaptar as metodologias às suas realidades. Em minha pesquisa de mestrado, por exemplo, eu avaliei as mudanças na paisagem da Baixada Santista ao longo de 4 séculos. Desenvolvi minha própria metodologia de análise, uma vez que a maioria dos autores que eu pesquisei, por serem de fora do Brasil, não ofereciam soluções que eu pudesse aproveitar integralmente. Adaptei técnicas de muitos autores para, no fim, desenvolver algo que funcionasse para o litoral de São Paulo e para o que eu buscava compreender. E esse é o tema do meu próximo artigo para o Bate Papo com Netuno! Vou explicar como se faz essa análise histórica usando mapas antigos, as curiosidades e peculiaridades da cartografia histórica, e mostrar o que eu encontrei para a região de Santos, litoral de São Paulo. Aguardem! Referências: CHARDON, R. 1982. A Best-fit Evaluation of DeBrahm's 1770 Chart of Biscayne Bay. The American Cartographer. 1982, Vol. 9, pp. 47-67. CLUTTON, E. 1982. Some Seventeenth Century Images of Crete: A Comparative Analysis of the Manuscript Maps by Francesco Basilicata and the Printed Maps by Marco Boschini. Imago Mundi. 1982, Vol. 34, pp. 48-65. CUNFER, G. 2006. On the Great Plains: Agriculture and Environment. Environmental History. 1, 2006, Vol. 11, pp. 142-144. DeBOER, G. e CARR, A. P. 1969. Early Maps as Historical Evidence for Coastal Change. Geographical Journal. 1969, Vol. 135, pp. 17-39. DONAHUE, B. 2007. The Great Meadow: Farmers and the Land Colonial Concord. Yale : Yale Publisher Press, 2007. HESSLER, J. 2005. Warping Waldseemüller: A Cartometric Study of the Coast of South America as Portrayed on the 1507 World Map. MAGERT Ala Map and Geography Roundtable. [Online] 2005. http://purl.oclc.org/coordinates/a4.pdf accessed in 01/06/2016. LLOYD, R. e GILMARTIN, P. 1987. The South Carolina Coastline on Historical Maps: A Cartometric Analysis. The Carographic Journal. 1, 1987, Vol. 24, pp. 19-26. OOSTHOEK, K.J. 2005. What is Environmental History? ENVIRONMENTAL HISTORY RESOURCES. [Online] 03 de January de 2005. [Citado em: 17 de 05 de 2016.] https://www.eh-resources.org/what-is-environmental-history/. RUMSEY, D., WILLIAMS, M. 2002. Historical Maps in GIS in Past Time, Past Place: GIS for History. Ed KNOWLES, A.K. ESRI Press, pp.2-18. TUCCI, M., GIORDANO, A. e RONZA, R. W. 2010. Using Spatial Analysis and Geovisualization to Reveal Urban Changes: Milan, Italy, 1737-2005. Cartographica. 1, 2010, Vol. 45, pp. 47-63. Sobre a autora : Alynne Almeida Affonso, 32 anos, Oceanógrafa pelo IOUSP e mestra em Sistemas de Informação Geográficas e Sensoriamento Remoto pela University College Cork (Irlanda). Depois de muito estudar oceanografia geológica, sedimentação marinha, sistemas e processos costeiros, manejo costeiro e aprender a fazer todo tipo de mapas e interpretar imagens de satélite, vive numa busca eterna por uma carreira na interface entre ciências exatas, humanas e sustentabilidade. #ciênciasdomar #oceanografiahumana #silviagonsales #AlynneAlmeidaAffonso #convidados

  • 6 parques brasileiros que ajudam a proteger o bioma marinho

    Por Duda Menegassi Publicação original em Wikiparques Para inspirar a missão de proteger a biodiversidade marinha, o Wikiparques fez uma lista com algumas unidades de conservação que atuam na proteção desse bioma. Não são só os ambientes terrestres que precisam de proteção. A maior parte da biodiversidade, da vida, da Terra está, paradoxalmente, nos oceanos que cobrem 71% de sua superfície.  E o  Brasil, com cerca de 3,5 milhões de km² de litoral, por muito tempo deixou de lado a proteção dos mares e suas respectivas zonas costeiras. Em 2010, durante a 10ª Conferência das Partes -COP 10, em Nagoya, Japão, o Brasil assumiu o compromisso de proteger pelo menos 10% das suas áreas costeiras e marinhas até 2020. Apesar ser o país que mais criou áreas de conservação nos últimos anos, sua região marinha ainda é a menos protegida. Estamos a apenas quatro anos do prazo final, e precisamos correr muito para cumprir a meta. O Wikiparques fez uma lista com bons exemplos nacionais de algumas áreas protegidas existentes que ajudam a conservar o bioma marinho e costeiro. Confira: Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE) Fernando de Noronha talvez seja um dos destinos mais famosos do Brasil, mas cabe lembrar que a maior parte da ilha é um importante parque nacional, criado em 1987 para ajudar a preservar o bioma marinho. Além da ilha principal, o território do parque se estende também às 21 ilhas secundárias que compõem o arquipélago de Noronha. Lar e berçário de espécies ameaçadas de extinção, de paisagens com praias de areia branca e águas cristalinas, o Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha é considerado um importante santuário na proteção dos frágeis ecossistemas marinhos. O acesso à ilha é feito apenas por barco e avião, dentro do limite estabelecido de visitantes por dia. Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA) Localizado no litoral sul da Bahia, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos abrange cinco ilhas e uma área de 91.255 hectares. Criado em 1983,Abrolhos foi a primeira unidade de conservação marinha do Brasil e até hoje permanece como um dos refúgios mais importantes de proteção do ecossistema. Além de abrigar recifes e bancos de corais, e ser ponto de apoio para aves migratórias, o parque também protege importantes berçários das baleias Jubarte, que podem ser avistadas na região de julho a novembro. O acesso ao arquipélago é feito somente de barcos que saem de Caravelas (BA). O desembarque é permitido apenas na ilha de Siriba. Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais (PR) Criado em 2013, o Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais foi o primeiro parque marinho do Paraná. Seu território corresponde a três pequenas ilhas sem praias que ajudam a proteger quatro grandes recifes.O parque também protege  o mero (Epinephelus itajara), espécie de peixe criticamente ameaçada de extinção. Um dos únicos lugares disponíveis para o mergulho no litoral paranaense, o acesso ao parque pode ser realizado apenas por via marítima. Parque Nacional do Superagui (PR) Localizado no encontro do continente com o oceano, o Parque Nacional do Superagui corresponde a uma área de aproximadamente 34.000 hectares do litoral norte do Paraná. A Unidade de Conservação, criada em 1989, é considerada uma importante área de conservação do bioma marinho costeiro, e foi declarada Sítio do Patrimônio Natural pela UNESCO. O parque abriga 38 quilômetros de praias virgens e protege áreas como a Baía do rio das Peças, um local com alta concentração de botos. O acesso é possível de barco e de carro, porém a estrada está em más condições e o roteiro mais indicado é o acesso pela via marítima. Parque Estadual Marinho de Areia Vermelha (PB) Um dos poucos parques estaduais marinhos que existem hoje no Brasil, o Parque Estadual Marinho de Areia Vermelha é um ponto turístico conhecido na Paraíba. O destino foi transformado em Unidade de Conservação em 2000, com 230 hectares de extensão. O parque é uma área rica em corais, mas hoje grande parte encontra-se destruída como consequência de anos de turismo desordenado e falta de fiscalização. Para mudar isso, entretanto, novas regras de visitação e controle do parque foram implementadas pela Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema). O acesso ao parque é possível apenas de barco. Área de Proteção Ambiental (APA) das Reentrâncias Maranhenses (MA) A APA das Reentrâncias Maranhenses, com impressionantes 2.631.260 hectares de extensão, abrange 16 municípios litorâneos do Estado. Seu território protege uma parcela significativa do litoral maranhense e dos ecossistemas estuarinos, onde o mar encontra o rio. A APA também representa uma importante zona de manguezais e de restinga. Criada em 1991, a Unidade de Conservação é habitat de diversas espécies de peixes, aves migratórias e do peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), mamífero considerado vulnerável pela Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza). Gostou da nossa lista? Deixe sua opinião nos comentários se você sentiu falta de alguma Unidade de Conservação marinha que você conhece! Sobre a autora: Duda Menegassi é repórter do site de notícias ambientais ((o)) eco. Apaixonada por trilhas, parques e natureza, integra também a equipe do Wikiparques, plataforma de informação dedicada às Unidades de Conservação. #atoldasrocas #biologiamarinha #ciênciasdomar #ilhasoceanicas #oceanografia #unidadesdeconservação #DudaMenegassi #convidados

  • O que são marés e como ocorrem?

    Por Gabrielle Souza Sempre que queremos ir à praia procuramos saber o horário em que a maré vai estar baixa ou alta não é mesmo? Mas você sabe como isso ocorre? A maré consiste em um fenômeno de descida e subida das águas do mar por meio da força gravitacional, que é o resultado da atração entre o Sol e a Lua exercida sobre a Terra. Apesar do Sol possuir mais massa, a Lua está bem mais próxima da Terra, tendo assim o dobro de influência sobre os oceanos. A Lua, como qualquer outro objeto, pode atrair corpos em sua direção por meio das forças gravitacionais. Lembrando um pouco das aulas de física: sabemos que dois corpos se atraem, e que esta atração é proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa esses corpos, tomando a distância entre o centro de gravidade dos corpos... Mas calma!!! Não é sobre física que vamos falar, mas para que você entenda como os oceanos são atraídos pela Lua precisa relembrar este conceito. Agora vamos lá! A Lua exerce uma força de atração sobre a Terra, sendo esta atração mais perceptível nos oceanos pois, se tratando de um líquido,  flui livremente. A relação da Lua com as marés pode ser entendida de forma muito simples. As águas, por fluírem de forma mais livre, são mais suscetíveis à atração da Lua. A Lua irá exercer maior atração no ponto da Terra do qual estiver mais próxima. Essa atração forma uma espécie de “bojo de água” no ponto mais próximo à Lua, caracterizando assim maré alta (vide desenho abaixo). Já o segundo bojo observado na figura (o que parece estar sendo atraído pelo Sol) é um pouco mais complicado de explicar. Ele decorre da variação do centro de gravidade do sistema Terra-Lua, que acompanha o movimento da Lua ao redor da Terra. É como se tivéssemos água numa bacia e começássemos a rodar a bacia num movimento circular regular. Esse movimento iria produzir uma "ondinha" que giraria pela bacia apoiada em suas bordas. Aproximadamente seis horas depois a Terra terá feito o seu movimento normal de rotação e este ponto inicial estará agora à 90º da Lua, caracterizando maré baixa. Com isso após aproximadamente 12 horas e 25 minutos a rotação da Terra faz com que o mesmo ponto passe por outra maré alta. Ou seja, ao longo de um dia ocorrem duas marés altas e duas baixas em um mesmo ponto. Maré baixa versus Maré alta. Fonte As fases da Lua, por sua vez, influenciam o volume das águas que se movimentam com as mudanças de marés. Quando o Sol, a Lua e a Terra estão alinhados (ou seja, nas Luas cheia e nova), ocorre  a chamada maré de sizígia ou viva, e assim percebemos maiores variações no nível do mar entre a maré baixa e alta de uma localidade. Por outro lado, durante as Luas minguante e crescente, quando o Sol, Terra e Lua formam um ângulo de 90º, ocorre a  maré de quadratura ou maré morta, ou seja, a diferença do nível do mar entre a maré alta e baixa terá uma menor amplitude. Fonte Posts relacionados: Os pequenos peixes escondidos nas poças de maré Uma história sobre espojas Quer saber mais?? https://www.youtube.com/watch?v=w1Ax_Ej0VM4 https://www.youtube.com/watch?v=VQyBe9xy66g Referências : OLIVEIRA FILHO, Kepler de Souza; SARAIVA, Maria de Fátima Oliveira. Marés. 2008. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2017. MESQUITA, João Lara. Lua cheia, maré cheia. A Lua e os Oceanos, um caso de atração. 2015. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2017. TIPOS DE MARÉS: PREIA-MAR E BAIXA-MAR; MARÉS VIVAS E MARÉS MORTAS. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2017. OLIVEIRA FILHO, Kepler de Souza; SARAIVA, Maria de Fátima Oliveira. Comparação das marés produzidas na Terra pela Lua e pelo Sol. 2008. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2017. MARÉS. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2017. #atração #gravidade #lua #marébaixa #maréalta #marés #sol #Terra #gabriellesouza

  • Nem todo coral quer sol e água quente! – Parte II: a importância dos corais frios

    Por Beatriz Mattiuzzo, Samara da Cunha Oliveira e Ágata Piffer Braga Justamente por serem diferentes dos corais tropicais aos quais estamos acostumados, os corais frios executam papéis únicos e de grande importância no oceano! Em nosso post anterior (disponível em Nem todo coral quer sol e água quente!) tratamos de corais frios, ou corais de águas profundas, organismos que vivem em águas de 4°C a 12°C, entre 50 e 4000 metros de profundidade. Antes de continuar a leitura, dê uma conferida lá! Agora, vejamos um pouco dos papéis que os mesmos desempenham no meio marinho. Importância Biológica e Ecológica Por hora, ainda há pouco para se afirmar sobre a importância dos ambientes de corais profundos para outras espécies, apesar de esta ser potencialmente enorme, pois estes oferecem condições para a vida de outros organismos que dificilmente se encontra em águas tão profundas e frias. Para isso, é preciso considerar a variação no espaço e no tempo. A complexa arquitetura tridimensional e a variabilidade espacial dos corais de águas profundas são essenciais para formação de vários nichos ecológicos, isto é, pequenos ambientes ideais para diferentes tipos de organismos se desenvolverem, assim gerando comunidades que tendem a ser muito diversas. Entretanto, a pesquisa nestes habitats não é possível usando as técnicas amostrais mais comuns para mar profundo, como amostradores de sedimento do fundo, pois os corais são duros e difíceis de serem retirados do substrato limitando o entendimento dos padrões de biodiversidade locais. O fator temporal também é muito importante nos ambientes profundos. Diferentes espécies de corais frios desenvolvem diferentes tipos de habitats, com tamanhos e longevidade muito diferentes. Por exemplo, os corais duros têm um esqueleto rígido que tende a permanecer após sua morte, sendo um ambiente mais estável temporalmente. Já as gorgônias, corais moles, ao crescerem próximas umas das outras formam ambientes densos e muito diversos, porém esse habitat desaparecerá após a morte destes organismos. Apesar da variação no espaço e no tempo, algumas observações muito interessantes já foram feitas em corais frios. Dois cientistas canadenses compilaram uma lista de espécies aparentemente associada a corais de águas profundas. Eles trabalharam com uma base de 980 espécies já registradas associadas à corais frios, e concluíram que 112 espécies estabelecem uma relação mútua de cooperação, enquanto que para outras 30 os corais são essenciais para a vida. No entanto, poucas relações entre corais x organismos já foram descritas a fundo, para se definir o papel exato de cada parte. Como exemplo, pode-se citar a relação entre o coral Scleractinia e Lophelia pertusa e o poliqueta, espécie de anelídeo, Eunice norvegicus, na qual o poliqueta se beneficia da proteção dos tubos de carbonato de cálcio produzido pelo coral, enquanto também protege o mesmo, ao atacar qualquer potencial predador do coral. Corais de águas frias também podem ser hospedeiros de parasitas. O foraminífero Hyrrokkin sarcophagi, por exemplo, faz um buraco no esqueleto e infesta pólipos das espécies coralíneas Lophelia pertusa e Madreporaoculata. Contudo, os exemplos são poucos. Na maioria dos casos, apesar de saber-se da existência de uma relação entre duas  espécies, não se sabe de fato como essa ocorre. É o caso dos gastrópodes Pedicularia com corais da família Stylasteridae, em que não se sabe se é um caso de predação ou “ajuda”, onde o molusco retiraria somente o muco excessivo do hospedeiro. É inegável que os habitats coralíneos frios estão associados com muito menos espécies de peixes do que os corais tropicais, e este número tende a diminuir com o aumento da profundidade em que o recife se encontra. Porém, acredita-se que estes ambientes sejam muito importantes para algumas populações de peixes, por fornecerem abrigo e condições para a reprodução, justamente por serem locais únicos. Este campo de pesquisa tem ganhado destaque nos últimos anos, após evidências de que o arrasto de fundo em habitats recifais frios estaria ligado a reduções dramáticas em algumas populações de peixe de alto valor comercial. Ainda assim, é grande a especulação quanto ao tipo e intensidade das possíveis relações, e mais pesquisas neste campo são fundamentais. Importância Geológica e Paleoceanografia Apesar de o ciclo de vida de um conjunto de pólipos, organismos formadores de coral, não ser, geralmente, muito longo, nos recifes verdadeiros as estruturas calcárias, “esqueletos” dos pólipos, podem durar por milhares de anos. Além da alta longevidade, a distribuição cosmopolita e a formação de esqueleto bem demarcado durante os ciclos geológicos tornam os corais frios ótimos arquivos paleoceanográficos, isto é, eles refletem condições dos oceanos de milhares a milhões de anos atrás. Como os oceanos são um dos controladores do clima do planeta, devido à sua capacidade de reter calor, os principais estudos realizados com corais de águas profundas buscam entender o clima do passado e, assim, constituir bases científicas para previsões futuras. Nesse sentido, um dos principais ramos de estudos paleoceanográficos são estudos e datação de períodos interglaciais. Como os corais Scleractinia e os Lophelia pertusa não conseguem sobreviver em águas mais frias do que 4°C, ao mesmo tempo em que rapidamente colonizam ambientes quando a temperatura se eleva a esse patamar, os recifes destas espécies em altas latitudes têm registros claros de intercalação dos períodos glaciais. Esta relação está ilustrada na figura 2. Além disso, ao estudar isótopos estáveis (variações da massa de um mesmo elemento químico) e analisar a química dos esqueletos dos recifes é possível obter estimativas detalhadas de paleo-temperatura da água e análise de massas de água atuantes no passado. Isótopos estáveis de oxigênio podem ser usados para estimativas de salinidade e temperatura, mas a relação não é direta – os esqueletos de corais não se formam em equilíbrio isotópico com a água, porém estão associados com a taxa de calcificação do coral, provavelmente também ligado a fatores sazonais nas águas profundas. Apesar da complexa relação, alguns estudos já chegaram a resultados promissores neste campo. A mudança na circulação profunda ao longo do tempo afetou profundamente não só a biologia destes animais, mas também o clima. Correlacionando os dados de temperatura, salinidade e nutrientes dos registros de corais frios é possível definir as massas de água que atuavam em eras passadas, e assim compreender melhor o padrão de circulação do oceano profundo ao longo do tempo, e, por fim, a distribuição de calor e clima. Por exemplo, ao usar a datação de corais por U/Th, somado a datação do carbono inorgânico por 14C, um estudo sugeriu que os corais Desmophyllum cristagalli estavam banhados por uma água pobre em nutrientes do Atlântico Norte no início da sua vida, enquanto tiveram acesso a águas ricas em nutrientes do Sul no final desta. A partir de informações deste tipo, podemos supor o que aconteceria, por exemplo, com o aquecimento do planeta ao mudar o padrão de circulação oceânica. Assim, conseguimos ver um pouco do papel que os corais frios podem desempenhar na biota e na interpretação do passado, ajudando a determinar o futuro. Estes organismos estão ameaçados pela pesca de arrasto profundo e pela acidificação dos oceanos. Justamente por isso, há necessidade de se aumentar rapidamente as pesquisas em corais frios, especialmente no Hemisfério Sul. Estes estudos são caros e difíceis, mas os corais profundos têm enorme importância e potencial a ser explorado, e com certeza conhecê-los melhor só nos trará benefícios. Referências Bibliográficas: Roberts, J.M., Wheeler, A.J. and Freiwald, A., 2006. Reefs of the deep: the biology and geology of cold-water coral ecosystems. Science, 312(5773), pp.543-547. Roberts, J.M., 2009. Cold-water corals: the biology and geology of deep-sea coral habitats. Cambridge University Press. Rogers, A.D., 2004. The biology, ecology and vulnerability of deep-water coral reefs. IUCN. Turley, C.M., Roberts, J.M. and Guinotte, J.M., 2007. Corals in deep-water: will the unseen hand of ocean acidification destroy cold-water ecosystems?.Coral reefs, 26(3), pp.445-448. Appeltans W, Bouchet P, Boxshall G. A, Fauchald K, Gordon D. P, et al., editors. (2011) World Register of Marine Species. Disponível em: http://www.marinespecies.org. Acesso em 29 de maio de 2016. Cairns, S.D., 2011. Global diversity of the Stylasteridae (Cnidaria: Hydrozoa: Athecatae). PloS one, 6(7), p.e21670. NOAA Deep-sea Coral Data – World Map. Disponível em: https:/deepseacoraldata.noaa.gov/ website/AGSViewers/DeepSeaCorals/mapSites.htm. Acesso em: 28 de maio de 2016. Roberts, J.M., Wicks, L. L. Lophelia.org. Disponível em http://www.lophelia.org/. Acesso em: 29 de maio de 2016. Mortensen, P. B. and Buhl-Mortensen, L. (2004). Distribution of deep-water gorgonian corals in relation to benthic habitat features in the Northeast Channel (Atlantic Canada). Marine Biology, 144, 1223–1238. Freiwald, André, and J. Murray Roberts, eds. Cold-water corals and ecosystems. Springer Science & Business Media, 2006. Freiwald, A.; Fosså, J. H.; Grehan, A.; Koslow, T.; Roberts, M.; Arrecifes de coral de agua fría - Fuera de la vista – pero ya no de la mente. Serie de Biodiversidad del Centro. Centro Mundial de Monitoreo de la Conservación del PNUMA. Reino Unido. 2004 WWF. (2004) Cold Water Corals Fragile havens in the Deep. WWF- World Wide Fund for Nature. pp 1-12. Sobre as autoras: Beatriz Mattiuzzo, 22 anos, estudante de oceanografia desde 2013 e apaixonada pelo oceano desde sempre. Sou aventureira, mas com certeza minha maior Aventura começou quando entrei  no Instituto Oceanográfico da USP.  Atualmente, estudo cetáceos marinhos, com enfoque em bioacústica. Samara da Cunha Oliveira, 22 anos, faço graduação no Instituto Oceanográfico. Minha preocupação com o meio ambiente veio desde que aprendi o ciclo do carbono na escola, assim encontrei o curso de Oceanografia e me encantei. Estou iniciando meus estudos no assunto de percepção ambiental. Ágata Piffer Braga, 23 anos, estudante de oceanografia desde 2012 no Instituto oceanográfico da USP.  Minha grande paixão é a oceanografia física. Estou desenvolvendo meu trabalho de graduação no Laboratório de Dinâmica Oceânica, onde através de uma nova climatologia  procuro representar a Bifurcação de Santos (Circulação “profunda” da costa sudeste brasileira). #convidados #marprofundo #corais #ciênciasdomar #BeatrizMattiuzzo #SamaradaCunhaOliveira #ÁgataPifferBraga

  • Desafios enfrentados por Mulheres na Ciência

    Por Catarina R. Marcolin Recentemente assisti a um debate realizado no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) chamado “As Mulheres na Universidade e na Ciência: Desafios e Oportunidades” que me chamou muita atenção. Vale a pena assistir na íntegra o vídeo de mais de uma hora em que três mulheres cientistas nos inundam com estatísticas e fatos surpreendentes, alguns até difíceis de acreditar, sobre a participação das mulheres no meio acadêmico. O vídeo foi recomendado por uma professora do IO-USP, a Mary Gasalla, mais uma mulher cientista que nos serve de inspiração. Ilustração Caia Colla No Bate-papo dessa semana, vamos discutir alguns assuntos abordados neste debate, assim, fui em busca de mais alguns dados para seguirmos na reflexão sobre o assunto. Primeiramente, fiquei feliz em saber que nós mulheres representamos cerca de 50% dos estudantes na grande parte dos cursos de graduação do país, em alguns cursos somos até maioria. Entretanto, quando olhamos para as ciências exatas e as engenharias, somos menos de 40% do total. Além disso, é impossível não se impressionar com o fato de que nós mulheres somos apenas 15% dos estudantes nas engenharias da USP. Se olharmos para a quantidade de bolsas de iniciação científica e de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) veremos que também temos ganhado tantas bolsas quanto os homens. Inclusive, em 2010 tivemos mais mulheres do que homens com título de mestrado e doutorado. Mas novamente, isso não é a realidade nas engenharias e nas ciências exatas. Parece que algo tem nos afastados dessa área, que inclui a oceanografia. Mas os números mais chocantes são relacionados à distribuição das bolsas de produtividade em pesquisa, ou bolsas PQ, que são bolsas que premiam pesquisadores por sua excelência em pesquisa. Essas bolsas determinam a distribuição dos recursos financeiros para projetos de pesquisa no país e, portanto, afetam diretamente nosso desempenho enquanto pesquisadores. As bolsas PQ tem vários níveis e a participação das mulheres fica cada vez menor à medida que subimos nesses níveis. Note que sempre temos menos de 39% de participação nessas bolsas. Notem que, olhando apenas para estes dois gráficos, percebemos uma segregação horizontal (entre áreas, mulheres estão concentradas em certas carreiras) e uma segregação vertical, pois temos uma baixa representação feminina nas posições de poder. Podemos encontrar ainda mais exemplos se buscarmos por posições de liderança em grandes grupos de pesquisa. Você já ouviu falar dos INCTs? Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia são responsáveis pela articulação em rede dos principais projetos de pesquisas em áreas de fronteira da ciência. Bem, do total de 126 institutos existentes, 109 são coordenados por homens e apenas 17 por mulheres. Temos atualmente seis INCTs na área de oceanografia/ciências do mar, dos quais cinco são coordenados por homens. Encontrei apenas um INCT com coordenação feminina e maioria de Pesquisadoras (INCT Antártico de Pesquisas Ambientais - INCT-APA). O pior cenário me parece o da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Os próximos dados apresentados foram citados pela física Carolina Brito (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) no debate que mencionei no início deste post. Bem, para se filiar na ABC, o(a) pesquisador(a) é indicado por algum membro da ABC e um comitê decide pela entrada ou não. Este comitê é formado massivamente por homens. O resultado não é nada animador. No próprio site da ABC é possível obter uma lista de quem são seus membros. Olhando pra essa lista, constatei que temos 795 homens para 122 mulheres na ABC. Destes, 15% dos homens não tem bolsa 1A, e  apenas 1% das mulheres não tem bolsa 1A. A interpretação mais rápida, talvez mais rasa também, que podemos fazer desses dados, é que para ser membro da ABC, se você é mulher, é praticamente obrigatório ser pesquisadora nível 1A. Para homens, isso não tem a mesma importância. E infelizmente, essa realidade não tem melhorado nos últimos anos. Afinal de contas em 2008, 20% das universidades tinham mulheres como reitoras, enquanto em 2016, apenas 10% das universidades têm mulheres neste cargo. Como explicar que, apesar de termos 48% de doutoras, temos apenas 23% de mulheres em cargos de professoras em nossas universidades públicas? Em alguns posts do BPCN, você já deve ter lido sobre alguns motivos pelos quais mulheres abandonam a carreira acadêmica mais do que homens (O 'sexo' realmente importa; Quando colocar filhos no cronograma; Após a maternidade, de acadêmica a empresária). E agora mulheres, o que podemos fazer para mudar esse quadro? 1 - Os dados apresentados aqui são muito escassos, precisamos de números, precisamos de mais indicadores! 2 - Precisamos de formação sobre questões de gênero. Na França, recentemente foram criadas disciplinas/cursos para discutir gênero em todos os cursos de graduação. 3 - Precisamos financiar projetos de mulheres, fornecer bolsas, premiá-las. Temos pouquíssimas iniciativas, mas estas surtem efeitos incríveis. Veja o post Encontrando autoconfiança como mulher na ciência para ler o depoimento da Deborah sobre a importância de ser reconhecida em sua área. O que nos leva ao próximo ponto: 4 - Precisamos de modelos: a mulher não se enxerga em posições de poder. Socialmente, somos desestimuladas a seguir carreiras científicas consideradas “difíceis”. Desde muito pequenas somos bombardeadas com clichês da idade da pedra de que temos que cuidar da casa, temos que ser boas esposas, mães, verdadeiras senhoras de nossos lares (leia mais sobre isso aqui). Temos que dar oportunidades para que nós mulheres possamos nos sentir capazes de nos apaixonar pela ciência. A Fundação L’Oreal realizou recentemente uma pesquisa de opinião que demonstrou a visão dos europeus em relação à atuação da mulher nas ciências. Cinco mil pessoas foram ouvidas (entre homens e mulheres) e o resultado é: 67% disse que a mulher não está qualificada para ocupar postos de alta responsabilidade; O principal motivo: porque “as mulheres sofreriam de falta de perseverança, falta de espírito prático, rigor científico, espírito racional e analítico”. Depois de tudo isso, só tenho a dizer: Mãos à obra! No VII Congresso Brasileiro de Oceanografia tivemos uma mesa redonda sobre o assunto, com sala lotada e com muita participação e engajamento da plateia. Apesar de ter sido uma excelente experiência, não chegamos perto de esgotar o assunto. Então quero convidá-los para continuar a discussão. Vamos discutir gênero nos espaços que ocupamos, semeiem essa ideia! Organizem uma roda de conversa no seu ambiente de estudo ou trabalho e compartilhem com a gente essa experiência. Sites Consultados: http://cnpq.br/estatisticas1 http://memoria.cnpq.br/estatisticas/bolsas/sexo.htm http://inct.cnpq.br/institutos/ #mulheresnaciência #poderfeminino #caiacolla #catarinarmarcolin

  • Divisões Oceanográficas

    Por Gabrielle Souza Os oceanos podem ser subdivididos de acordo com diferentes critérios. Sob o ponto de vista ecológico, os cientistas dividem os oceanos em duas zonas: pelágica e bentônica.  Pelágico se refere a tudo que se encontra na coluna d'água, abrangendo desde a superfície até áreas próximas ao fundo. Já o ambiente bentônico corresponde ao fundo dos oceanos e abrange costas, áreas litorâneas e recifes de corais. Também dividimos os oceanos de acordo com a distância da costa e a profundidade. Assim temos as regiões neríticas, que estão sobre a plataforma continental, e as regiões oceânicas que estão além da plataforma continental. A região nerítica varia com o nível do mar e tem uma profundidade média de 200 metros. Nesta encontramos a maior diversidade de vida marinha, por ser uma região onde penetra mais luz. Divisões básicas das zonas oceânicas sob o ponto de vista ecológico. Adaptado Se considerarmos a variação na incidência da radiação solar de acordo com a profundidade, ou seja, a proporção de radiação luminosa capaz de penetrar na coluna de água, podemos dividir os oceanos em: 1) zona fótica, onde existe luz suficiente para a fotossíntese, atingindo entre os 100 e 200 metros de profundidade; 2) zona disfótica conhecida também como zona do crepúsculo, onde apenas 5% da luz solar penetra e essa luz é fraca para a fotossíntese e 3) zona afótica, onde não penetra luz.  Essa distribuição da radiação luminosa afeta diretamente os tipos de organismos que vivem nestes ambientes. Podemos dividir o ambiente bentônico de acordo com a variação de maré e a morfologia do fundo: Supralitoral, Litoral, Sublitoral, batial, abissal, hadal; e o ambiente pelágico quanto a profundidade do oceano: Epipelágica (0 – 200m), Mesopelágica (200 – 1000m), Batipelágica (1000 – 4000m), Abissopelágica (4000 – 6000m), Hadopelágica (> 6000m). Divisão básica das zonas oceânicas sob o ponto de vista morfológico. Adaptado Os organismos que habitam os oceanos também são classificados de acordo com cada ambiente, bem como por sua mobilidade, tamanho e modo de alimentação. Nos ambientes bentônicos vivem plantas e animais associados ao fundo do mar, como por exemplo as cracas, esponjas e estrelas-do-mar. Já o ambiente pelágico compreende o plâncton, que são organismos com locomoção limitada, que não conseguem vencer as correntes marinhas, e o nécton, que compreende os organismos com maior capacidade de locomoção, como peixes, baleias e golfinhos. Referências: LALLI, Carol M.; PARSONS, Timothy R.. BIOLOGICAL OCEANOGRAPHY: AN INTRODUCTION. 2. ed. Vancouver, Canadá: Elsevier Butterworth-heinemann, 1997. 307 p. Sites consultados: TREE OF LIFE Web Project: Explore the Tree of Life. 1995-2005. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2016. Como o Ouriço-do-mar pode contribuir com o sequestro de carbono. Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2016. As baleias que se comunicam em código. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2016. MEIRINHO, Patrícia do Amaral. Ecologia do zooplâncton. PPG Ecologia, Depto. de Ecologia, IB, USP, São Paulo, SP, Brasil. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2016. Introduction to Oceanography: Classifying by Availability of Light. 1999-2007. Indiana University. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2016. Posts relacionados: A fertilização dos oceanos e as mudanças climáticas #divisõesoceanográficas #gabriellesouza #descomplicando

  • Nem todo coral quer sol e água quente!

    Por Ágata Piffer, Beatriz Mattiuzzo e Samara Oliveira Pense em corais e qual imagem lhe vem à cabeça? Aposto que a de  corais de água quentes, claras e rasas, como os da Grande Barreira de Coral australiana. Pois saiba que nem todos os corais são assim! Corais são comumente associados com ambientes tropicais e rasos, porém outro tipo desses organismos também está presente em nossos oceanos: os corais de águas frias ou corais de águas profundas. Sabe-se da existência de corais frios desde o século XVIII, contudo foi somente nas últimas décadas, com o aumento da exploração de águas profundas e melhores condições para a pesquisa, especialmente através de submersíveis e técnicas acústicas, que se teve noção da abundância e distribuição destes corais. O nome destes animais refere-se ao ambiente em que são encontrados, caracterizados por temperaturas da água entre 4° e 12°C e profundidades desde 50 metros, em altas latitudes, até cerca de 4000 metros, próximo aos trópicos. Logo, os corais de águas frias são cnidários azooxantelados, isto é, não possuem as algas que tipicamente fazem simbiose com os corais em águas rasas e tropicais. São essas algas, chamadas de zooxantelas, que possibilitam que os corais quentes realizem fotossíntese.  Como a fotossíntese é impossível nas condições de baixa luz e temperatura no mar profundo, os corais frios não se associam com as zooxantelas. A estratégia destes animais é se alimentar como filtradores, se aproveitando da matéria orgânica suspensa na água marinha (bactérias, protozoários, zoo e fitoplâncton). Os corais de águas profundas podem ser subdivididos em quatros categorias: 1) corais duros ou Scleratinia, que formam recifes; 2) corais moles ou Octocorallia, que não tem esqueleto de carbonato para formar recifes; 3) corais negros, exclusivos de águas profundas, e 4) hidrocorais, que alternam entre uma fase de pólipo, estrutura fixa, com uma fase de medusa, como uma água viva. Ainda não é possível fazer estimativas significativas da biodiversidade associada a estes organismos, mas alguns estudos no Atlântico Nordeste apontam para mais de 1300 espécies entre corais frios e outros animais associados a esses ambientes (no Brasil foram registradas até o momento 56 espécies de corais frios, sendo Lophelia pertusa e Solenosmilia variabilis as mais abundantes). Esse número seria comparável a diversidade dos recifes tropicais. A grande diferença é que somente cerca de 10 espécies de corais profundos formam estruturas permanentes, os chamados recifes verdadeiros, que permanecem mesmo após a morte dos organismos, enquanto em águas quentes há mais de 800 espécies deste tipo. Distribuição, Desenvolvimento e Endemismo Os corais de águas profundas estão restritos a águas oceânicas e relativamente frias, contudo ainda não se tem uma visão completa de sua distribuição global, que depende muito dos esforços de pesquisa realizados nas diferentes regiões do planeta. Ou seja, o baixíssimo registro em grandes áreas da África e América do Sul não necessariamente reflete de fato a ausência destes organismos em tais locais, mas sim os poucos esforços de pesquisa. Apesar da aparente distribuição mundial desigual, novas descobertas são constantes, e hoje acredita-se que até poucos anos atrás os cientistas subestimavam a dimensão dos recifes frios. Com os avanços nas pesquisas, já foi possível notar alguns padrões na distribuição destes organismos. A distribuição dos corais Scleractinia (corais duros) depende principalmente da química do carbonato na água, sendo que para que existam devem estar acima do horizonte de saturação da aragonita (ASH – Aragonite saturation horizon, que determina a profundidade máxima em que podemos encontrar este carbonato antes deste dissolver na água). Isto ajuda a explicar a abundância de registros no Atlântico Nordeste, na figura 2a, onde o ASH estimado seria 92000 metros de profundidade, ou seja, inclui toda a coluna de água. Explica também a ausência de recifes em áreas polares e no Pacífico Norte, onde o ASH é raso, entre 50 e 600 metros de profundidade, logo a fauna é dominada por corais moles como mostrado na figura 2b. Além de dependerem da presença de aragonita, os corais frios também estão associados à produção primária superficial, isto é, a produção de matéria orgânica e seu transporte para águas profundas, pois uma produção alta na superfície significa disponibilidade de alimento para estes organismos no fundo. Assim, os corais frios estão presentes em locais com correntes de fundo rápidas, ou em áreas distantes da costa em que ondas e marés levam a um aumento da chegada de alimento para estes organismos. Também são encontrados ao redor de montes submarinos, onde a dinâmica de correntes aprisiona águas enriquecidas em nutrientes sobre os bancos, favorecendo o desenvolvimento de corais profundos. É o que ocorre, por exemplo, nos Bancos Porcupine e nos Montes Darwin, no Atlântico Nordeste, onde já se registrou matéria orgânica de fácil assimilação, como lipídios e ácidos polisaturados em até quase mil metros de profundidade. A aparente dependência de padrões de circulação localizados, como em montes submarinos, tende a limitar a capacidade de dispersão e favorecer com que muitos corais de águas frias sejam espécies exclusivas de uma determinada área,  o que os cientistas chamam de endemismo. Por exemplo, um estudo recente no Pacífico Sudoeste resultou em 34% das espécies observadas como novas e potencialmente endêmicas. Assim como os recifes de corais tropicais, os recifes profundos se desenvolvem após um assentamento inicial das larvas sobre um substrato duro. Com o crescimento da estrutura, outros organismos são atraídos pelo potencial habitat e o recife vai crescendo conforme novos pólipos se estabelecem sobre ele, usando o esqueleto das porções mais antigas, o que faz estas estruturas durarem muito tempo. Porém, pouco se sabe sobre a reprodução dos corais de águas frias. Algumas teorias defendem que fluxos sazonais de alimento, ligado às florações sazonais do fitoplâncton na superfície, influenciariam o transporte de carbono e forneceriam as condições periódicas ideais para a reprodução dos corais frios. Contudo, ainda é preciso realizar muitas pesquisas nesse campo, e nesse sentido estudos em andamento com marcadores moleculares parecem promissores. Ameaças Ainda há muito a se estudar sobre os corais de águas frias para ser possível determinar o que de fato pode ameaçar estes organismos. Até o momento, temos ciência de três principais ameaças: redes de arrasto de fundo, exploração de óleo ou gás e acidificação dos oceanos. Sua alta vulnerabilidade deve-se ao seu modo de vida, de modo que todos os corais de água fria são extremamente frágeis e vulneráveis a perturbações físicas. Como estão atrelados a uma fauna e flora de alto valor econômico, eles não podem escapar de arrasto pesado ou de correntes marítimas cheias de poluentes ou de sedimentos que podem ser depositados, ocasionando o entupimento dos pólipos. Há evidências de grandes impactos em corais frios através de atividades de pesca de arrasto, especialmente em altas latitudes, onde estes corais não estão tão profundos. Idealmente, até que se tenha melhor dimensão dos impactos, deve-se adotar o princípio da precaução e limitar a pesca em tais regiões. Afinal, no mundo todo a pesca de arrasto se mostra um fator de grande destruição de habitats, e quando voltada para  peixes de águas profundas pode ser ainda mais danosa. A maior ameaça potencial aos recifes de águas profundas, contudo, é a mesma para os recifes tropicais: a acidificação dos oceanos. Apesar de ainda não terem sido feitos estudos voltados exclusivamente aos corais de águas frias, sabe-se que o limite de saturação do carbonato para águas mais profundas mudaria em até centenas de metros, gerando uma enorme perda de habitat para estes organismos. Ilustração: Joana Ho. Por fim, há necessidade de se aumentar rapidamente as pesquisas em corais frios, especialmente no Hemisfério Sul. Apesar das condições para tais estudos serem caras e desfavoráveis, a potencial importância destes habitats está cada vez mais clara no âmbito biológico, químico e geológico, reforçando a necessidade do rápido levantamento de mais informações precisas. Referências Bibliográficas: Appeltans W, Bouchet P, Boxshall G. A, Fauchald K, Gordon D. P, et al., editors. (2011) World Register of Marine Species. Disponível em: http://www.marinespecies.org. Acesso em 29 de maio de 2016. Cairns, S.D., 2011. Global diversity of the Stylasteridae (Cnidaria: Hydrozoa: Athecatae). PloS one, 6(7), p.e21670. Freiwald, André, and J. Murray Roberts, eds. Cold-water corals and ecosystems. Springer Science & Business Media, 2006. Freiwald, A.; Fosså, J. H.; Grehan, A.; Koslow, T.; Roberts, M.; Arrecifes de coral de agua fría - Fuera de la vista – pero ya no de la mente. Serie de Biodiversidad del Centro. Centro Mundial de Monitoreo de la Conservación del PNUMA. Reino Unido. 2004 NOAA Deep-sea Coral Data – World Map. Disponível em: https:/deepseacoraldata.noaa.gov/ website/AGSViewers/DeepSeaCorals/mapSites.htm. Acesso em: 28 de maio de 2016. Roberts, J.M., Wheeler, A.J. and Freiwald, A., 2006. Reefs of the deep: the biology and geology of cold-water coral ecosystems. Science, 312(5773), pp.543-547. Roberts, J.M., 2009. Cold-water corals: the biology and geology of deep-sea coral habitats. Cambridge University Press. Rogers, A.D., 2004. The biology, ecology and vulnerability of deep-water coral reefs. IUCN. Turley, C.M., Roberts, J.M. and Guinotte, J.M., 2007. Corals in deep-water: will the unseen hand of ocean acidification destroy cold-water ecosystems?.Coral reefs, 26(3), pp.445-448. Roberts, J.M., Wicks, L. L. Lophelia.org. Disponível em http://www.lophelia.org/. Acesso em: 29 de maio de 2016. Mortensen, P. B. and Buhl-Mortensen, L. (2004). Distribution of deep-water gorgonian corals in relation to benthic habitat features in the Northeast Channel (Atlantic Canada). Marine Biology, 144, 1223–1238. WWF. (2004) Cold Water Corals Fragile havens in the Deep. WWF- World Wide Fund for Nature. pp 1-12 Sobre as autoras: Beatriz Mattiuzzo, 22 anos, estudante de oceanografia desde 2013 e apaixonada pelo oceano desde sempre. Sou aventureira, mas com certeza minha maior Aventura  começou ao entrar no Instituto Oceanográfico da USP.  Atualmente, estudo cetáceos marinhos, com enfoque em bioacústica. Samara da Cunha Oliveira, 22 anos, faço graduação no Instituto Oceanográfico. Minha preocupação com o meio ambiente veio desde que aprendi o ciclo do carbono na escola, assim encontrei o curso de Oceanografia e me encantei. Estou iniciando meus estudos no assunto de percepção ambiental. Ágata Piffer Braga, 23 anos, estudante de oceanografia desde 2012 no Instituto oceanográfico da USP.  Minha grande paixão é a oceanografia física. Estou desenvolvendo meu trabalho de graduação no Laboratório de Dinâmica Oceânica, onde através de uma nova climatologia  procuro representar a Bifurcação de Santos (Circulação “profunda” da costa). #convidados #corais #joanaho #oceanoprofundo #ciênciasdomar #ÁgataPiffer #BeatrizMattiuzzo #SamaraOliveira

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