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- Doutorado no exterior em tempos de pandemia
Por MARina T. Botana Ilustração de Alexya Queiroz Desde muito nova o desejo de estudar e explorar os oceanos transborda pelas minhas veias. Isso talvez seja por influência dos meus pais, ou pelo motivo que mais tarde me disseram “Está no seu nome. Já estava escrito…”. Seja pelo que for, sinto que essa vontade é tão latente, porque, de alguma forma, ela está alinhada com o meu propósito de vida. Sempre, independente das dificuldades e dos tropeços pelo caminho, tudo achou um jeito de dar certo para que eu pudesse construir uma carreira de pesquisadora do oceano. Quando fui aprovada para fazer o doutorado na Nova Zelândia em março de 2020, uma semana antes do primeiro lockdown da pandemia, eu mal imaginava que águas adversas estariam por vir. Afinal, ser escolhida para integrar um projeto lindo em um dos laboratórios mais reconhecidos na minha linha de pesquisa já não tinha sido difícil o suficiente, agora chegar até a Nova Zelândia para iniciar o projeto seria uma aventura ainda mais árdua. Logo após conseguir a vaga já enviei todos os documentos necessários para o visto (felizmente, tanto para Austrália como para a Nova Zelândia as solicitações são todas feitas online), pois, segundo acordado com meu novo supervisor, eu deveria iniciar o projeto antes de agosto daquele mesmo ano. Foi aí que, na semana seguinte, o mundo todo virou de cabeça para baixo. Lockdown em diferentes lugares e a fronteira da Nova Zelândia fechada para estrangeiros por tempo indeterminado. Chegou agosto e lá estava eu ainda “presa” no Brasil. Sem emprego na minha área, com uma série de indefinições e inseguranças que, por algum tempo, foram até mais latentes do que a minha paixão e certeza de construir uma carreira acadêmica. Comecei a dar aulas de inglês, fazer comida para vender, tudo o que aparecesse. E continuei fazendo parte do Bate-Papo com Netuno também, é claro. Já que eu ainda não poderia gerar novos conhecimentos, ao menos poderia auxiliar no processo de comunicação das ciências marinhas. Parte da minha motivação para não desistir da academia devo ao meu querido mentor, o prof. Ray Valentine da Universidade de Davis na Califórnia, que fez questão de me dar várias tarefas de criação de conteúdo para o site da sua nova empresa de biotecnologia, BST, Inc. A realidade que eu pensei que duraria pouco acabou se estendendo por muitos longos meses. O mundo parou. Uma crise sanitária e econômica virou realidade. Por conta dela, muitos outros além de mim foram impedidos de sair do país. Enquanto alguns eram impedidos de ir realizar seus sonhos, outros eram levados pela COVID em poucos dias ou semanas. Eu não podia ir, mas estava ali, com saúde e cheia de pessoas queridas à minha volta. Ao invés de me lamentar, percebi que deveria agradecer pelo “hoje” e confiar para entregar o futuro ao futuro. Hoje entendo que eu não poderia mesmo ter saído naquele momento. Ainda tinha coisas para finalizar e aprender ali que iam muito além da minha vida profissional. Antes de ser cientista, a gente é ser humano e nunca pode deixar de ouvir este lado humano, pois ele é o que traz sentido a todos os outros âmbitos da nossa vida. Apesar de tudo, felizmente o meu supervisor não desistiu de mim. No final de 2020 ele conseguiu um requerimento de visto emergencial para que eu pudesse entrar na Nova Zelândia. Pouco tempo depois saiu a liberação, porém eu só poderia ir em julho, já que seria obrigada a fazer quarentena em um local determinado pelo governo e lá só havia disponibilidade para a segunda quinzena de julho. Em meados de abril consegui comprar a passagem aérea e, não obstante, acabei tendo mais uma surpresa: mesmo com o visto emergencial as fronteiras da Nova Zelândia estavam fechadas para pessoas vindas do Brasil, por conta das novas variantes da COVID e do grande número de pessoas infectadas. Naquele momento o meu mundo desabou. E agora? Mandei mensagens para amigos na Europa e Estados Unidos perguntando se poderiam me acolher para uma quarentena de 15 dias, já que bancar esse período no exterior em um hotel estava completamente fora do meu orçamento possível e planejado. O maior problema era que os brasileiros estavam proibidos de entrar em quase todos os países. Os poucos países sem restrições eram o México, Dubai, Egito e Costa Rica. Neles eu não conhecia ninguém. Não tinha escolha, a não ser continuar procurando uma alternativa sem perder a esperança. Às vezes, a única coisa que podemos fazer é confiar no destino e deixar a vida fazer dar certo. Uma amiga portuguesa muito querida que eu conheci pedalando foi a minha luz diante das incertezas. Ela me ofereceu um trabalho temporário em Portugal. Ainda que os brasileiros estivessem com entrada proibida na União Europeia, trabalhos e negócios eram considerados motivos essenciais. Além do trabalho, a Teresa me ofereceu casa, comida, amigos, uma família e amor. No fim, aquilo que era um problema se transformou em mais uma oportunidade para conhecer um lugar novo, ensinar e aprender. Foram dias incríveis e um gesto tão bonito que eu jamais irei esquecer. Uma das praias na região de Ericeira em Portugal, onde encontrei um trabalho temporário e consegui fazer a quarentena após sair do Brasil antes de entrar na Nova Zelândia. (Foto: MARina com licença CC SA 4.0). Com o coração transbordando de alegria e gratidão, finalmente, depois de 18 meses de espera, cheguei na Nova Zelândia. Passei 14 dias dentro de um quarto de hotel em quarentena com direito a 30 minutos de sol por dia, os quais ainda eram supervisionados por dois militares. Fiz muitos testes de COVID e, finalmente, me liberaram para começar o doutorado. Naquele momento eu pensei, “estou livre!”, talvez mais do que livre, agora sim, “estou pronta!”. O frio na barriga só não era maior do que a minha fascinação de estar em um país tão diferente, cheio de pessoas novas e iniciar um projeto de pesquisa tão esperado. E, ainda, num país onde a COVID foi erradicada! Amadurecer, explorar, crescer... Uma das minhas vistas preferidas da cidade de Wellington, NZ.(Foto: MARina com licença CC SA 4.0). Dois dias após a minha libertação, já fui para a universidade. Meu supervisor, o pesquisador Simon Davy parecia estar tão animado quanto eu para finalmente me conhecer “ao vivo e em cores”. Eu sou a primeira brasileira a trabalhar no laboratório dele e, pelo que pude perceber, a única dentro da escola de ciências biológicas da Victoria University of Wellington. Diferente de outros lugares onde já trabalhei, aqui as ciências biológicas ficam todas em um único prédio e todos os alunos de doutorado de diferentes campi compartilham um mesmo andar. Biólogos marinhos, botânicos, farmacêuticos e bioquímicos, todos em um ambiente compartilhado, assim como os laboratórios onde acontecem os experimentos e a parte prática das análises. Achei a organização bastante interessante para promover integração e diversidade, porém as pessoas são um pouco mais frias, ainda que bastante solícitas e educadas. Entrada principal da Victoria University of Wellington (VUW). O campus principal da universidade fica no topo de uma montanha e cada área fica em um prédio diferente.(Foto: MARina com licença CC SA 4.0). Dois dos organismos modelo para estudar a simbiose entre dinoflagelados e cnidários, que vou utilizar no meu projeto de doutorado. A esquerda a anêmona conhecida como Aiptasia que é facilmente cultivada em tanques e a direita o coral da espécie Acropora tenuis em Okinawa no Japão, onde farei a validação dos dados experimentais também no campo. (Foto: Simon Davy lab group com licença CC SA 4.0). Escrevi esse texto para partilhar a minha história e tentar trazer um pouco de esperança para aqueles que ainda estão aguardando para realizar os seus sonhos. A COVID veio para estarrecer o fato de que na verdade a gente tem é bem pouco, ou quase nenhum controle do mundo à nossa volta. Não precisamos pirar por conta disso, melhor respirar fundo e buscar desvendar aqui qual o nosso verdadeiro propósito e deixar ele nos guiar até a próxima aventura, ainda que ela não aconteça imediatamente. Não existe “perder tempo”, essa ideia de cobrança de produtividade é só uma falácia colocada pela sociedade nas nossas mentes para nos adequarmos a um sistema que se mostra cada vez mais doente e ineficiente. Hoje sou grata por todas as outras coisas que realizei enquanto aguardava. Me reinventei milhares de vezes, conheci pessoas novas, aprendi novos esportes e pude ficar mais tempo ao lado daqueles que tanto amo. Ganhei amor, cumplicidade, compaixão, estrutura e resiliência. Mal posso esperar para escrever os próximos capítulos desta história. Por enquanto, me basta viver o hoje. Aqui e agora. #VidaDeCientista #MARinaTBotana #PhdNoExterior #Covid19 #NovaZelandia #VictoriaUniversityOfWellington #Resiliência #Doutorado #BiologiaMarinha
- A saúde dos corais brasileiros
Por MARina Ilustração: Joana Ho Obs: para a confecção dessa arte foi utilizada uma espécie de coral que não ocorre no Brasil. Quando pensamos em recifes de coral, a primeira imagem que nos vêm geralmente é a de um recife todo colorido e águas extremamente cristalinas. Embora seja uma imagem clássica, isso é uma realidade parcialmente restrita às águas do Caribe ou às ilhas do Oceano Pacífico. O Brasil, com seus mais de 8 mil km de linha de costa, também apresenta grande diversidade de corais, ainda que eles não estejam em águas peculiarmente caribenhas. O Nordeste é, sem dúvida, a região mais rica, conhecida e turisticamente explorada no quesito recifes de coral, devido à latitude e a outras características geomorfológicas que atribuem condições mais favoráveis para o desenvolvimento desse ecossistema. Porém, os corais estão presentes em quase todas as regiões costeiras do nosso litoral, se estendendo até as águas de Santa Catarina (apesar de lá não formarem recifes)! Infelizmente, poucas pessoas sabem disso e sabem, ainda menos, o quão importantes os corais são para garantir a saúde das outras espécies e de todo o ecossistema. É impossível preservar o que não se conhece. E para conhecer precisamos caracterizar, monitorar e comunicar sobre estes frágeis e tão importantes organismos. Fotos: Algumas das espécies de corais encontradas no Brasil. (Mussismilia hispida - endêmica; Porites sp. e Siderastrea stellata). Fotos por MARina T. Botana com licença CC BY-SA 4.0. Os corais sempre foram meu objeto de estudo e tenho fascinação pelas espécies encontradas no Brasil, principalmente as endêmicas, isto é, as que ocorrem somente aqui. Um trabalho recente feito por pesquisadores brasileiros revelou diversas características que tornam os nossos corais menos suscetíveis ao aquecimento global, que vem causando o aumento da temperatura do oceano nas últimas décadas e de forma ainda mais aguda nos últimos anos. Para explicar como o aumento da temperatura da água do mar afeta os corais, podemos fazer uma analogia com o que acontece com nós humanos quando estamos com febre. A temperatura do corpo sobe e isso prejudica diferentes funções fisiológicas, causando problemas à nossa saúde (a famosa febre). Com os corais acontece o equivalente, só que não existe a possibilidade de abaixar a temperatura com um antitérmico ou remédio, então eles ficam o tempo todo “com febre”. Aos poucos, a sobrevivência e o crescimento dos corais vão sendo afetados, eles perdem a coloração e podem até morrer. Esse processo é conhecido como branqueamento de corais e foi tema de um post publicado aqui no final do ano de 2020. Apesar de termos diversas evidências de que os nossos corais são mais resistentes às alterações climáticas, o que sabemos sobre eles ainda é muito pouco, se comparado com o que se sabe sobre os recifes de corais de outras regiões do mundo. Buscando criar um banco de dados integrado e aprimorar os estudos já existentes, diferentes grupos de pesquisa do Brasil, incluindo o Instituto Oceanográfico da USP, do qual faço parte, estão atuando na caracterização e monitoramento do branqueamento dos corais em diferentes regiões da nossa costa: Atol das Rocas, Fernando de Noronha, Rio Grande do Norte, Porto de Galinhas, Coroa Grande, Alagoas, Bahia, Abrolhos, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Arquipélago dos Alcatrazes, Ubatuba e Santa Catarina, todos em parceria com o Instituto Coral Vivo. Foto: Colônias de Mussismilia hispida (Ubatuba, SP) em Dezembro de 2020. A escala de cor na parte de baixo do quadrado também é um indicador do estado de saúde dos corais. Para esta espécie, quanto mais próximo do amarelo escuro/bege, mais saudável. - foto por MARina T. Botana com licença CC BY-SA 4.0. Foto: Colônia de Mussismilia hispida branqueada (Ubatuba, SP) em Fevereiro de 2020. Foto por MARina T. Botana com licença CC BY-SA 4.0. Como já mencionado, o branqueamento dos corais está associado principalmente ao aumento da temperatura da água do mar. Então, para melhor compreender o processo e a variação da saúde dos corais, o monitoramento das colônias nas distintas regiões precisa ser feito ao longo do tempo. Idealmente, em três momentos: antes do pico de maior temperatura (pré-branqueamento); durante o pico de maior temperatura (quando os maiores índices de branqueamento são esperados) e após aumento de temperatura entre outono/inverno (pós-branqueamento). Recuperação e mortalidade após branqueamento são os principais indicadores da dinâmica de resiliência e saúde dos corais e do quanto eles estão sendo impactados pelas variações de temperatura. Além disso, estas regiões devem ser monitoradas ao longo dos anos para que também possamos compreender a dinâmica de resposta das diferentes espécies presentes nos diferentes pontos. Outros estressores como turismo descontrolado, sobrepesca e eutrofização/poluição também atuam de forma local e não podem ser desprezados. Ao gerar este banco de dados podemos criar modelos de distribuição e resposta para prever como os corais irão responder às mudanças climáticas previstas nos próximos anos, além de revelar possíveis regiões e espécies menos suscetíveis ao aumento da temperatura e desenhar melhores planos de manejo e conservação. Outros programas de monitoramento regionais já acontecem há alguns anos no Brasil. Porém, em escala nacional, ainda estamos engatinhando e este programa de agora, o qual só teve início no verão de 2020, será o primeiro a envolver pontos diversos em diferentes localidades. Nossa costa apresenta corais desde o extremo nordeste até o sudeste. Dá pra imaginar as dificuldades e complexidades de execução deste programa de forma integrada ? Desde o ano passado, ainda enfrentamos a pandemia da COVID-19 que prejudica a organização logística das viagens de campo nos diferentes pontos. Apesar de todos os pesares, estamos executando o monitoramento sempre que possível. Já vimos, por exemplo, que algumas regiões do Nordeste estão apresentando maiores índices de branqueamento e mortalidade em relação ao Sudeste brasileiro. Temos que lembrar que nestas localidades também tivemos um grave acidente de derramamento de óleo que ocorreu no início de 2019. Das espécies monitoradas, Mussismilia braziliensis, Mussismilia harttii e Millepora alcicornis têm se mostrado como as mais susceptíveis ao branqueamento. Em alguns locais específicos, como em Abrolhos, por exemplo, ainda vemos o enriquecimento de ferro na água do mar devido ao descarte inapropriado de dejetos da empresa Samarco… Desta forma, infelizmente, juntando tantos estressores que se agravam ainda mais com o aumento da temperatura, é improvável esperarmos que o ambiente seja saudável. Ao executar o monitoramento dos corais ao longo do tempo e ainda em uma escala espacial bem grande, teremos mais dados concretos para dizer com mais propriedade o que está de fato acontecendo com estes organismos. Poderemos integrar estes dados observacionais com outros dados de variação de correntes costeiras e oceânicas, temperatura, aporte de nutrientes e outros para melhor compreender os processos oceanográficos e não somente registrar um evento biológico. Seria ilusão pensar que poderemos salvar todos os corais, porém, ainda que algumas áreas sejam irreversivelmente prejudicadas, ao entender esta dinâmica de processos, estressores e impactos ambientais através dos estudos científicos poderemos impedir que outras áreas sejam igualmente devastadas. Ao comunicar sobre este estudo e projeto, podemos engajar mais pessoas na preservação dos recifes de coral do Brasil e do mundo inteiro. Ensinar, aprender, dividir, monitorar, preservar. Afinal, só cuidamos daquilo que amamos e só amamos aquilo que temos a chance de conhecer! #CiênciasDoMar #MarinaTBotana #RecifesDeCoral #Corais #Monitoramento #Branqueamento #MergulhoCientífico #MudançasClimáticas
- Plástico e COVID-19: resultados de uma crise gerada por excessos
Por MARina T. Botana Historicamente observamos que as grandes crises da humanidade foram comumente geradas por escassez (falta de água, falta de comida, falta de recursos energéticos). Porém, hoje em pleno ano 2020, presenciamos uma crise provocada por excessos e pela disparidade da relação do ser humano com os seus semelhantes na vida em sociedade e também com a natureza. Excesso de exploração de recursos, excesso de consumo, excesso de lixo, excesso de poluição e egoísmo... Ilustração por Yonara Garcia. A pandemia da COVID-19 pegou todo mundo de surpresa. Do dia para a noite os cuidados com higiene e limpeza tiveram que ser redobrados. O uso de produtos descartáveis, em sua grande maioria feitos de plástico, como máscaras e luvas cresceu. Imensuráveis foram os investimentos feitos no início da cadeia produtiva destes insumos, afinal as novas necessidades eram urgências sanitárias e humanitárias. Sabemos da importância desses produtos na contenção do coronavírus, porém, nada se fez para melhorar a destinação final de todo esse novo lixo produzido. Infelizmente, não só no Brasil, mas também em outros lugares do mundo observamos a ausência ou extrema ineficiência nas políticas públicas de manejo e descarte de resíduos sólidos comuns e hospitalares. Este problema assombra o oceano já há muitas décadas, pois o destino final da maioria do nosso lixo, seja de maneira direta ou indireta, acaba sendo o mar. Os equipamentos de proteção individual (EPIs) descartados nos últimos meses estão obedecendo a regra: praias, baías, recifes, todos cada vez mais repletos de máscaras, luvas e outros objetos descartáveis, tudo feito de plástico. Luva e máscara encontradas no litoral de Santa Catarina, Brasil. (Foto por Gerson Fernandino com licença CC-AS-BY 4.0.). A diminuição na demanda por óleo e gás durante a pandemia reduziu as taxas de reciclagem globais e, a produção de novos plásticos ficou ainda mais barata do que comprar os produtos reciclados. As próprias empresas de óleo e gás divulgaram uma nota dizendo que a produção de plásticos poderia ser a salvação para manter os lucros e compensar as perdas geradas pela diminuição da demanda de combustíveis (Fonte: OilPrice.com). Um estudo lançado em junho deste ano estimou que desde março 129 bilhões de máscaras e 65 bilhões de luvas estejam sendo descartadas no oceano todos os meses. Quando pensamos nas quantidades totais de plástico então, este número é ainda mais absurdo: 8 milhões de toneladas por dia, o equivalente a despejar um caminhão cheio de lixo por minuto, todos os dias! Dá pra imaginar? Em Singapura, desde o início da pandemia 1.400 toneladas de plástico adicionais provenientes somente das entregas de comida por delivery são despejadas nos oceanos todas as semanas. Esta quantidade absurda de lixo foi produzida pelos seus 5.7 milhões de residentes. No Brasil, essas informações sequer foram estimadas. Se fizermos uma estimativa proporcional à quantidade de pessoas considerando que os hábitos de consumo nas grandes metrópoles tendem a ser semelhantes, só em São Paulo com 44 milhões de habitantes podemos estar produzindo por volta de 11 mil toneladas extras de lixo plástico todas as semanas! A falta de políticas públicas de monitoramento dificulta o levantamento dos dados. Pouco podemos falar sobre aquilo que não sabemos. Como podemos convencer os outros a preservar o que não se conhece? Felizmente, instituições não governamentais têm feito a divulgação do que vem acontecendo no litoral do sudeste nos últimos meses. O Instituto Mar Urbano, que faz o monitoramento da baía de Guanabara no Rio de Janeiro revelou imagens impactantes mostrando quantidades absurda de EPIs flutuando na baía. Em São Paulo, o Instituto Argonauta encontrou um pinguim de Magalhães morto com uma máscara N-95 em seu estômago e ressaltou que a morte do animal foi atrelada à ingestão acidental do EPI. Outra preocupação sobre a interação de máscaras e organismos marinhos e costeiros é o perigo de emaranhamento. Como mostrado pela ONG Australian Seabird Rescue, a simples ação de cortar as tiras das máscaras antes de descartá-las pode evitar mortes. “Máscaras ao Mar” produzido pelo Instituto Mar Urbano Necrópsia feita pelo Instituto Argonauta do corpo de um pinguim de Magalhães encontrado no litoral paulista. Na imagem inferior vemos uma máscara N-95 no estômago do pinguim. A ingestão acidental levou a morte do animal (Fonte: Comunicação Instituto Argonauta com licença CC-AS-BY 4.0.). Triste acreditar que em um país com imensurável biodiversidade como o nosso, com mais de 8 mil quilômetros de linha de costa, quase não tenha programas de monitoramento de lixo no mar e nas praias e que também não tenha ainda políticas efetivas em prática sobre o descarte de resíduos sólidos. Pior ainda é achar normal que esta responsabilidade seja transferida para a sociedade civil. Toda a verba de orçamento do Ministério Meio Ambiente (MMA) representa somente 0.06% dos gastos públicos no Brasil. Neste ano, já estamos em novembro e somente 55% do orçamento aprovado para o ano inteiro foi gasto (Fonte: http://www.portaltransparencia.gov.br/). Quando chamados de negligentes, os representantes alegam “não ter verba” para a implementação dos programas de monitoramento. A escassez de verba é uma realidade, agora a negligência de não utilizar o que já está aprovado é puro sinal de distopia, ou seja, de autoritarismo camuflado. Tudo isso inviabiliza a criação de soluções para os problemas reais que enfrentamos agora e que serão ainda piores para as gerações futuras. Problemas alarmantes para a realidade brasileira, mas que também estão impregnados em todo o mundo por conta do modelo de desenvolvimento. Se é que podemos mesmo chamar tudo isso de desenvolvimento, uma vez que os principais pilares de sustentação são o crescimento econômico, consumo e enriquecimento em detrimento de qualidade de vida, saúde do meio ambiente e repartição de recursos. “Um sistema em que o eixo de motivação se limita ao lucro, sem precisar se envolver nos impactos ambientais e sociais, fica preso na sua própria lógica. Tudo tem a ganhar com a extração máxima de recursos naturais e externalização de custos”, já dizia o economista Ladislau Dowbor. As crises ambiental e sanitária causadas pela COVID-19 são primeiramente, uma crise do próprio modelo de excessos. A roda de produção e consumo precisa girar a qualquer custo obedecendo ao ciclo de reprodução do capital, independente dos impactos ambientais e desigualdades sociais agravadas por este processo. Neste sistema, “quanto mais, melhor”. Dito isso, eu me pergunto até que ponto a implementação de programas de monitoramento e descarte de lixo plástico, ainda que globais, seriam realmente efetivos dentro dessa diretriz de excessos e de consumo desenfreado. Esta e quaisquer outras revoluções ambientais e sociais precisam vir acompanhadas da quebra na lógica dessas distopias enraizadas no sistema. Pouco adianta pensar em políticas de sustentabilidade que não venham acompanhadas em frear a lógica de consumo. Repensar, reduzir e reutilizar antes de reciclar... A COVID-19 e todas as crises ambientais e socioeconômicas que vieram atreladas e/ou foram agravadas por ela são consequência das mazelas intrinsecamente atreladas à lógica de excessos do nosso atual modelo de “desenvolvimento”. A crise sanitária vai passar, porém os EPIs e plásticos descartados na natureza se perpetuarão por centenas de anos. Enquanto a lógica do sistema não for alterada será uma simples questão de tempo até novos vírus aparecerem. O meio ambiente vai continuar sendo explorado de forma insustentável e as desigualdades globais só ficarão cada vez mais graves. Como cientista da área ambiental, acredito que tenho pouca propriedade para discutir com mais profundidade questões sociais, econômicas e políticas. Entretanto, a pandemia despertou meu interesse em outras áreas do conhecimento. Esse modelo de “desenvolvimento” defasado cumpre muito bem o seu papel em formar excelentes profissionais excepcionalmente técnicos em suas respectivas áreas, mas que, muitas vezes, deixam a desejar em questões sociais, éticas e morais. Participar deste todo é dever e responsabilidade de qualquer ser humano que viva em sociedade. Se existe um outro modelo plausível de desenvolvimento e/ou uma solução para mitigar os excessos e desenvolver políticas públicas mais efetivas para os problemas reais que enfrentamos, hoje eu não sei. Mas acredito que a integração de diferentes visões e ampla discussão sobre o assunto é fundamental para desenvolvermos novas perspectivas e não perdermos a esperança de construir um mundo melhor... Para quem gostou do texto, seguem algumas sugestões de leitura: A. Kimini, “How the COVID-19 plastic boom could save the oil industry,” OilPrice.com (2020). Adyel, Tanveer M. "Accumulation of plastic waste during COVID-19." Science 369, no. 6509 (2020): 1314-1315. https://science.sciencemag.org/content/369/6509/1314 Livro “A era do capital improdutivo” – Ladislau Dowbor, 2 ͣedição – dowbor.org #LixoMarinho #PlásticoNosOceanos #PoluiçãoPorPlástico #COVID19 #DescarteDeEPIs #CiênciaECidadania #ResponsabilidadeAmbiental #Repense #Reduza #MarinaTBotana
- Arte, conservação e ciência na formação de pequenos-grandes humanos!
Por Bárbara Ramos Pinheiro e MAR ina T. Botana Ilustração: Time LACOSKIDS com licença CC-AS-BY 4.0. Nos últimos meses de quarentena vimos não somente adultos, mas também crianças passando por um processo intenso de adaptação de rotina. O mundo virtual ganhou mais espaço, todos passamos a ficar muitíssimas mais horas por dia “conectados”. Se não bastassem todos os desafios naturalmente atrelados ao isolamento social e à pandemia, ainda observamos o questionamento das ciências e da importância da educação feitos por diferentes frentes. Como cientistas e pesquisadores, uma de nossas atividades fundamentais, tão importante quanto escrever artigos e descobrir coisas novas, é a nossa atuação social na contribuição para a formação de pessoas. Afinal, já dizia Paulo Freire que a educação sozinha não transforma o mundo, mas ela pode transformar as pessoas e “as pessoas transformam o mundo”. Educação é aprendizado sobre o mundo, mas também é o despertar de senso crítico e consciência para dentro de nós mesmos, para entender os nossos direitos e deveres como seres humanos. É realizar o quanto sociedade e meio ambiente são intrinsecamente dependentes um do outro. É desenvolvimento intelectual, pessoal, ético e moral para perceber o quanto tudo à nossa volta está conectado. O confinamento nos trouxe a necessidade de transformar tudo, inclusive as diferentes formas e ferramentas de aprendizado. Foi daí que nasceram dois lindos projetos que gostaríamos de apresentar hoje na comemoração do Dia das Crianças! – o desenho animado “Mar à vista” e a série de vídeos “Criança com ciência” desenvolvidos pela equipe de voluntários, bolsistas e parceiros do Laboratório de Conservação do Século 21 (@lacos21) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Série de episódios "Mar à vista" Unindo arte, conservação e ciência o “Mar à Vista” tem como objetivo promover a fauna e a flora da Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais (APACC). O projeto também conta com a parceria do ICMBio, Instituto Ayni, pesquisadores do PELD CCAL/UFAL, e de alguns convidados especiais, incluindo apoio da Fapeal, CNPq, e do Fundo Newton para a criação das animações. As produções audiovisuais apresentam ao público infantil a APACC e compartilharam conhecimento sobre ecologia, conservação, e impactos ambientais, de maneira lúdica. Além de educação ambiental, trazem conhecimentos diversos sobre a cultura alagoana e nordestina através de músicas autorais e dos sotaques dos personagens. Os diferentes episódios focaram em dar vida aos manguezais, mostrar a importância dos recifes de corais, ensinar sobre desova de tartarugas, e apresentar outros projetos e iniciativas que ocorrem na unidade de conservação. Fantoches que inspiraram os personagens do projeto “Mar à Vista”- Doutor Dan (coral cérebro), Dona Nise (peixe-boi mãe), Graci (tartaruga marinha, verde), Tutuca (peixe-boi filho) e a pescadora Linda Os nomes foram inspirados nas personalidades alagoanas - Graciliano Ramos, Dandara dos Palmares, Arthur Ramos,Nise da Silveira e Linda Mascarenhas. Antes da pandemia, a idéia inicial do projeto era levar o tema presencialmente para as escolas e fazer apresentações no Museu de História Natural da Universidade Federal de Alagoas e outros espaços públicos. (Fonte: Time LACOSKIDS com licença CC-AS-BY 4.0.) A equipe do LACOS21 resolveu focar em divulgação científica para o público infantil também através da comunicação livre entre pequenos cientistas e grandes pesquisadores nacionais. O “Criança com ciência” traz um quadro de perguntas e respostas com curiosidades de deixar os cabelos em pé! Os pais ou responsáveis encaminham os vídeos com dúvidas das crianças e, periodicamente, uma nova curiosidade vinda de diferentes lugares do país é ilustrada por um especialista do assunto e divulgada nas redes sociais. Time LACOSKIDS (Licença CC-AS-BY 4.0.) Série de episódios "Criança com ciência" O sucesso dessa iniciativa de divulgação científica do LACOS21 e colaboradores mostra o quão importante e efetivo pode ser o nosso papel como cientistas na formação das crianças e o quanto somos capazes de diversificar as ferramentas de comunicação para expor e discutir questões tão importantes. Não buscamos que todos os pequenos fãs destes projetos escolham um dia se tornar cientistas, mas acreditamos que ao despertar para a conservação da natureza, através do entretenimento e aprendizado, possamos construir pequenos-grandes seres humanos que irão lutar por um mundo melhor! Feliz dia das crianças! Para novidades sigam as páginas no Instagram, Facebook e canal do youtube! @lacos21, @maravistaprojeto (instagram) https://www.youtube.com/c/Lacos21/featured https://www.facebook.com/maravistaprojeto https://www.facebook.com/lacos21 https://lacos21.com/ --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Sobre a autora: Bárbara Ramos Pinheiro (@barbara.pin) Bióloga, Mergulhadora, Mestre e Doutora em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco. Bárbara é especialista na gestão de ambientes costeiros. Já atuou em projetos de conservação e monitoramento ambiental em diferentes áreas de proteção ambiental no Brasil, como na APA Costa dos Corais em Alagoas e na Reserva Biológica do Atol das Rocas. Hoje é diretora executiva do Instituto Ayni de conservação ambiental e desenvolvimento social (@institutoayni). Também é pós doutoranda no Laboratório de Conservação do Século 21 (@lacos21), onde supervisionou a criação dos projetos “Mar à vista” e “Criança com ciência”. Contato: barbara.pinheiro@gmail.com #DiaDasCrianças #CiênciasDoMar #Oceanografia #VidaDeCientista #BatePapoComNetuno #CriançaComCiência #QuarentenaComCriança #QuarentenaCriativa #DivulgaçãoCientífica #ScienceKids #Educação #EducaçãoAmbiental #marinatbotana #Convidados
- Cem dias entre céu, lixo e mar
Por Marina Tonetti Botana Ilustração: Caia Colla. Foi durante a minha busca por nadadores de longa distância que descobri Ben Lecomte. Ben é um atleta de endurance (modalidades de esportes aeróbicos de intensidade média ou baixa e longa duração, como maratonas) que, em 1998, cruzou o Atlântico Norte em uma campanha que subsidiava a luta contra o câncer. Para minha surpresa, depois de muito planejamento, este ano ele estava atravessando o Oceano Pacífico. Porém, dessa vez, em uma campanha de conscientização sobre a questão da poluição marinha por plásticos e com a missão de chamar atenção sobre a importância da preservação dos oceanos. O projeto já contava com parcerias de grupos de pesquisa de importantes universidades de estudos oceanográficos, como o Scripps Institution of Oceanography e a Universidade do Havaí (UH). Além disso, a iniciativa já tinha 14 episódios filmados e buscava produzir mais conteúdo para que, no fim, tudo virasse um documentário. Os organizadores também haviam conseguido patrocínio de marcas de produtos sustentáveis, como a icebreaker, que confecciona roupas exclusivamente com fibras de origem vegetal. Naquele momento, devido a problemas na embarcação, eles se encontravam no Havaí e seguiriam, dentro de poucas semanas, até a Califórnia. A nova rota pelo Pacífico Norte estava traçada para atravessar a maior ilha de lixo do mundo, estimado em cerca de 1,6 milhões de km2. Ben faria novamente esta travessia a nado, na companhia de uma equipe de cientistas e ativistas responsáveis pelo levantamento de dados e coleta de material. Surpreendentemente, havia duas vagas abertas para cientistas a bordo nesta nova etapa. A tripulação seria composta por somente 10 pessoas, das quais quatro eram da equipe pessoal de Ben. As outras 6 vagas eram rotativas para profissionais da ciência, educação e produção de mídia. Na época eu estava prestes a terminar o meu mestrado e vi a vaga de cientista como uma oportunidade única de vivenciar uma experiência fora da academia em nome de uma causa com os propósitos ambiental e social. Acredito que a única forma de transformar efetivamente a mentalidade e os costumes do ser humano é através da educação. Não adianta simplesmente “proibir” jogar lixo, ou “obrigar” a reciclar e fazer uso mais sustentável dos produtos. É preciso que as pessoas entendam os porquês dessas questões serem tão relevantes e que, a partir daí, contribuam para fazer a diferença. Submeti uma carta de intenção, juntamente com o meu CV para a vaga. Apesar de ainda estar há um tempo relativamente curto na academia, acreditei que os meus princípios, junto às experiências na USP e fora do país em outros projetos, seriam bem vistos. Ademais, sou triatleta de provas longas como ironman (3,8 km natação, 180 km ciclismo e 42 km corrida) e, também tenho experiência em apoiar outros atletas em ultra distâncias. Acreditei que estas questões extracurriculares poderiam ser um diferencial importante. No mundo do esporte e da ciência estamos muito sujeitos a falhas e fracassos, talvez muito mais do que em quaisquer outras profissões. Viver um pouco das duas realidades me obrigou a desenvolver muito foco e determinação para buscar meus objetivos e a enxergar a execução de todos eles como parte do meu propósito de vida. Na carta de intenção levantei todas estas questões e discorri cada frase com cérebro, corpo e alma. Acreditei que a causa de Ben também poderia ser minha. Os dias foram se passando e, quando menos esperei, eu estava na seletiva final para as entrevistas. Fui testada e avaliada em diferentes âmbitos nas conversas com Ben e os tripulantes da equipe. Além dos questionamentos acadêmicos, testaram meu psicológico fazendo uma série de outras perguntas. Ficaríamos por volta de 100 dias no mar, confinados no espaço do veleiro, sem água doce para tomar banho e com quase nenhuma comunicação. Fui alertada que, muito provavelmente, poderia ser a única mulher a bordo, junto com um grupo de 9 homens. Felizmente, nenhuma destas questões me intimidou e fui selecionada. A rota da expedição foi traçada pelo Prof. Oceanógrafo Físico Nikolai Maximenko (UH) em seu projeto de monitoramento de lixo/plástico marinho via satélite. Cruzaremos o maior número possível de ilhas de lixo durante a expedição. Faremos observações visuais, junto com coleta de diferentes tamanhos de partículas de plástico com redes de nêuston. Além das partículas, coletaremos os organismos que crescem e povoam os diferentes tipos de plástico, contribuindo na disseminação de espécies no giro subtropical do Pacífico Norte. Microplásticos e rede de nêuston. Créditos: Hannah Altschwager, The Vortex Swim (C). Os projetos parceiros visam entender melhor a conectividade da bioinvasão de espécies que povoam as ilhas de lixo. Eu serei responsável pela coordenação e registro das coletas a bordo. Além disso, nadarei ao lado de Ben sempre que possível. Ele nadará por volta de 8 horas/dia, distribuídas em 2 períodos de 4 horas cada. Nas entrevistas ele me disse que fui a única pessoa que ele havia entrevistado que se ofereceu para acompanhá-lo… Chegarei no Havaí dentro dos próximos dias e zarpamos até o final do mês de maio. Mal posso esperar para conhecer pessoalmente toda a tripulação! Também fiquei feliz em descobrir que o outro cargo de cientista será preenchido por uma mulher, Juliette (bióloga marinha e americana). Me sinto extremamente feliz e grata por representar, primeiramente, as mulheres cientistas, e, depois, o Brasil em um projeto com uma causa tão nobre e atual. Vivemos tempos difíceis na ciência brasileira, de certa forma ainda mais desafiadores para as mulheres. Todavia, creio que são nos tempos de dificuldades em que devemos ousar criar nossas próprias oportunidades. Nessa expedição, de alguma forma, ciência e esporte se uniram na busca do meu propósito, refletindo diretamente o meu estilo de vida. Espero que outras meninas e cientistas possam se aventurar a arriscar mais em busca de seus sonhos em um oceano vasto de mistérios e oportunidades. Glossário: Ilha de lixo: regiões nos oceanos que favorecem a concentração de lixo na superfície da água por causa dos giros oceânicos, que são grandes sistemas de circulação de correntes oceânicas. Nêuston: organismos aquáticos que vivem em águas superficiais, nos primeiros 10 cm da coluna de água. As redes de nêuston são utilizadas para capturar estes organismos. Para saber mais: https://www.seeker.com/the-swim - site oficial. https://www.youtube.com/playlist?list=PL6uC-XGZC7X7iQ31AN0hszm5a3RCosk00 - canal no youtube com os episódios que já foram feitos . #vidadecientista #lixomarinho #preservacaodosoceanos #endurance #ironman #caiacolla #marinatbotana
- Ilhas de Plástico
Por Juliana Bomjardim Imagem: Artem Podrez - Pexels - (CC0 1.0) Os materiais plásticos, quando descartados incorretamente, causam grandes impactos no meio ambiente, especialmente no ambiente marinho. Um produto plástico demora em média 450 anos para se decompor de forma natural e completa; nesse meio tempo o plástico produzido e usado no continente acaba “encontrando o caminho” até os rios e oceano, cerca de 8 milhões de toneladas de plástico entram no oceano todos os anos. O problema é tão grave que, segundo um estudo chamado The New Plastics Economy: Rethinking the future of plastics, divulgado no início de 2016 pelo Fórum Econômico Mundial e produzido pela Fundação Ellen MacArthur, se continuarmos a produzir materiais plásticos no ritmo atual, em 2050 haverá mais plástico nos oceanos do que peixes. Lixo descartado irregularmente em zona costeira (Fonte: U.S. Fish and Wildlife Service Headquarters, CC.BY 2.0). Não é surpresa que todo esse plástico ameace o equilíbrio de ecossistemas e a sobrevivência de animais marinhos. Albatrozes, tartarugas, baleias e peixes, por exemplo, consomem produtos plásticos, pois os confundem com alimentos; esses produtos não são digeridos e acumulam-se no estômago. O acúmulo pode ser tão grave ao ponto de impedir a ingestão de comida ou perfurar a parede estomacal desses animais. Adicionalmente, além de ingeri-los, os animais também podem ficar presos e/ou se ferir com os resíduos plásticos. Tartaruga com resíduo plástico preso na região da face (Fonte: Domínio Público). Carcaça de albatroz mostrando o acúmulo de plásticos no estômago (Fonte: Chris Jordan, via U.S. Fish and Wildlife Service Headquarters, CC.BY 2.0). Foca presa em rede de pesca (Fonte: NOOA, CC.BY 2.0). A quantidade de plástico nos oceanos é tamanha que temos regiões chamadas de “ilhas de plástico”. Nelas, o plástico, especialmente microplásticos, acumula-se em determinados pontos do oceano e mares devido à ação das correntes marítimas, resultantes dos ventos e do movimento de rotação da Terra. Esses pontos estão espalhados pelos mares e bacias oceânicas de todo o planeta, porém, atualmente, existem cinco principais pontos onde ocorre o acúmulo de plástico, estes pontos são os maiores e mais preocupantes e coincidem com os principais giros oceânicos: Atlântico Norte; Atlântico Sul; Índico; Pacífico Norte e Pacífico Sul. Principais giros oceânicos. 1: Giro do Pacífico Norte. 2:Giro do Oceano Índico. 3: Giro do Pacífico Sul. 4: Giro do Atlântico Sul. 5: Giro do Atlântico Norte. (Fonte: The Ocean CleanUp, Editorial Use Only) As correntes marinhas nas regiões dos giros arrastam parte dos produtos plásticos - que boiam - para seu interior. Esse padrão de movimentação foi observado em um experimento da NASA divulgado em 2015. Nele, a movimentação de bóias lançadas no oceano - usadas para rastrear correntes, temperatura e salinidade - foi acompanhada e um modelo de migração foi criado. Nele podemos observar que as bóias lançadas, com o tempo tendem a migrar para os cincos giros oceânicos. Veja no vídeo abaixo a movimentação das bóias e o modelo criado. Experimento de visualização do acúmulo de materiais nos giros oceânicos (Fonte:Scientific Visualization Studio - NASA). O giro do Pacífico Norte detém a maior concentração de plástico no oceano e recebe o nome de Grande Porção de Lixo do Pacífico (Great Pacific Garbage Patch). São cerca de 79 mil toneladas de lixo, cerca de 1 milhão e seiscentos mil metros quadrados de detritos boiando e sendo movimentados pelo giro. Nele, há duas zonas principais de concentração, ou duas “ilhas”, uma na região leste do giro e outra na região oeste. Grande Porção de Lixo do Pacífico (Fonte: NOAA, Domínio Público - Tradução livre). Engana-se quem acha que as ilhas de plástico podem sempre ser observadas facilmente, elas são formadas especialmente por micropartículas de plástico (pedaços menores que 5 mm), conhecidas como microplásticos, distribuídas de forma desigual na superfície, na coluna d’água e até no sedimento marinho, sendo que apenas os resíduos maiores, na superfície, podem ser encontrados e removidos com maior facilidade. À esquerda: região do oceano que faz parte de ilha de plástico. À direita: partícula de microplástico. (Fonte: NOAA, Domínio Público) Os desafios para limpeza deste tipo de região são grandes devido à imensa extensão do giro e aos movimentos das correntes. O acúmulo de plásticos, microplásticos e outros materiais particulados estende-se verticalmente e horizontalmente na coluna d'água. Como a maioria do lixo é composto por microplásticos seria necessário filtrar grandes porções de água para a remoção dessas partículas, além de ser uma tarefa que exige um esforço hercúleo os riscos podem ser maiores que os benefícios, pois ao filtrar a água estaríamos filtrando parte da vida marinha ali existente. Os pedaços maiores podem ser visualizados e removidos com mais facilidade e algumas empresas e organizações, como a The Ocean Cleanup, participam desse processo de limpeza. Sistema de limpeza de lixo marinho acumulado (Fonte:The Ocean CleanUp, Editorial Use Only). A remediação in situ, mesmo de pedaços maiores, é algo de difícil realização e também pode ter impactos negativos na fauna local, sendo que a melhor forma para diminuir o problema é a adoção de ações preventivas, como a redução do consumo de produtos plásticos e a reciclagem. No Brasil, a responsabilidade pela destinação correta de resíduos sólidos deve ser compartilhada entre indústria, comércio, cidadãos e prefeitura, sendo regulamentada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos e contando com instrumentos importantes, como a Logística Reversa. Além disso, é possível apoiar organizações que trabalham para limpar nossos oceanos, como a já mencionada, The Ocean Cleanup e a Exxpedition, uma organização composta por mulheres que realizam expedições para explorar a poluição plástica nos oceanos, ajudando a investigar as causas e propor soluções para o problema. No verão de 2020, o projeto Kaisei, liderado por Mary T. Crowley, presidente e fundadora do Ocean Voyage Institute, removeu 170 toneladas de redes de pesca e plástico do Giro do Pacífico Norte, demonstrando a importância desse tipo de organização para a limpeza dos oceanos. Apoie uma organização, compartilhe informações nas redes sociais, vamos juntos cuidar dos nossos oceanos. Bibliografia: AGENDA, Industry. The New Plastics Economy Rethinking the future of plastics. 2016. Disponível em: http://www.alternativasostenibile.it/sites/default/files/WEF_The_New_Plastics_Economy.pdf. Acesso em: 12 ago. 2021. BRASIL. Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - Lei nº 12.305/2010. IBAMA, 2021. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/residuos/controle-de-residuos/politica-nacional-de-residuos-solidos-pnrs. Acesso em: 12 ago. 2021. MARINE Debris Program. Garbage Patches. NOAA, 2021. Disponível em: https://marinedebris.noaa.gov/info/patch.html. Acesso em: 12 ago. 2021. MARINE Debris Program. The Truth About Garbage Patches. NOAA, 2016. Disponível em: https://blog.marinedebris.noaa.gov/truth-about-garbage-patches. Acesso em 12 ago. 2021. SCIENTIFIC Visualization Studio. Garbage Patch Visualization Experiment. NASA, 2015. Disponível em: https://svs.gsfc.nasa.gov/4375. Acesso em: 12 ago. 2021. WHAT is The Great Pacific Garbage Patch? The Ocean CleanUp, c2021. Disponível em: https://theoceancleanup.com/great-pacific-garbage-patch/. Acesso em: 12 ago. 2021. #descomplicando #plástico #ilhasdeplástico #reciclagem #correntesoceânicas #poluiçãomarinha
- Mergulho na Ciência 2019
Em julho de 2019 o Bate Papo com Netuno mergulhou ao lado de 40 meninas do quinto ao nono ano do Ensino Fundamental no Instituto Oceanográfico da USP por meio do projeto Mergulho na Ciência USP. Nossas editoras Amanda Bendia, Júlia Gonçalves e Juliana Bomjardim fizeram parte do comitê organizador do projeto e acompanharam de perto a aventura das meninas sorteadas, foram 4 dias de aulas de Astrobiologia, Astronomia, Educação, Farmacologia, Física, Microbiologia, Neurociências, Oceanografia, Química e Zoologia. A Juliana conversou com as meninas sobre a importância da divulgação científica e o Bate Papo com Netuno apresentou pôsteres que ilustravam um pouquinho sobre a trajetória de mulheres na ciência, entre elas, as editoras. #netuniandoporai #mergulhonaciencia #usp #amandabendia #julianabomjardim
- Tá com medo? Vai com medo mesmo!
Por Fernanda Ramos Ilustração: Juliana Bomjardim A ciência é linda. Criar perguntas e tentar respondê-las é maravilhoso. Olhar para o seu trabalho concluído ao final desse processo dá orgulho. Eu amava meu projeto de mestrado, meu orientador era ótimo, eu tinha apoio das pessoas à minha volta, mas, como muitos pós-graduandos, sofri com a famosa síndrome do impostor. Ela acontece quando nós não nos sentimos merecedores das nossas realizações, como se fossemos uma fraude e atribuímos puramente à sorte tudo que acontece de bom no nosso trabalho. Esse sentimento me dominou por todo o mestrado e, infelizmente, continua aqui. Me colocava para baixo quando era bombardeada por artigos incríveis, feitos maravilhosos, autores bem mais novos do que eu com artigos em revistas de publicação científicas bem conceituadas, colegas que fazem pesquisas extraordinárias, apresentações de trabalhos super interessantes em eventos científicos... e daí eu me perguntava: “O que a minha pesquisa tem de útil? O que eu estou fazendo nesse meio?”. A pior parte da síndrome do impostor é que ela é puro fruto da nossa imaginação. Saber que não é real e ouvir pessoas que admiro dizendo que meu trabalho era bom me faziam sentir ainda mais raiva de mim mesma. Apesar desse sentimento, eu não desisti. Hoje, retomando minha trajetória, vejo quantos avanços eu fiz e quantas conquistas eu tive mesmo com muitas dificuldades aparecendo pelo meu caminho. Minha paixão pela área ambiental, em especial por animais e plantas, começou desde muito nova. Como desde criança morei no litoral, essa paixão se direcionou para o universo das praias. Eu ficava encantada quando via os pequenos animais que estavam escondidos na areia e pensando na quantidade de vida debaixo d’água. O amor pelo meio ambiente me levou a prestar vestibular para diversos cursos: biologia, biologia marinha, oceanografia. Ingressei no curso de bacharelado em Ciências Ambientais na Universidade Federal de São Paulo, e foi amor à primeira vista! Durante a graduação trabalhei com um pouco de tudo, desde paleontologia e ecologia, até reciclagem e avaliação de impactos ambientais; a única certeza que eu tinha é que eu queria ser pesquisadora! A ciência e a pesquisa científica ganharam meu coração. Eu amava ler artigos, aprender coisas novas, ir a eventos da área, conversar com outros pesquisadores e conhecer seus trabalhos Logo notei que eu amava pesquisa, mas que realmente não gostava de trabalho de laboratório. Para mim a melhor parte dos projetos que eu me envolvia sempre foi ir para campo - até hoje é assim. Eu decidi que seria cientista e, assim, ao sair da graduação eu iria direto para o mestrado. Não havia um plano B. Em um dia na praia, meu projeto de mestrado, até então indefinido, apareceu na minha frente. Eu estava sentada na areia no final da tarde quando vi dezenas de caranguejos saindo de suas tocas na areia, e pensei: “é isso”. Encontrei um orientador que abraçou minhas ideias e assim se iniciou minha caminhada no mestrado. Vocês precisam saber que nada sai como planejado na ciência. Vejam meu caso: inicialmente a ideia era avaliar a relação entre a vegetação de praias e o Ocypode quadrata (esses caranguejos de praia, também chamados de maria-farinha). No final, fizemos uma avaliação dos distúrbios que afetam esses animais em uma praia urbanizada. Como isso aconteceu? Após uma das minhas coletas de campo, houve uma ressaca marítima fortíssima que erodiu quase metade da minha área de estudo, o que nos levou a outra pergunta: “como isso afetou a população de caranguejos que vive aqui?”. Fiz um monitoramento semanal, ou seja, eu fazia coletas dois dias por semana. Embora minha área de estudo fosse próxima à minha casa. o monitoramento não foi fácil. Trabalhei de baixo de chuva, com ventos fortíssimos, sob o Sol escaldante, durante as férias, no Natal, no Ano Novo e no carnaval. Um ano e meio dedicado a fazer as coletas religiosamente. Mas tudo valia a pena quando eu conseguia ver um caranguejo: meu coração enchia de amor e eu me sentia imensamente grata por poder ter contato com esse animal tão lindo e fascinante. Eu sou apaixonada pela minha pesquisa e estava realmente muito feliz porque não teria que fazer trabalhos de laboratório, embora tivesse que analisar os dados. Mas a quantidade de dados que eu coletei era absurda, e eu precisava organizar, analisar, rodar testes estatísticos, além de interpretar e entender como eles podiam responder às minhas perguntas. Tudo isso para uma pessoa que tem grande dificuldade com exatas! Meu orientador foi essencial nessa parte do projeto. Também tinha vontade de desistir quando sentia o peso das disciplinas do mestrado, e a cada trabalho de campo que eu achava que tinha dado errado, cada teste estatístico que não funcionava, a cada conjunto de dados que não fazia o menor sentido, cada vez que eu tive que reescrever praticamente tudo que já tinha escrito. Foram noites mal dormidas, dias trancada no quarto escrevendo e sempre segurando a vontade de jogar o notebook na parede, rasgar todas os meus papéis e sair correndo. O que me impediu de desistir foram as pessoas que eu tinha a minha volta. A maior fonte de força para mim foram as mulheres da minha vida e as que encontrei pelo caminho. Minha mãe sempre foi minha maior fonte de força e apoiadora, sempre ao meu lado não me deixando desistir, ela ser um exemplo para mim me motivou a ser um exemplo para minha irmã, esta, que mesmo sem saber, foi um dos grandes motivos pelo qual eu não desisti. Minhas amigas de república sempre foram meu porto seguro, assim como minhas melhores amigas da faculdade que lutaram as mesmas lutas que eu e sempre me apoiaram. Mas o que sempre me inspirou em tempos difíceis foram minhas professoras, tanto na graduação quanto no mestrado eu tive o privilégio de ter um grande número de professoras e nelas eu via o que eu queria ser: mulheres fortes, pesquisadoras, grandes nomes na sua área de pesquisa, acolhedoras e incríveis. Hoje, no meu grupo de pesquisa, nós, mulheres, somos maioria no grupo e sempre posso contar com o apoio das minhas colegas. No final, tudo valeu a pena, mas eu garanto que não foi fácil. Claro que os resultados do mestrado não saíram exatamente como eu esperava, e ainda tenho a sensação de que poderia ter feito mais. Ainda assim, hoje estou começando meu doutorado com muitas ideias, mais confiante e com ótimas pessoas ao meu lado. Se vocês amam a ciência tanto quanto eu, não desistam e não dêem ouvidos ao impostor dentro de vocês. Nós não estamos sozinhas nessa jornada. Se precisarem de alguém para conversar, podem contar comigo ou busquem alguém em quem confiam. Vamos mudar o mundo juntas. Sobre a autora: Fernanda é cientista ambiental e mestre em Análise Ambiental Integrada pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), atualmente está cursando doutorado em Evolução e Diversidade na Universidade Federal do ABC (UFABC). Após caminhar por diversas áreas, a autora se tornou pesquisadora da área de ecologia de praias arenosas, atualmente tendo como foco os impactos de distúrbios antrópicos em populações e comunidades desse ecossistema. Além do universo científico, a autora encontrou o amor em cachorros, praia e pole dance. Contato: fernanda.rfo@hotmail.com #ciência #mulheresnaciência #vidadecientista #ciênciasdomar #meioambiente #ocypodequadrata #convidados #julianabomjardim
- Ignite Girls Camp
Em maio de 2019 nossa editora Juliana Bomjardim participou do treinamento em divulgação científica Ignite Girls Camp. Foram três dias de treinamento e discussões envolvendo a diversidade na ciência, empoderamento feminino, divulgação científica e a criação de projetos de divulgação para serem apresentados para diversos públicos. O treinamento foi encerrado no IG Festival, na avenida Paulista – São Paulo. Nesse dias foram executados os diversos projetos de divulgação científica criados ao longo do treinamento. O Bate Papo com Netuno, além de ter uma das editoras participando do treinamento e apresentando o projeto desenvolvido com seu grupo, também enviou Claudia Nakimi – editora – para apresentar pôsteres que ilustravam mulheres cientistas para o público da Paulista. A editora Amanda Bendia e uma das nossas ilustradoras, Caia Colla, também participaram do evento representando o blog e o Instituto Oceanográfico -USP. #netuniandoporaí #ignitegirlscamp #ignite #cláudianamiki #julianabomjardim #amandabendia #caiacolla
- Meu mestrado: uma história de ansiedade e superação
Por Juliana Bomjardim Ilustração: Caia Colla Quando fui convidada pela equipe do Bate Papo com Netuno para escrever meu texto de estréia como editora fiquei contente e apreensiva ao mesmo tempo. Sabia que era esperado que eu escrevesse sobre o meu mestrado, no entanto eu mal falo sobre ele, como escrever? Meu projeto de mestrado foi uma continuação do meu projeto de iniciação científica (o qual eu desenvolvi durante o período de quatro anos). Colei grau em março de 2016, e em abril já estava iniciando minhas aulas no Programa de Pós Graduação em Análise Ambiental Integrada da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Primeiro passo para o meu sonho de ser uma cientista e também para um dos períodos mais difíceis da minha vida. Eu estou dentro daquele grupo crescente de acadêmicos que desenvolveram ansiedade e depressão durante a pós-graduação. Sempre fui ansiosa e flertei com a depressão, mas a minha maior crise ocorreu durante a pós-graduação e não foi por coincidência. Um estudo de 2018 publicado pela Nature Biotechnology a existência de uma crise de saúde mental no meio acadêmico. De acordo com o artigo, alunos na pós graduação apresentam altas taxas de ansiedade e depressão, com seis vezes mais chances de desenvolver essas doenças do que a população geral, sendo as mulheres e transgêneros ainda mais afetados do que seus colegas homens cisgênero. O estudo sugere que é preciso desenvolver estratégias para conter esse fenômeno. Cobrança As pressões já começam no processo seletivo. Há um expectativa para que você seja aprovado na primeira tentativa, afinal eu já era da casa (sou bacharela em Ciências Ambientais pela UNIFESP). Vinte e quatro vagas e 4 bolsas para um programa strictu sensu. Ou seja, não adianta apenas passar, você tem que passar em uma posição que garanta que você tenha uma bolsa e uma vez que você adquire essa bolsa é necessário assinar um contrato de dedicação exclusiva, isso significa que a dedicação ao mestrado deve ser integral e por isso não é possível exercer nenhuma outra atividade remunerada. Junto com a pressão do processo seletivo vem a pressão de familiares e amigos: “você não vai começar a trabalhar? O dinheiro é muito pouco. Vai mamar nas tetas do governo? Que vida boa hein, ser paga para estudar. Nossa, mas você estudou tanto para ganhar tão pouco? O filho de fulano estudou em uma faculdade menos conceituada e já ganha 4 mil por mês”. Mas era meu sonho e valia a pena – não valia? Assim, segui em frente. Consegui uma bolsa e segui acreditando no meu sonho. Uma realidade da vida acadêmica é que quanto mais você estuda, mais ignorante você se sente. O fluxo de informações é gigantesco, todo dia uma publicação nova, todo dia um assunto que você não domina. O sentimento é de que você não deveria estar ali - e em mim esse sentimento era ainda maior do que o normal, porque na faculdade eu já sentia que não pertencia ao ambiente acadêmico, apesar de amar a ciência. Estudei em escola pública a minha vida toda, fiz cursinho, mas não conseguia acompanhar as aulas de exatas, pois não sabia o básico e tinha vergonha de perguntar. O primeiro semestre na faculdade foi o mais difícil. Eu mal sabia fazer regra de três. Não consegui dar conta da Fundamentos de Química e Cálculo ao mesmo tempo. Abandonei o primeiro, comprei o livro Cálculo para Leigos e estudava por ele ao invés de usar os livros recomendados pelo professor. Como passar em cálculo se eu mal sabia matemática básica? Eventualmente, passei em Química, inclusive posteriormente doei o meu Química para Leigos para uma outra aluna que estava tendo dificuldade. Com o tempo aprendi a estudar no meu próprio ritmo e de forma independente. Minhas dificuldades diminuíram, mas a ansiedade só aumentava. Entrei na pós graduação e o sentimento de não pertencimento atingiu o seu ápice, eu sentia que nunca conseguiria absorver tanto conhecimento. Sentia que talvez ali não fosse o meu lugar, mas como eu já tinha chegado tão longe, não dava mais para voltar atrás. Ergui a cabeça e dei meu melhor. No final de 2017 eu estava dentro do cronograma, as coisas estavam andando relativamente bem. Eu sou bem perfeccionista e sempre fiz pré-experimentos antes de fazer o experimento em si. Já havia feito uma simulação dos meus testes finais e tudo parecia estar ok, tentava não ficar muito animada para não me decepcionar, mas estava bem confiante. Os atrasos começaram por falta de reagentes para a realização do meu experimento principal e em novembro de 2017 – às vésperas de realizar meu experimento final - houve um problema na estufa onde eu estocava minhas culturas e elas ficaram em uma temperatura bem acima da ideal. Eu fiz de tudo para recuperá-las, mas no fundo da minha cabeça ficava martelando que já era para eu ter terminado, se apenas eu tivesse tido acesso aos reagentes antes… Desconforto Quando as coisas começaram a não sair como planejado, o desespero bateu na porta. Eu havia batido o pé que queria seguir a vida acadêmica e agora meu sonho estava indo pelo ralo, o que as pessoas diriam? Se quando estava tudo bem eu já tinha que justificar todas as minhas escolhas, imagina se tudo desse errado? Eu tinha medo de fracassar e na pós-graduação esse medo só aumentava, afinal, será que perdi tanto tempo estudando e no final não terei nada para mostrar? Uma vez tentei desabafar com um familiar sobre esse medo de falhar e o que eu ouvi foi: “se você realmente se esforçasse as coisas dariam certo”. Só que esse é o problema né? Meus resultados não eram o que eu esperava, mas assim é a vida de um cientista né? Hipóteses devem ser testadas, resultados são resultados, positivos ou negativos, mas quem não é da área acha que um resultado negativo é sinal de falta de esforço. Como me justificar para quem pensa assim? As noites passadas no laboratório, as horas de estudo, a minha dedicação, o meu perfeccionismo... nada disso era demonstração de esforço? Por isso que o apoio entre os pares, dentro do ambiente acadêmico é tão essencial. Muitas pessoas não entendem e não estão preparadas para lidar com os problemas que nós, pós-graduandos, passamos. Eu passei a odiar a pesquisa que tanto amava. Ir para o laboratório virou um castigo, ler outro artigo era o mundo esfregando na minha cara que eu não sabia nada. Queria terminar tudo o mais rápido possível, minha ansiedade só aumentava e os reagentes nunca chegavam. Eu planejava defender em abril de 2018. Defendi minha dissertação no dia 05 de outubro de 2018. Durante a apresentação minha voz falhava, meu coração batia forte, não dormia direito há dias, havia perdido 8 quilos. Fui aprovada! Os membros da banca fizeram diversas perguntas, deram várias dicas para melhorar a qualidade das minha pesquisa e dos meus resultados, me parabenizaram, me disseram para seguir com a minha pesquisa no doutorado, pois meus resultados eram muito promissores – minha orientadora já havia dito isso, mas é difícil convencer alguém que estava se sentindo como eu me sentia. Após a aprovação minha orientadora comentou com alguns membros da banca que eu estava com medo de ser reprovada, todos riram. Hoje em dia flerto com a ideia de seguir para o doutorado – é difícil deixar um sonho de lado – mas decidi fazer uma pausa para pensar, para respirar, para me reconstruir. Nas minhas horas vagas incentivo meninas a seguirem a vida acadêmica. Queria que alguém tivesse feito isso por mim quando eu era mais nova, queria ter tido referências, queria que tivessem me mostrado que meu lugar era ali. Quem sabe assim esse sentimento de não pertencimento não teria tomado conta mim. Nós, do Bate-papo com Netuno, já falamos em outros posts sobre as dificuldades enfrentadas por alunas da pós-graduação. Veja aqui (1 e 2). Nota da Ilustradora: "me veio na cabeça fazer o leão representando o caminho da pós, com todos os seus desafios, agressividade, imposições, imponência.. mas que ao mesmo tempo carrega um encanto e beleza que não nos deixa abandonar de vez.. tentei mostrar essa relação de amor e ódio, o abraço simboliza o amor dela por essa fera mas também mostra os perigos dessa atração." #julianabomjardim #caiacolla #vidadecientista #mestrado #sustentabilidade #educaçaoambiental #divulgaçãocientífica #meioambiente
- Cúpula da Amazônia: E o Oceano com isso?
Por Débora Camacho Luz e Maria Luiza Abieri Agosto começou com muita expectativa para quem acompanha os temas voltados à Amazônia. Nos dias 08 e 09 deste mês aconteceu, em Belém (PA), a Cúpula da Amazônia. O evento reuniu chefes de estado dos 8 países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, para discutir medidas a serem tomadas para a conservação e desenvolvimento sustentável da região. A partir dessas reuniões, foi elaborado um documento, chamado de Declaração de Belém, que estabelece metas e objetivos a serem alcançados. Por aqui a gente acompanhou a Cúpula na expectativa das metas e objetivos que tratassem da conservação da porção costeira da Amazônia. Quando pensamos na Amazônia, rapidamente nos lembramos da maior floresta do mundo, com árvores frondosas e que se estende por cerca de 6,7 milhões de km². No entanto, é comum esquecermos de olhar para os 2.250 km de costa brasileira que pertencem à região, abrangendo 35% do nosso litoral. No bioma Amazônia, 4 bacias hidrográficas drenam uma área de mais de 8 milhões de km², desaguando através do Rio Amazonas cerca de 70 piscinas olímpicas de água doce, sedimentos, partículas e matéria orgânica por segundo, ou um volume anual de 6,3 trilhões m³/ano diretamente no Atlântico Sul. Isto é 16% de toda a água doce despejada no Oceano1,2. Única, diversa e ainda pouco conhecida, a costa da Amazônia abriga o maior manguezal contínuo do mundo! Com aproximadamente 7.423,60 km², essa faixa representa mais de 50% dos manguezais do Brasil. Em 2008, um estudo mostrou um aumento dessa faixa de manguezal de cerca de 718,6 km² em 12 anos, trazendo à luz a forte dinâmica desse habitat que se expande e se retrai3. Os manguezais são ecossistemas essenciais para a regulação do clima, proteção da linha de costa e combate às mudanças climáticas. Além disso, o manguezal amazônico ou magal (como é chamado pelas comunidades tradicionais do norte) é berçário de inúmeras espécies e fonte de sustento para centenas de mulheres marisqueiras. Um texto publicado no Blog da Liga, pela mangueóloga Bruna Martins, em novembro de 2022, fala mais sobre a estreita relação das mulheres do norte com esse grande ecossistema, confira aqui. Para trazer um panorama de como o tema Amazônia Costeira foi tratado durante as negociações da Cúpula, convidamos a Cientista Social Mariana Trindade, que participou das atividades pré-cúpula que ocorreram, também em Belém, entre os dias 4 e 6 de agosto. Os Diálogos Amazônicos, como foram chamadas as cerca de 300 atividades que ocorreram nestes dias, reuniram diversos atores, entidades e organizações da sociedade civil para debater pontos importantes a serem levados por seis representantes aos governantes para a elaboração da Declaração de Belém (os seis relatórios podem ser acessados aqui). Mariana Trindade é analista de política e governança da Rare Brasil, associação que atua desenvolvendo o senso de pertencimento e capacitando comunidades para a proteção do meio ambiente. No Brasil, a Rare desenvolve o programa “Peixe para sempre” em comunidades pesqueiras tradicionais no norte do país, inclusive no estado do Pará, onde Mariana Trindade atua em comunidades dentro das Reservas Extrativistas (RESEX). A cientista social, conta que seu interesse pela ciência política e ambiental vem desde a graduação. Mestre em Ciências Políticas e doutoranda em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido na Universidade Federal do Pará (UFPA), ela explica que para desenvolver seu trabalho junto às lideranças e gestão pública dos municípios, aplica muito da “bagagem” adquirida na academia. Estudando as relações de interesse, notou movimentação do mercado nas relações de advocacy, defesa de interesses na política, e como as comunidades poderiam fazer para defender seus interesses no âmbito político. A equipe da Rare contou com a participação tanto de colaboradores quanto de representantes de seis municípios costeiros que fazem parte da Rede Coastal 500. Na preparação para os Diálogos, Mariana, junto à equipe, procurou atividades relacionadas à Amazônia Costeira, pesca artesanal e unidades de conservação costeiras, encontrando poucos eventos e relatou “sentir falta” da temática. Essa também foi uma das grandes críticas ao evento e seus desdobramentos. Tanto na Declaração de Belém quanto nos relatórios dos Diálogos, a temática Amazônia Costeira não foi abordada. Na mesa Oceano, Amazônia e Clima proposta pela prefeitura de Barcarena (PA) e Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, os representantes da Rede Coastal 500 tiveram a oportunidade de debater específica e ativamente sobre a zona costeira e divulgar projetos que a relacionassem com a educação básica nas escolas. Alterações recentes na legislação estadual paraense trazem a inserção transversal das temáticas de meio ambiente e sustentabilidade ao currículo escolar. Mariana ressalta que a Rede Coastal 500 tem trabalhado com as secretarias de meio ambiente e de educação, a fim de trazer a territorialização ao currículo, abordando tópicos como ecossistemas costeiros, cadeia da pesca artesanal, manguezal, entre outros. Durante os Diálogos Amazônicos, Mariana percebeu maior abertura para discussões e participação da sociedade civil, com forte atuação de grupos indígenas e quilombolas. Porém, notou falta de organização das comunidades de povos extrativistas costeiros, que contou apenas com manifestações pontuais como a presença da Comissão Pró RESEX ou como o Observatório do Marajó e a Mandí, em atividades dos Diálogos sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. E falando na exploração de petróleo, o tema foi alvo de muita expectativa por parte dos ambientalistas que acompanharam os desdobramentos da Cúpula. No entanto, não recebeu a devida importância durante os dois dias de negociações e metas claras para impedir a atividade não foram previstas na Declaração de Belém. Perguntamos para a Mariana se e como as comunidades com as quais ela tem contato debatem a questão: “Após o desdobramento da decisão do IBAMA (primeira negativa do IBAMA à Petrobras, em junho), a agenda em torno dessa questão da exploração esfriou um pouco. Precisamos avançar no sentido de contribuir para explicitar mais o que esses projetos podem trazer, sendo prejudiciais não apenas para o ecossistema em si mas também para a dinâmica social das comunidades. Falta mais atenção do poder público municipal. É uma pauta para os municípios costeiros que não está sendo debatida como deveria, pelas perspectivas que já foram trazidas pela ciência.” A Cúpula não deixou o legado que a gente esperava. O bioma Amazônia, incluindo sua porção costeira, precisa com urgência de ações concretas, unificadas e eficientes para encerrar sua exploração insustentável. Para Mariana, o ponto alto da Cúpula e dos eventos que precederam as negociações foi perceber o potencial do trabalho em rede e de como a Amazônia como um todo precisa ampliar cada vez mais essas redes, com a participação de outras organizações da sociedade civil e do poder público de diferentes níveis federativos. O trabalho é complexo, mas com a junção de esforços é possível mudar. Sobre as autoras: Débora Camacho Luz é Bióloga, formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG), membro da Liga das Mulheres Pelo Oceano e bolsista CNPq DTI na Rede Ressoa Oceano. A Ressoa Oceano é uma rede formada pela Liga das Mulheres Pelo Oceano, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP (LabJor), a Cátedra da Unesco pela Sustentabilidade do Oceano e a Ilha do Conhecimento. Essa rede tem como objetivo promover a ciência e a cultura oceânica para além do litoral e centros de pesquisa, conectando cientistas e jornalistas para a abordagem do tema nos meios de comunicação e investindo em projetos e iniciativas de comunicação sobre o oceano. Maria Luiza Abieri é Bióloga e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, atua como colaboradora do Bate-Papo com Netuno e bolsista CNPq na Rede Ressoa Oceano. A inserção do Bate-Papo com Netuno à Ressoa Oceano amplia ainda mais a rede, promovendo a divulgação científica e a visibilidade das ciências do mar e cultura oceânica através de informações científicas de qualidade, baseadas em uma linguagem acessível e lúdica. Entrevistada: Mariana Trindade Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (NAEA/UFPA). Atua como Analista de Política e Governança pela Associação Rare Brasil na zona costeira paraense. Tem experiência em articulação política com governos subnacionais e comunidades extrativistas. Interesse em temáticas relacionadas a advocacy, análise e implementação de políticas públicas ambientais. Esse post foi produzido por uma parceria entre: Liga das Mulheres pelo Oceano, Bate-papo com Netuno e Rede Ressoa Oceano Referências | Para saber mais ¹ Martins e Souza Filho, P. W., Paradella, W. R., Souza Júnior, C., Valeriano, D. D. M., & Miranda, F. P. D. (2006). Sensoriamento remoto e recursos naturais da Amazônia. Ciência e cultura, 58(3), 37-41. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252006000300016&script=sci_arttext&tlng=pt ² Meade RH, Dunne T, Richey JE, DE M Santos U, Salati E. Storage and remobilization of suspended sediment in the lower Amazon river of Brazil. Science. 1985 Apr 26;228(4698):488-90. doi: 10.1126/science.228.4698.488. PMID: 17746891. ³ Nascimento, W. R., Souza-Filho, P. W. M., Proisy, C., Lucas, R. M., & Rosenqvist, A. (2013). Mapping changes in the largest continuous Amazonian mangrove belt using object-based classification of multisensor satellite imagery. Estuarine, Coastal and Shelf Science, 117, 83–93. doi:10.1016/j.ecss.2012.10.005 Declaração de Belém - https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-presidencial-por-ocasiao-da-cupula-da-amazonia-2013-iv-reuniao-de-presidentes-dos-estados-partes-no-tratado-de-cooperacao-amazonica Mães do Mangue e Mangue Mãe - https://www.mulherespelosoceanos.com.br/post/m%C3%A3es-do-mangue-e-mangue-m%C3%A3e Relatórios dos Diálogos Amazônicos - https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/assuntos/dialogosamazonicos/relatorios #AmazôniaCosteira #CúpulaDaAmazônia #RedeRessoaPeloOceano #Ressoa #MarianaTrindade #CulturaOceânica #Rare #CiênciasdoMar
- Descomplicando: Escola Azul
Por Jana del Favero e Camila Keiko Takahashi Ilustração de Malu Coutinho Nós já descomplicamos aqui no Bate-Papo com Netuno a Cultura Oceânica, aquele movimento que começou nos EUA no início dos anos 2000 após ser notada uma lacuna sobre o oceano no ensino e que culminou na junção de educadores e cientistas do mar para desenvolver recursos pedagógicos para o ensino das ciências do mar (se você não lembra o que é cultura oceânica, pare e leia esse post aqui) Nós também já mostramos que a situação brasileira não é diferente do resto do mundo. A pesquisadora Carmen Pazoto e colaboradores estudaram os documentos que norteiam o ensino fundamental e médio no Brasil (Parâmetros Curriculares Nacionais, Base Nacional Curricular Comum, Referenciais Curriculares Nacionais) e notaram que de 640 mil palavras, apenas 19 eram relacionadas com o oceano e ambientes marinhos (temos post sobre isso). Até mesmo no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) o tema oceano é negligenciado, sendo que de 1.800 questões das provas de 2014 a 2021, apenas 46 abordaram a temática oceânica (confira esse nosso post também). Dentre os espaços educacionais não formais a disseminação da Cultura Oceânica pode ser feita através das artes (como o Projeto Somos do Mar), da ciência cidadã (já conhecem o De Olho nos Corais?) e redes sociais (o próprio Bate-papo com Netuno). Esses espaços educacionais não formais são importantes ao atingir um público amplo e diverso, porém eles podem ser de vida curta, acabam envolvendo menos pessoas que os espaços formais e, normalmente, o público atingido já estava ligado com alguma questão ambiental. Apresentação do espetáculo “Mar de Soluções” para alunos de uma escola pública de Itapoá - SC (foto cedida por Diulie Tavares /Projeto Somos do Mar com Licença CC BY SA 4.0) Por isso, ações em espaços educacionais formais são de suma importância. E é nesse contexto que entra o conceito Escola Azul, um programa educacional que tem como missão disseminar a Cultura Oceânica na comunidade escolar e criar gerações mais conscientes e participativas, que contribuam para a sustentabilidade do Oceano. Esse conceito nasceu em Portugal em 2017, como uma forma de trabalhar transversalmente o tema oceano dentro do currículo escolar. Hoje ele já existe em 16 países do Atlântico, em uma grande mobilização coordenada por três países (Brasil, Portugal e Argentina) chamada Rede Escola Azul Atlântico para disseminar o conceito Escola Azul nos países do Atlântico (iniciativa impulsionada pela Aliança Atlântica para a Pesquisa e Inovação - All-Atlantic Research and Innovation Alliance). No Brasil, o conceito Escola Azul aterrissou neste mesmo ano (2020), sendo coordenado pelo programa Maré de Ciências da UNIFESP, programa esse endossado pela Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, em parceria com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e apoio do British Council e UNESCO. Hoje já são 90 escolas por todo o Brasil, sendo que esse número não pára de crescer. Qualquer escola, pública ou privada, que estejam distantes ou perto da praia, pode se inscrever para ser uma Escola Azul, afinal somos todos influenciados pelo oceano. Para isso, ela vai precisar construir um projeto com a sua comunidade escolar que trabalhe o tema oceano de forma interdisciplinar, e considere sua realidade social, ambiental e econômica. À primeira lida pode parecer complexo, pois não há um projeto único para todas as escolas. Mas é importante lembrar que cada escola está inserida em uma realidade, e sua comunidade escolar é única. Conectar-se à ela e à cultura oceânica, identificar qual projeto é a cara da escola (maximizando o potencial de cada educador envolvido) e instigar a criatividade de cada participante, são etapas importantes de sensibilização para mudanças atitudinais e transformações duradouras em prol da sustentabilidade do oceano. A escola ainda pode fazer parceria com ONGs ou Institutos para que juntos construam o projeto, fortaleçam e apoiem as ações da Escola Azul, oferecendo cursos e capacitações, compartilhando materiais ou infraestrutura, promovendo ações complementares ou o que mais acordarem na parceria. Foi exatamente isso que o Instituto Mar Urbano fez com o Colégio Notre Dame – Ipanema, na cidade do Rio de Janeiro. Desde o ano passado eles estão trabalhando com os alunos e já realizaram diversas ações, como mini-cursos, visitas a espaços educativos, atividades físicas com pranchas de Stand Up Paddle feitas de garrafas PET que iriam para o lixo, entre tantas outras. Ricardo Gomes, diretor do Instituto Mar Urbano, dá uma aula para alunos do colégio Notre Dame na frente do quiosque do Espaço Azul, localizado na colônia de pescadores Z-13 em Copacabana, Rio de Janeiro (foto cedida por Nathan Lagares/ Instituto Mar Urbano com Licença CC BY SA 4.0) Tem mais! Neste ano de 2023, o programa Escola Azul convida todas as escolas da rede a participarem do edital Feira de Ciência para uma grande celebração da cultura oceânica no mês de outubro - mês da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - com feiras de ciência em suas escolas no tema cultura oceânica e ciências básicas para o desenvolvimento sustentável. Escolas Azul da rede pública que participarem do edital têm a oportunidade de concorrerem a prêmios em bolsas do CNPq para que no ano de 2024 desenvolvam Clubes de Cultura Oceânica em suas escolas. Quer saber mais sobre o Escola Azul? Quer ser um parceiro Escola Azul? Ou ficou interessado no edital Feira de Ciências? Entre em contato com a equipe do Maré de Ciências, eles estão preparados e dispostos para te ajudar a levar o oceano para as salas de aula, seja você um professor, um pesquisador ou um entusiasta. Sobre Camila Keiko Takahashi: Mãe da Mel e do Noah, possui graduação em Ciências Biológicas, com habilitação em Biologia Marinha pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestrado em Gerenciamento Costeiro e de Recursos Hídricos pelas Universidade de Plymouth e Universidade de Cadiz, atualmente cursa o MBA em ESG do Ibmec. Participante de diferentes movimentos e instituições, como a Liga das Mulheres pelo Oceano, Deep Blue Ambiental e Sociocracy For All, acredita na potência do coletivo e da educação na geração de mudanças positivas no mundo. Integrante da equipe do Maré de Ciência, atua diretamente nos programas Escola Azul e Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica. #Descomplicando #BatePapoComNetuno #EscolaAzul #MaréDeCiência #CulturaOceânica #Educação #Convidados #JanaMDelFavero