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Mulheres, ciência e o mar: navegar é preciso

Atualizado: 19 de nov. de 2020

Por Natália Roos


O meu contato com o mar começou muito cedo. Quando eu era criança, amava explorar o costão rochoso da pequena praia em que minha família costumava passar o veraneio, chamada Barreta, no Rio Grande do Norte. Naquela época, eu já conhecia vários peixinhos por seus nomes populares, porém, não imaginava que um dia chamaria o famigerado peixe “saberé” de Abudefduf saxatilis, ou o “peixe-gato” de Labrisomus nuchipinnis, e que o “peixe vermelho” que eu pesquei aos oito anos se tratava de um Holocentrus adscensionis. Eu costumava andar por todo o costão e nunca tinha medo de nada. Entre algumas insolações, arranhões e beliscões de siris, eu aprendi muita coisa observando a dinâmica daquele lugar. Mal sabia que todo aquele aprendizado seria muito útil vinte anos depois.


Eu nunca tive dúvidas de que trabalharia com algo relacionado ao meio ambiente e por isso escolhi cursar Ecologia. Por incrível que pareça, no início eu não pensava em trabalhar com ecologia marinha, o que agora me parece loucura: onde eu estava com a cabeça? A minha relação com o mar tinha adormecido. Somente quando entrei no mestrado, essa relação começou a aflorar novamente, e durante o doutorado, desabrochou de vez e muita coisa aconteceu.


Em abril de 2015 lá estava eu navegando rumo à minha primeira expedição na Reserva Biológica do Atol das Rocas para participar de um projeto de microchipagem de tartarugas marinhas. A reserva possui como chefe a Maurizélia Brito, mais conhecida como Zelinha, mulher forte com uma história incrível. O Atol das Rocas localiza-se a 266 quilômetros da costa de Natal/RN, e é o único atol do Oceano Atlântico Sul. Para chegar lá são necessárias 24 horas de navegação em uma embarcação tipo catamarã. Foi a primeira vez em que passei muitas horas em um barco e, assim como quando eu era criança, continuava sem medo de nada. Nessa época eu ainda não tinha muito conhecimento científico sobre peixes marinhos, mas aprendi como era uma expedição de um mês em um local totalmente isolado onde a água doce era só para beber; banheiro e banho, só no mar, dentre muitas outras coisas que só o isolamento em uma ilha proporciona.


Mais tarde, em julho de 2016, chegou a hora de fazer minha coleta de dados para o doutorado e junto com ela muitos desafios. O campo envolvia a realização de censos visuais de peixes em diversos ambientes recifais do Rio Grande do Norte através do mergulho autônomo, ou seja, com o uso de equipamentos de suprimento de ar. Detalhe: eu mal sabia mergulhar. Contei com a ajuda de várias pessoas, é claro, incluindo meu amigo e orientador Guilherme Longo, com quem muito aprendi. Mais uma vez, lá estava eu, sem medo de nada e navegando rumo ao desconhecido, literalmente. Não foi fácil: barco de pesca, cheiro de diesel, monta equipamento de um lado, vomita do outro, mergulha, e assim por diante. Na época, eu era a única mulher na equipe. Essa foi a minha rotina de trabalho de campo mensal durante praticamente um ano e meio. Apesar de não ter sido fácil, o conhecimento que adquiri nessa época foi enorme e transformador. Em pouco tempo, aprendi o nome científico de diversos peixes, corais, algas, esponjas e sobre as várias interações entre esses organismos, o que só aumentou o meu fascínio pelo mar. De quebra, aprendi de vez a mergulhar. Quando me dei conta, eu estava navegando em um mar de oportunidades.


O conhecimento adquirido durante o doutorado me abriu muitas portas. Tive a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, incluindo mulheres cientistas que muito admiro, dentre elas, Roberta Bonaldo, Mariana Bender e Beatrice Padovani. Também tive a oportunidade de voltar à Reserva Biológica do Atol das Rocas como parte da equipe do Projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração – Ilhas Oceânicas Brasileiras (PELD-iloc).


A expedição de 2019 no Atol ocorreu entre maio e junho e contou com a participação de três mulheres cientistas: eu, Tainá Gaspar e Isadora Cord; e do querido Jarian Dantas, funcionário da reserva que conhece o local há mais de vinte anos e estava lá para nos guiar. Durante a expedição realizamos diversas atividades, incluindo novos censos visuais de peixes, monitoramento da estrutura da comunidade bentônica e da saúde, branqueamento e recrutamento de corais, coleta de algas para extração de seus metabólitos, investigação do comportamento alimentar de peixes herbívoros, dentre outras. O Atol das Rocas abriga um ecossistema único importante para muitos organismos, incluindo tubarões, tartarugas marinhas, peixes recifais endêmicos, corais e aves marinhas. Voltar a este lugar único depois de quatro anos com um olhar diferente e novos conhecimentos, foi emocionante.


Pensando sobre a minha trajetória até aqui, tenho vontade de dizer a todas as mulheres (e serve para mim como um lembrete): vocês não imaginam do que são capazes! Eu pelo menos, não imaginava. Mas ao lembrar de mim aos oito anos de idade no costão rochoso, tudo parece fazer sentido. Nós, mulheres, passamos a vida sendo sistematicamente desencorajadas a fazer diversas atividades, mas saibam que o mar de possibilidades é infinito quando queremos algo e não temos medo – navegar é preciso!

 

Sobre Natália:

Ecóloga, doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Atualmente é pós-doutoranda no Laboratório de Ecologia Marinha (LECOM) da UFRN. Durante o doutorado, utilizou tributos bioecológicos, demografia e ferramentas moleculares com o objetivo de avaliar a vulnerabilidade do budião azul (Scarus trispinosus) e subsidiar ações para a conservação da espécie. Em seu tempo livre treina capoeira angola.



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