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  • Academia made me hard, but teaching gave me back my humanity…

    By Juliana Leonel English edit by Carla Elliff * post originally published in Portuguese on October 11, 2023 Illustration by Joana Ho   On my second day at university I already knew I wanted to pursue an academic career - years later, I discovered in therapy that I actually wanted to be a researcher since childhood, I’d just never seen one and didn’t know what to call this career. I went through my scientific initiation, I loved doing my end of course paper (in Brazil known as TCC, Trabalho de Conclusão de Curso ), earned a doctorate degree and was a postdoctoral fellow twice. I knew “everything” about doing research - emphasis on the quotation marks, because if there’s one thing we learn in science it’s that we never, ever will know everything… But I had little teaching experience.  During my postdoctoral studies, I had the opportunity to teach my first classes by myself (in postgraduate courses) and some shared experiences in undergraduate courses. But all I knew about “giving lessons” came from my own experience as a student. In other words, I never learned anything about teaching methods, nor did I know that a teaching plan was needed (or how to craft one). Back in my days as a student, teachers taught classes without showing us a schedule or course objectives, and would just let us know a few weeks in advance when the exam would take place (usually based mostly on memorization and very little actual critical thinking). More than that, the idea I developed throughout my training was that I had to hold very high standards and be demanding. I couldn’t give students any slack, change agreements, or make exceptions. After all, “if you can’t handle it, this isn’t the place for you”. How naïve and blind I was… life is so much more than just two extremes, there are so many nuances, and with them so many possibilities. Despite this, I can say that I’ve always had a good relationship with my students, or most of them. Although I lacked interpersonal skills, I taught good classes, with up-to-date content, and never refused to explain the material over and over again. However, teaching is much more than that. And it was the students who - fortunately - taught me this. And they did so without me really realizing it, they just showed me that each one is unique, that life stories are individual, that what they carry with them when they enter the classroom is much more than just a pencil and notebook, and that it is impossible - for them and for me - to ignore this. Worries, afflictions, and even joys don’t stay outside the classroom waiting for the lesson to end: they come with them and shape who they are. That's what makes them so special, so unique. And I, as a teacher, can’t expect to put everyone in the same box and reach the same results. Besides learning to respect each person’s individuality - without necessarily needing to know about it - I learned that I don’t need to be like the teachers I had or that I could draw inspiration from those who were exceptions to the rule and who stepped outside the “class - test” box. I learned that I could also change the format of my classes and assessments so that each student could give their best. I learned that I could give them the freedom to show me what they learned (or didn’t learn). I learned to listen and to observe more.  No, it wasn’t and easy process. I had to face the fact that “all that” I believed in might not be the best way to approach teaching. After accepting that change was necessary, I had to study and gradually applied this knowledge, testing new forms. But more important than the new teaching methods was opening myself up to understanding students beyond the individual sitting in front of me holding a pencil. And from then on, new bonds were formed and the classroom - which was already a place I felt comfortable in - made much more sense. Today, every semester I learn more and take with me the certainty that teaching, besides being a two-way process, is also a dynamic and constantly changing process. And as such, it is far from being a finished process. There is still much to learn. The effect of learning this extended beyond the classroom, it also helped me in my relationships with early-career researchers I supervise. In fact, they also played an important role in this change. By allowing myself this connection and listening to their experiences, pains, and afflictions I realized that this relationship is never just about the classroom, the lab workbench, or writing a paper together. We all leave a little or ourselves wherever we go and take a little of those who crossed our path. #ScientistLife #Teaching #Learning #JulianaLeonelChat

  • Reciclagem no Brasil: a gestão de resíduos e o papel dos nossos heróis invisíveis

    Por Nicole Soares e Julia Felitte Ilustração por Joana Dias Ho . O que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos? A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi criada em 2010 (Lei nº 12.305), mas só foi regulamentada 12 anos depois, em 2022. Ela trouxe uma nova perspectiva para a gestão de resíduos no Brasil. Seus princípios falam em consumo sustentável, proteção à saúde pública e responsabilidade compartilhada entre empresas, governo e consumidores. Ao responsabilizar os fabricantes, a PNRS introduz a logística reversa, quando a empresa recebe as embalagens pós consumo para reaproveitar e destinar os materiais. Já a responsabilidade dos consumidores está diretamente relacionada com o consumo consciente, a separação adequada de resíduos e a reciclagem, que somente pode ser eficiente no território nacional se o setor público promover coleta seletiva, tratamento, informações e disposição final adequada aos resíduos. Justamente nesse ponto está nosso calcanhar de aquiles. A existência da PNRS por si só não garante… quase nada! Então, o que falta? A Lei mencionada definiu prazos para a desativação dos lixões no país, de acordo com a realidade de cada município. Esse encerramento é muito importante, uma vez que esses espaços podem causar diversos problemas à saúde pública, como a proliferação de vetores de doenças, contaminação dos lençóis freáticos e riscos altíssimos de ferimentos aos catadores. Mesmo com todas essas problemáticas, milhares de municípios ainda convivem diariamente com lixões a céu aberto. De acordo com um relatório da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente, em 2022 foram descartados em média 33 milhões de toneladas de resíduos em pelo menos 3 mil lixões a céu aberto no Brasil (o equivalente a encher 233 Maracanãs!). A dificuldade na desativação dessas estruturas em nosso país é agravada pelas baixas taxas de reciclagem, de 3% a 4%, muito abaixo da média mundial, que é de cerca de 20%. Essa porcentagem é alarmante levando em consideração que o nosso consumo e geração de resíduos só vem aumentando ao longo dos últimos anos. Por que nem tudo é reciclado, mesmo sendo reciclável? Outros fatores, como a desvalorização de determinados materiais e a falta de compradores interessados em reciclá-los, também impactam negativamente a realidade local. Diversas embalagens que encontramos facilmente nas prateleiras do mercado apresentam baixo valor de mercado devido ao alto custo de processamento e dificuldade de reaproveitamento em escala industrial. Embalagens como pacotes de salgadinhos, por exemplo, misturam plástico e alumínio, combinação que dificulta a separação e encarece o processo, fazendo com que, na prática, quase sempre acabem no lixo comum. O isopor é outro caso preocupante. Embora seja tecnicamente reciclável, é volumoso e muito leve, o que encarece o transporte e exige bastante espaço nas cooperativas. Por isso, muitas vezes as indústrias não se interessam em comprá-lo. Sem equipamentos adequados para reciclar resíduos que exigem um processo mais complexo, toneladas desse material seguem para os aterros sanitários em vez de ganhar um novo uso. Um grande motivo para a falta de interesse na reciclagem por algumas empresas são os altos custos operacionais, sem incentivos fiscais adequados. Para efeito de comparação, de acordo com o Ministério da Fazenda, o agronegócio recebeu 158 bilhões de reais em isenções fiscais em 2024. Assim, a produção em massa de embalagens não reaproveitáveis e o conjunto de falta de políticas públicas eficazes, educação, incentivos, fiscalização e estruturação adequada para a reciclagem contribuem para que a maior parte dos resíduos sólidos acabe em aterros sanitários, ou até em lixões clandestinos. Heróis ambientais Sem dúvida, os profissionais que mais impactam o país quando falamos sobre o assunto são os catadores de resíduos recicláveis. No Brasil, de acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), são cerca de 800 mil trabalhadores em atividade. No mundo, de acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT) são mais de 15 milhões. Responsáveis por quase toda a reciclagem do nosso país, aproximadamente 90% de todo o material reciclado passa por suas mãos. Eles coletam, separam e classificam cada tipo de resíduo coletado, como papelão, papéis brancos, jornais, garrafas PET, plásticos rígidos, latas de alumínio, sucatas de ferro e aço e vidros, destinando-os corretamente para as empresas que irão reaproveitá-los. Em determinadas regiões, algumas cooperativas de coleta seletiva, que coletam os materiais recicláveis previamente separados, como a Coopercaps (em São Paulo) e a Centcoop (no Distrito Federal), têm feito bons avanços na união de esforços com grandes empresas para promover a estratégia chamada de logística reversa. Além das cooperativas estaduais existe também a Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), fundada em 2000. A Associação, que tem como objetivo defender os interesses dos trabalhadores da catação no Brasil, realiza atividades em 269 cidades ao longo de todos os estados brasileiros. Além disso, ela pode oferecer apoio técnico e financeiro aos catadores, atualmente integrando mais de 80 mil trabalhadores. Sem o trabalho desses profissionais, quase sempre invisíveis para a sociedade, a reciclagem no Brasil simplesmente não aconteceria. Eles são, de fato, os verdadeiros heróis ambientais. Porém, apesar de sua relevância, os catadores enfrentam diversos tipos de dificuldades e preconceitos, como a desvalorização social, a marginalização e condições precárias de trabalho. De acordo com dados do IPEA (2013) cerca de 66,1% dos catadores se autodeclaram negros ou pardos, adicionando discriminação racial a mais uma das inúmeras batalhas que enfrentam diariamente. Para melhorar as condições de vida e trabalho dos catadores, é imprescindível valorizar sua profissão. Isso passa pela regulamentação da atividade e pela garantia de direitos trabalhistas básicos. Recentemente, por exemplo, foi proposta a criação de um piso salarial nacional de dois salários mínimos. Mas apenas essa medida não resolve. É fundamental investir também em infraestrutura e dignidade no trabalho. Um exemplo prático é oferecer melhores condições de transporte para os materiais coletados, reduzindo o uso da força braçal e prevenindo lesões. Além disso, os catadores precisam estar presentes nas decisões que definem o futuro da reciclagem no Brasil, para que suas vozes sejam ouvidas e suas necessidades consideradas. Só assim será possível fortalecer o setor e garantir a inclusão real desses trabalhadores na sociedade. Interior de uma cooperativa no município de São Paulo. Foto: Nicole R. Soares Qual o nosso papel? Para contribuir com o futuro que queremos, nós consumidores, temos a função de separar e higienizar corretamente os recicláveis, destinar nossos resíduos no local e horários adequados, e buscar entender o que acontece quando a embalagem sai da nossa casa. Além disso, pequenos gestos de valorização aos profissionais que sustentam a reciclagem no Brasil, como oferecer uma refeição ou água, também podem fazer a diferença. É importante ressaltar que não devemos apenas pensar na reciclagem dos resíduos sólidos, principalmente provenientes das embalagens plásticas, mas também tentar mudar nossa cultura de consumo. É necessário reduzir o consumo desenfreado, optar sempre por produtos com maior reciclabilidade, e incentivar as pessoas ao redor que também repensem seus hábitos. Perguntas como “Eu realmente preciso de tudo isso? Como eu posso mudar meus hábitos de consumo? Para onde o “lixo” vai quando sai de casa?” são um bom jeito de começar. Sabemos que os itens “descartáveis”, especialmente os plásticos, são muito acessíveis e baratos para a indústria, mas, sempre que possível, é interessante buscar alternativas ao uso desses materiais, que não são reciclados, e considerar também dar novos usos ao produto antes de descartá-lo. E, somente quando não houver alternativas de uso, descartar o material de maneira correta. Além disso, o decreto regulamentador da PNRS aborda também o importante tema de educação ambiental na gestão de resíduos sólidos, trazendo a obrigação do governo em promover ações educativas para todos os envolvidos no ciclo dos resíduos, desde sua fabricação até o descarte. Porém, podemos também buscar por essas iniciativas em nossos municípios, ou até mesmo iniciar nossas próprias! Na cidade de São Paulo o Movimento Recicla Sampa , iniciado em fevereiro de 2019, resulta de uma parceria entre Prefeitura, algumas empresas de coleta ( Loga  e Ecourbis ) e a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb). A iniciativa possui um site onde você pode aprender a reciclar de um jeito simples, ver curiosidades sobre reciclagem e até mesmo descobrir quando a coleta seletiva passa na rua mais próxima à sua casa! Além disso, o movimento tem um instagram bem ativo com conteúdos de educação ambiental, informações sobre reciclagem, coleta seletiva e ações realizadas na cidade. Para conhecer melhor o Recicla Sampa, acesse o site: www.reciclasampa.com.br .   Exemplos de páginas disponíveis no site reciclasampa.com.br Referências bibliográficas ANCAT - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS. ANCAT. [S.l.]: ANCAT, 2024. Disponível em: https://www.ancat.org.br . Acesso em: 30 out. 2024. BERTÉ, Rodrigo; PELANDA, André Maciel. A importância dos catadores de materiais recicláveis. ln: UNINTER. CNU Central de Notícias UNINTER. [S.l.], 3 mar. 2023. Disponível em: https://www.uninter.com/noticias/a-importancia-dos-catadores-de-materiais-reciclaveis#:~:text=A%20participa%C3%A7%C3%A3o%20dos%20catadores%20no,novos%20produtos%2C%20e%20causam%20menos . Acesso em: 29 out. 2024. BRASIL. Decreto nº 10.936, de 12 de janeiro de 2022. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D10936.htm . Acesso em: 29 out. 2024. BRASIL. Decreto nº 10.936, de 12 de janeiro de 2022. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2022/decreto-10936-12-janeiro-2022-792233-publicacaooriginal-164412-pe.html . Acesso em: 29 out. 2024. BRASIL, Emanuelle. Comissão aprova piso salarial de dois salários mínimos para trabalhador essencial de limpeza urbana. Agência Câmara de Notícias, 7 dez. 2023. Trabalho, previdência e assistência. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1024060-COMISSAO-APROVA-PISO-SALARIAL-DE-DOIS-SALARIOS-MINIMOS-PARA-TRABALHADOR-ESSENCIAL-DE-LIMPEZA-URBANA . Acesso em: 29 out. 2024. BRITO, Letícia; GERAQUE, Eduardo; RAJÃO, Guilherme. Catadores são parte fundamental para a reciclagem, dizem especialistas. CNN Brasil, 6 set. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/catadores-sao-parte-fundamental-para-a-reciclagem-dizem-especialistas/ . Acesso em: 29 out. 2024. FERREIRA, Cristiano Nicola; OLIVEIRA, Gerson de Lima. O potencial da reciclagem no Brasil de geração de trabalho e renda. Agência GOV, 6 jul. 2024. Trabalho e Emprego. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202407/o-potencial-da-reciclagem-no-brasil-de-geracao-de-trabalho-e-renda . Acesso em: 29 out. 2024. IBAMA. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/emissoes-e-residuos/residuos/politica-nacional-de-residuos-solidos-pnrs . Acesso em: 29 out. 2024. IPEA. Desafios da gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/217-residuos-solidos-urbanos-no-brasil-desafios-tecnologicos-politicos-e-economicos . Acesso em: 29 out. 2024. MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. 14 anos da PNRS e fim dos lixões no Brasil: realidade ou horizonte distante? Disponível em: https://mppr.mp.br/Noticia/14-anos-da-PNRS-e-fim-dos-lixoes-no-Brasil-realidade-ou-horizonte-distante . Acesso em: 29 out. 2024. PANORAMA Ipea - Situação social dos catadores. [S.l.: s.n.], 2016. 1 vídeo (26 min). Publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XQgWrF1F2VI . Acesso em: 29 out. 2024. PREFEITURA DE SÃO PAULO. Cidade de São Paulo oferece alternativas para descarte de resíduos e destinação ambientalmente correta. Portal da Prefeitura, 2024. Disponível em: https://capital.sp.gov.br/web/butanta/w/noticias/99560 . Acesso em: 30 out. 2024. RECICLA SAMPA. Aprenda a reciclar. Recicla Sampa, 2024. Disponível em: https://www.reciclasampa.com.br/aprenda-a-reciclar . Acesso em: 30 out. 2024. PLANALTO. Lei 12.305/2010 - Política Nacional de Resíduos Sólidos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm . Acesso em: 29 out. 2024. Sobre as autoras: Nicole é graduanda em Oceanografia pelo IO-USP e bolsista no projeto “Descomplicando Netuno: ampliando a cultura oceânica nas escolas”, coordenado pela Profª Dra. Cláudia Namiki, que foca na produção de conteúdos acessíveis sobre oceanografia para jovens. Idealizadora do projeto de extensão “Oceano para Todos” (@oceano.para.todos), voltado à promoção da cultura oceânica em comunidades próximas à USP. Atua em áreas voltadas à educação ambiental, produção de materiais didáticos, e a conexão entre ciência e sociedade. Já participou do Projeto Ecosteiros (IB-USP) e do Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar), desenvolvendo atividades com públicos variados. Júlia é estudante de bacharelado em Oceanografia na Universidade de São Paulo, amante da educação ambiental. Já trabalhou com divulgação científica e hoje está inserida em projetos relacionados à cultura oceânica e estudo de meio. Além disso, é bolsista no Projeto Ecosteiros, do Instituto de Biociências da USP. Júlia e Nicole elaboraram este texto como projeto da disciplina “Divulgação Científica e cultura Oceânica”, ministrada pela Prof.ᵃ Dr.ᵃ Cláudia Namiki, do curso de Bacharelado em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. #Descomplicando #Reciclagem #ResíduosSólidos #Convidados

  • Código de conduta: seu evento precisa de um!

    Por Juliana Leonel Eventos científicos, de extensão e de formação são comuns para as pessoas que trilham uma carreira nas ciências do mar - e para muitas outras áreas também. Nesses eventos, há equipes responsáveis pela organização e há os participantes - alguns poucos ou milhares, a depender do evento; todos com suas histórias, culturas, aprendizados e, consequentemente, com suas próprias opiniões sobre os mais variados assuntos e comportamentos. O que parece simples ou muito claro para uma pessoa, nem sempre o é para a outra. Isso funciona tanto para um conhecimento específico como para um comportamento. Infelizmente, isso também se aplica à forma de se portar das pessoas e o que elas entendem como “limite de respeito aos demais”. Particularmente, eu acho que respeito é respeito e ponto final; que não tem o que ser discutido. Mas, ao mesmo tempo, aprendi que isso nem sempre funciona dessa forma e que, para evitar problemas maiores e mais graves, é necessário estabelecer regras. Abaixo listarei apenas algumas regras que considero inegociáveis: “Não comentar sobre o corpo de uma mulher.” “Não fazer comentários racistas.” “Não ter um comportamento homofóbico.” As frases acima são apenas alguns exemplos de regras de conduta que parecem óbvias e que poderíamos facilmente imaginar que não seria necessário pedir/explicar para ninguém sobre isso. Mas, na prática, não funciona bem assim. Sempre vai ter alguém (ou alguénS) para dizer: “Mas foi só uma piada.” “Era brincadeira.” “E a minha liberdade de expressão?” Mas e aí, o que fazer para estabelecer regras mínimas de boa convivência e evitar situações como essas? Uma sugestão simples seria estabelecer um código de conduta. Pode parecer uma medida até simples demais, que não vai impedir alguém de ser desrespeitoso/a ou até mesmo de cometer um assédio. Mas o objetivo de um código de conduta não é ser um escudo a todo e qualquer comportamento inadequado. Ele serve para alertar as pessoas de forma transparente sobre o comportamento mínimo esperado naquele ambiente. Pode, inclusive, esclarecer para quem não saiba quais são os limites de uma interação assediadora. E, uma vez que elas estão cientes e de acordo, saberão que podem ser penalizadas caso descumpram o estabelecido. No caso de um evento, essa punição pode significar ser convidado a se retirar do local, não poder participar dos próximos, não receber auxílio financeiro, etc. Adicionalmente, o código de conduta também auxilia a equipe organizadora sobre como lidar e responder em situações de comportamento inadequado. Se você já está pensando que escrever um código de conduta dá trabalho, e que parece algo bastante burocrático, que tal começar com algo bem simples, como: Neste evento, prezamos por relações de respeito entre as pessoas. Atenção a algumas regras de convivência: Seja gentil e respeitoso. Não assedie ou importune as pessoas. Não seja preconceituoso, respeite a diversidade de gênero, raça, nacionalidade, etnias. Não serão tolerados comportamentos que deixem outras pessoas constrangidas. As possíveis implicações são: [detalhar o que combina melhor com o seu tipo de evento, demos alguns exemplos acima]. O importante é deixar claro o que não vai ser tolerado naquele espaço. E, com o tempo, o texto poderá ser melhorado. Você deve inclusive incluir seu código de conduta no momento das inscrições e/ou fase de seleção, para o seu evento. As pessoas interessadas em seu evento deverão clicar aceitando as condições de convivência, como forma de dar ciência sobre o assunto. Além das regras mínimas de convivência, o código de conduta ainda pode incluir: como fazer a denúncia, quais as consequências se quebrar o código de conduta etc. O cógido de conduta vai muito além de incentivar as pessoas a respeitarem umas às outras, ter um código de conduta pode ajudar as pessoas que passaram por situações de assédio, importunação e discriminação a se sentirem mais seguras para participar do evento. Você já reparou se nos eventos que participa há um código de conduta? #AssédioNão #VidaCientista #Respeito #EventosCientíficos

  • New Ocean

    Por  Leonardo Cusatis * texto publicado originalmente em julho de 2025 no site http://www.atlantis-t.org/newocean.html O Oceano ainda esconde incontáveis mistérios. Essa última fronteira do nosso planeta nos desafia a ousar, a questionar modelos ultrapassados, a rasgar as malhas da rede do conformismo, a quebrar velhos paradigmas, a furar a bolha do “publicentrismo”, a sair da periferia, a romper monopólios, a pensar fora da caixa, a superar o complexo de vira-lata e mergulhar de cabeça até o abismo mais profundo, em busca do conhecimento.   O Brasil precisa de um centro de pesquisa oceânica, privado, independente, sem fins lucrativos, com projetos ousados e criativos que acelerem o conhecimento do nosso Oceano. Internacionalizado, engajado no movimento O pen Science  e alicerçado em inovação tecnológica. Alguns desses projetos já existem e estão em desenvolvimento no LabTecMar. É preciso trabalhar em um ambiente que privilegie a ousadia, a criatividade, a intuição, o “olhar de canto de olho”, o pensamento disruptivo, a night science oceânica ! É isso que César Lattes, que no ano passado completaria 100 anos, quis dizer em uma das suas últimas entrevistas: “É preciso que haja também um ambiente criador…”. Einstein também pensava nesse sentido: “Eu acredito na intuição e na inspiração. A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimulando o progresso, gerando a evolução. Ela é, rigorosamente falando, um fator real na pesquisa científica”. As próximas décadas exigirão a criação de novas tecnologias para os desafios que a pesquisa oceânica enfrentará. A robótica (turbinada com IA) será uma das principais ferramentas. O LabTecMar já está desenvolvendo, há mais de uma década, algumas dessas tecnologias, com muita resiliência e determinação. É preciso democratizar a pesquisa oceânica criando tecnologias mais baratas e acessíveis, para acelerar a exploração e o conhecimento do nosso vasto Oceano, em especial das planícies abissais, onde apenas 0,001% já foram visualizadas. O trabalho desse novo Centro de Pesquisas também irá gerar material para um fantástico programa de divulgação científica, que poderá ser comparável ao da exploração espacial. É fundamental divulgar a ciência oceânica para atrair novos pesquisadores nas áreas de STEM (voltada ao oceano) e, ainda, despertar a cultura oceânica nesta e nas próximas gerações. Mas de onde virão os recursos? Será criado um Fundo particular para captação de doações nacionais e internacionais de grandes doadores, o chamado Venture Philanthropy , semelhante ao do Instituto Serrapilheira. O mecenato científico deve ser mais estimulado e divulgado no nosso país. Vamos aproveitar o movimento mundial do The Giving Pledge, no qual bilionários prometem doar parte de suas fortunas ainda em vida. Faz bem fazer o bem! Um detalhe importante: o dinheiro desse Fundo não poderá ser usado, apenas os juros poderão ser utilizados, e também, as doações poderão ser resgatadas, com correção monetária, caso os doadores acharem que os resultados não foram os esperados. Aproveitando, gostaria de fazer um convite a esses grandes doadores para entrarem em contato com o LabTecMar. O Instituto Woods Hole começou assim, há mais de 90 anos, com fundos da filantropia, criando seus próprios equipamentos e com isso gerando pesquisas inéditas. Hoje é a mais importante instituição privada de pesquisa oceânica do mundo. Esse novo Centro terá a forma de um Observatório Oceânico onde as engenharias trabalharão em sinergia com as pesquisadoras e os pesquisadores oceânicos e também com os futuros oceanautas, desenvolvendo tecnologias inéditas e, consequentemente, pesquisas oceânicas inéditas. Será incentivada a igualdade de gêneros nos cargos de pesquisa e direção, dando também condições às pesquisadoras de conciliarem a maternidade com a pesquisa. Tudo com uma gestão científica profissional. Será um presente para a Década do Oceano. Ainda temos meia Década para concretizar esse sonho! No último parágrafo do último capítulo do livro: “Fronteiras do Conhecimento em Ciências do Mar”, o nosso saudoso Professor Paulo Lana escreveu: “Acredito que a ideia de que podemos resolver os grandes problemas da ciência e da sociedade de forma linear e disciplinar está teórica e metodologicamente ultrapassada. As pessoas, grupos de pesquisa e instituições que derrubarem esse paradigma estarão na crista da onda para produzir conhecimento novo e relevante”. Vamos “surfar” na crista dessa onda?! A imaginação é o limite! Sobre o autor: Sou formado em Ciências Biológicas pela UFPR, sou Inventor e fundador do LabTecMar, que desde 2011 desenvolve novas tecnologias para pesquisa e exploração oceânica. E antes de tudo sou um visionário. Participei de dois cruzeiros oceanográficos a bordo do saudoso Besnard. Foi quando fui definitivamente “fisgado por Netuno”. Minha missão é colaborar para a criação de um Centro de Pesquisa Oceânica, particular e independente, no Brasil. #CiênciasDoMar #CentroDePesquisasMarinhas #PesquisaETecnologia #CiênciaEInovação #DécadaDoOceano #Convidados

  • Demystifying Ocean Literacy

    By Mari Andrade and   Jana del Favero English edit by Carla Elliff * post originally published in Portuguese on September 15, 2020 Knowing and understanding the ocean's influence on us and our influence on the ocean: this is the essence of Ocean Literacy . Here in Brazil, we call this “ Cultura Oceânica ”, which translates more directly as “ocean culture” - we’ll explain more about this translation in a moment. It may seem like a strange combination of words at first, but culture and the ocean are closely related. Ocean Literacy is about engaging people to reconnect with the ocean, in a relationship based on quality knowledge , accessibility, ecosystem and cultural diversity, and behavior change.  Where did this all come from? The desire to gather elements to support this aspiration for reconnection began in 2002, when education professionals and marine scientists came together in the US to develop pedagogical resources for teaching marine sciences.  Education professionals identified this gap in teaching and managed to mobilize research institutes to address this demand at conferences and technical meetings between 2003 and 2004. This was an important step in identifying the need to bring "the next generation of scientists, fishers, farmers, businesspeople, and political leaders" closer to the sea. In other words, the discussion of humanity's relationship with the ocean had enormous potential and, therefore, needed to overcome the waves and navigate other seas, with a diversity of stakeholders. This is how the term Ocean Literacy emerged, and in 2004 itself, there was an effort to define its fundamental principles and concepts, which then began to be addressed at conferences every two years in the US. ⠀ A few years later, Ocean Literacy crossed the Atlantic and arrived in Europe, joining the discussions on education and scientific outreach taking place there. Since 2011, projects, events, and international cooperation agreements have begun to consider Ocean Literacy as a crucial topic in Marine Sciences. The urgency to address it has made Ocean Literacy an intergovernmental issue. Thus, UNESCO and the Intergovernmental Oceanographic Commission have taken on the responsibility of stimulating this global discussion and developing tools for its implementation. With the launch of the 2030 Agenda in 2015 and the announcement of the Decade of Ocean Science for Sustainable Development  in 2017, the challenge of incorporating this concept here in Brazil has been taken on. Ocean Literacy in Brazilian seas The first task we had here was to translate the term Ocean Literacy. Literacy is an English term that emerged in the 19th century to define the "ability to read and write." Since then, it has been used as "competence or knowledge in a certain area" or "alphabetization". ⠀ This term exists in Portuguese, as the word literacia , and has more or less the same meaning. In Portuguese from Portugal, speaking of literacy is more common than in Brazil. In Brazilian Portuguese, the term can convey the idea that we need to be "literate," experts in the subject. But this contradicts the purpose of reconnecting people with the ocean, which is meant to be democratic and free for everyone. Ocean Literacy for All toolkit in Portuguese So we went through literacia do oceano , literacia azul , educação marinha , alfabetização dos mares , and other variations of the term in Brazilian Portuguese. It wasn't until 2019 that the term Cultura Oceânica  (“Ocean Culture”) was adopted, when a Portuguese version of the IOC-UNESCO Ocean Literacy for All toolkit  was released. This provided much of the inspiration for this text, at an event organized by the Maré de Ciência (Tide of Science)  project. Culture is a complex term, with many dimensions and meanings. But in every way, it brings a sense of connection and responsibility that are important and meaningful to Brazil.  ⠀ What is ocean literacy about? But how do we connect people with the ocean? What can we talk about? Where should we begin? All the discussions over the past few years have provided some fundamental principles , which are basic topics described in the toolkit as starting points for marine conversations. They are: ⠀ Earth has a global and very diverse Ocean. The Ocean and marine life play a strong role in Earth's dynamics. The Ocean exerts a significant influence on climate. The Ocean makes Earth habitable. The Ocean supports an immense diversity of life and ecosystems. The Ocean and humanity are strongly interconnected. There is much to discover and explore in the Ocean. ⠀ The toolkit provides innovative tools, methods, and resources to help educators and learners around the world understand these complex ocean processes and functions, and to raise awareness of the most pressing issues within the topic. While these principles are the result of recent research in ocean science, for communication and connection to occur, it is crucial that other types of knowledge be incorporated, fostering opportunities to recognize regionalities and people, which are so diverse here in Brazil. Ocean literacy helps us situate society in its current relationship with the sea and guide it toward treating the ocean with respect in the present to ensure the same opportunities for future generations. It's high time the ocean was part of our conversations, right? About the guest author: Mari Andrade Mariana researches and communicates participatory processes for ocean conservation. She is a member of the National Governance Committee, an All-Atlantic Youth Ambassador in Brazil ( @queridoatlantico  / @AllAtlanticYouth) and co-founder of @bloom.ocean : an agency for change for people, projects, and businesses connected to the ocean. She is also a researchers for the São Paulo Strategic Plan for Monitoring and Assessment of Marine Litter , contributes to the Marine Science Entrepreneurship Working Group ( @gtecienciasdomar ) and is an advisor to the Women’s League for the Ocean ( @ligadasmulherespelosoceanos ). This text is based on a series of posts about Ocean Literacy that Mariana wrote for @queridoatlantico. #OceanDecade #UN #SustainableDevelopment #MCTI #UNESCO #IOC #JanaDelFaveroChat #GuestAuthors #DemystifyingNeptune

  • O impacto silencioso das espécies exóticas invasoras: o que está em jogo nos ecossistemas insulares?

    Por Millena Barreto Hoffmann  Você sabia que algumas espécies (às vezes algumas mais comuns e carismáticas como os gatos domésticos), podem representar uma ameaça real à biodiversidade e à vida humana? Ilustração por Joana Dias Ho . Embora a maioria de nós as considere parte do cotidiano, espécies exóticas , quando introduzidas em novos ambientes, podem causar estragos incalculáveis. O que são essas espécies? O que acontece quando elas são introduzidas em sistemas insulares, como o arquipélago de Fernando de Noronha? E como isso afeta diretamente os serviços que a natureza nos oferece, como o turismo, a regulação do clima e os recursos naturais essenciais para nossa sobrevivência? Em um recente estudo  publicado na revista Ecosystem Services, investigamos como  quatro espécies exóticas invasoras – o gato doméstico ( Felis catus ), o teiú ( Salvator merianae ), o rato-preto ( Rattus rattus ) e a árvore leucena ( Leucaena leucocephala ) – impactam serviços ecossistêmicos  vitais. (A) Gato doméstico ( Felis catus ) predando o lagarto mabuia (Foto: Guilherme Tavares Nunes); (B) leucena (Leucaena leucocephala ) (Foto: Evandro Jolkowski); (C) rato-preto ( Rattus rattus ) (Foto: Milos Andera); e (D) teiú ( Salvator merianae ) predando um filhote de tartaruga marinha (Foto: Elizeu Souza Júnior). Licença Creative Commons (CC BY). Como as espécies exóticas invasoras alteram os ecossistemas? Para aprofundarmos isso, precisamos entender que espécies exóticas são aquelas introduzidas em um ambiente fora de sua área de distribuição natural (geralmente por ação humana). Quando se estabelecem e proliferam, podem causar impactos ambientais, econômicos e até ameaçar a saúde pública, denominadas portanto como espécies exóticas invasoras .   Os serviços ecossistêmicos, por sua vez, são os benefícios que a natureza proporciona às pessoas, incluindo a regulação do clima, a provisão de recursos naturais e as oportunidades de lazer e turismo. As espécies exóticas invasoras impactam os serviços ecossistêmicos de diversas formas. Por exemplo, quando uma planta invasora reduz o habitat ecológico de plantas nativas cruciais na regulação de temperatura e precipitação local; ou quando competem com espécies nativas que fornecem recursos alimentares, como frutas e peixes, diminuindo sua disponibilidade; além disso, as invasoras podem alterar a paisagem, tornando o ambiente menos atrativo para o turismo. No caso de Fernando de Noronha, os efeitos das invasoras são intensificados pela característica da ilha. A proliferação e distribuição dessas espécies são facilitadas pelo seu isolamento geográfico, enquanto as espécies nativas possuem mecanismos de defesa mais limitados contra elas. O estudo identificou 21 serviços ecossistêmicos na ilha, divididos em três categorias: provisão (recursos essenciais), regulação e manutenção (processos ecológicos) e culturais (valores históricos e turísticos). Veja exemplos do impacto de algumas espécies em Fernando de Noronha: O gato doméstico  foi introduzido no arquipélago possivelmente durante o século XVII e atualmente conta com uma população estimada em 1.287 indivíduos na ilha principal, sendo 439 selvagens. Destacam-se como um dos principais responsáveis pelos impactos negativos na fauna nativa, como aves (como o sebito e a cocoruta) e répteis (como a mabuia), além de ser um potencial transmissor de doenças, como a toxoplasmose.  O rato-preto , introduzido possivelmente no século XVI após os primeiros exploradores europeus, também representa uma ameaça significativa, competindo por recursos e servindo como vetor de doenças. Atualmente, esses ratos são encontrados nas ilhas principais e secundárias, mesmo em regiões isoladas e desprovidas de atividade humana. O teiú , foi documentado pela primeira vez em 1950, mas provavelmente chegou antes, potencialmente introduzido para controle de ratos (como os gatos) ou como fonte de alimento de emergência. Os teiús são agora os predadores mais abundantes na ilha, predando uma variedade de espécies nativas, incluindo filhotes de tartarugas.  Já a leucena , uma árvore invasora, foi introduzida intencionalmente para fins como forragem e sombreamento. Desde então, essa espécie se tornou a planta invasora mais disseminada na ilha, reduzindo severamente o espaço para a vegetação nativa, impactando toda a cadeia ecológica. O que afinal descobrimos no estudo? Os resultados do estudo indicam que todas essas espécies causam perdas significativas nos serviços ecossistêmicos da região, afetando processos ecológicos essenciais, como a polinização e a diversidade genética, além de comprometerem serviços culturais que sustentam a economia local, como o turismo. Embora a leucena apresente alguns benefícios pontuais, como a proteção contra erosão, sua expansão descontrolada sufoca espécies nativas essenciais para o equilíbrio ecológico. Para avaliar esses impactos, utilizamos abordagens inovadoras, combinando a Avaliação de Efeitos de Espécies Invasoras (INSEAT) com modelos do software InVEST, o que permitiu mapear as áreas mais vulneráveis à perda de serviços ecossistêmicos. As zonas de vegetação primária, que abrigam as espécies nativas, foram identificadas como as mais ameaçadas, e esse resultado é fundamental para embasar planos de manejo nas unidades de conservação. Com essas informações, é possível direcionar ações mais eficazes para o controle das espécies invasoras e a conservação dos ecossistemas locais. Qual é a solução para esse problema crescente? Os achados da pesquisa reforçam a necessidade urgente de estratégias integradas para o controle de espécies exóticas invasoras em Fernando de Noronha.  É crucial considerar tanto a conservação da biodiversidade quanto a percepção da comunidade local. A gestão dessas espécies é essencial para proteger a biodiversidade nativa e manter os serviços ecossistêmicos.  Por isso, priorizamos o manejo de alto impacto para gatos domésticos e ratos-pretos, focando ações em áreas vulneráveis, como as primitivas. Além disso, é essencial preencher lacunas de pesquisa, especialmente sobre a leucena, para entender seus papéis ecológicos e informar o manejo direcionado. Mais do que nunca, devemos promover o monitoramento contínuo e a educação ambiental. Isso garante que escolhas públicas e governamentais sejam feitas com responsabilidade e conhecimento, garantindo que o patrimônio natural de Fernando de Noronha – e de tantos outros ecossistemas – não seja irreversivelmente comprometido.  Esforços futuros também devem quantificar valores econômicos e culturais dos serviços ecossistêmicos afetados, usando ferramentas como INSEAT e InVEST.  Isso refinará avaliações e apoiará decisões baseadas em evidências. Ao adotar uma abordagem integrativa, reforçamos a relevância global de combater os impactos das espécies exóticas invasoras, apoiando a conservação e a resiliência dos ecossistemas insulares. O artigo completo foi publicado na revista Ecosystem Services e pode ser acessado pelo link: https://doi.org/10.1016/j.ecoser.2025.101703   Referências / Sugestão de leitura: Carleton, M.D., Olson, S.L., 1999. Amerigo Vespucci and the rat of Fernando de Noronha: a new genus and species of Rodentia (Muridae: Sigmodontinae) from a volcanic island off Brazil’s continental shelf. Am. Museum Novitates 3256, 1–59. Dias, R.A., Abrahao, C.R., Micheletti, T., Mangini, P.R., Gasparotto, V.P.O., Pena, H.F.J., Ferreira, F., Russell, J.C., Silva, J.C.R., 2017. Prospects for domestic and feral cat management on an inhabited tropical island. Biol. Invasions 19, 2339–2353. Fonseca, F.S., Mangini, P.R., Mello, T.J., Araújo, R., Silva, J.C.R., Micheletti, T., 2021. Feral cat population rises on Fernando de Noronha archipelago: wildlife needs different cat control approaches, and needs it now. Biodiversidade Brasileira 11, 1–9.   https://doi.org/10.37002/biobrasil.v11i3.1888 . IPBES. 2023. Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services - Summary for policymakers of the thematic assessment report on invasive alien species and their control of the intergovernmental science-policy platform on biodiversity and ecosystem services. Roy, H. E., Pauchard, A., Stoett, P., Renard Truong, T., Bacher, S., Galil, B. S., Hulme, P. E., Ikeda, T., Sankaran, K. V., McGeoch, M. A., Meyerson, L. A., Nunez, M. A., Ordonez, A., Rahlao, S. J., Schwindt, E., Seebens, H., Sheppard, A. W., Vandvik, V. (Eds.). Bonn: IPBES secretariat. DOI: 10.5281/zenodo.7430692. Mello, T.J., Oliveira, A.D., 2016. Making a bad situation worse: an invasive species altering the balance of interactions between local species. PLoS One 11, e0152070.   https://doi.org/10.1371/journal.pone.0151707 .   Sobre a autora: Graduada em Ciências Biológicas com Ênfase em Biologia Marinha e Costeira (UERGS/UFRGS) e atualmente mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia (UFRGS), Millena já investigou os efeitos de espécies invasoras em Fernando de Noronha e atuou como IC no projeto "Uso tridimensional por aves marinhas e peixes-voadores no arquipélago de São Pedro e São Paulo". Atualmente, realiza sua pesquisa de mestrado sobre a ecologia individual de aves marinhas contaminadas no Arquipélago dos Abrolhos.  Apaixonada pelo mar, pratica natação sempre que possível para manter o contato com a água. Além disso,  acredita que a ciência só tem valor quando compartilhada, dedicando-se também à educação ambiental e divulgação científica. Para contato, seu e-mail é millenahoffmann@gmail.com . #Convidados #CiênciasDoMar #EspéciesInvasoras #FernandoDeNoronha #Biodiversidade #ServiçosEcossistêmicos

  • Crônicas de um assediador

    Por Anônimas Este post é uma coletânea de citações de mais um pesquisador homem cis hetero branco, influente na oceanografia brasileira. Coordena um laboratório muito bem equipado, publica artigos nas melhores revistas internacionais, às custas do sofrimento de muita gente, especialmente mulheres. São muitos anos deixando um rastro de maus tratos em seus orientandos e orientandas.    " Você vai entregar tudo atrasado, como sempre? " " Vê se não vai engravidar durante o doutorado, uma aluna minha engravidou e foi péssimo, vai estragar sua carreira. " “ Hoje você veio trabalhar de mulherzinha? ” [Porque eu estava usando saia] " Estou inclinado a não renovar sua bolsa porque você não tem bom rendimento. Mas como você depende da bolsa para pagar seu aluguel, pensei em renovar só por alguns meses. " [Eu havia concluído um pós doc em outro estado e havia me mudado apenas para fazer o pós doc com esse professor]  " Já tive determinado pós doc que publicou 10 artigos em 1 ano, e você ainda não terminou o seu. " " Melhor não defender sua tese, você será reprovada. " [Uma semana antes da defesa que foi aprovada] " Bolsista de doutorado não tem férias, esse mês que você tira pra ir visitar sua família uma vez por ano vai te prejudicar, se precisar de prorrogação de prazo, eu não vou autorizar. " [Porque eu queria visitar minha família uma vez por ano]   " Você ganha muuuuuuito bem. Sua bolsa é quase o valor do meu salário. " [Ele ganhava 5x mais do que eu] " O ar condicionado quebrado não é motivo para não trabalhar presencialmente. O calor vai ajudar a emagrecer. " " Você é muito lenta no trabalho. " " Hoje vou dar uma de [meu nome] e vou embora cedo. " [Eu chegava no laboratório às 7h da manhã e saía às 16h para evitar o trânsito] " Você tem que dar conta de tudo, aqui é assim, as prioridades mudam e você tem que dar os resultados que preciso. " [Quando questionei as mudanças constantes de atividades e prazos] " Vem olhar aqui o café fraco que você fez. Não acredito que você toma café assim na sua casa. " " Seu projeto não é forte o suficiente para passar na Agência X  eu sugiro que desista. " [Meu projeto foi aceito e obtive a bolsa] " Seus resultados estão atrasados porque viajou no final do ano. " [Fui visitar minha família pois fazia dois anos que não ia] “ Você precisa melhorar esse sotaque. Assim nunca vai passar num concurso. ” E, mesmo no silêncio, o assédio se fez presente: Fez parceria com outros autores sem me incluir na autoria de um trabalho idealizado por mim. Negligenciou as necessidades da equipe que gera toda aquela ciência que impulsiona sua carreira.  Não reconhecia a importância do meu trabalho. Não pediu desculpas a nenhuma de nós. Será que algum dia ele vai entender o mal que nos fez? #MulheresNaCiência #AssédioMoral #ConstrangimentoNoTrabalho #Machismo

  • Os polvos podem brincar? O que nos ensina o documentário Professor Polvo

    Por  Nayara Almeida Amed Você já assistiu o documentário “Professor Polvo”? Ele foi lançado em 2020 e foi ganhador do Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem em 2021. Dirigido por Pippa Ehrlich e James Reed, o longa mostra a história real de Craig Foster, um cineasta que mergulha todos os dias, durante quase um ano, para visitar um polvo fêmea em uma floresta de algas na África do Sul. Com o tempo, o polvo começa a confiar nele, e o que vemos é uma relação muito curiosa – e surpreendente! Um dos comportamentos mais diferentes observados nesse período foi a brincadeira. Mas será que um polvo pode mesmo brincar?  Os polvos são moluscos do grupo dos cefalópodes, conhecidos por sua inteligência e habilidades incríveis. Eles têm um sistema nervoso muito desenvolvido: um polvo adulto tem cerca de 500 milhões de neurônios, sendo que a maior parte está espalhada pelos tentáculos! Para comparar, caramujos, que também são moluscos, possuem só cerca de 20 mil neurônios. Além da quantidade, a organização dos neurônios nos polvos também impressiona. Eles têm uma parte do cérebro chamada lobo vertical, importante para a memória e o aprendizado, o que ajuda a explicar seus comportamentos complexos, tal qual a brincadeira.  O cineasta Craig Foster conhecendo o polvo e se fascinando pela primeira vez, o que o levou a visitar o animal por vários dias seguidos e acompanhar seu ciclo de vida (Foto de divulgação Netflix ). O que é brincar para um polvo? Brincar pode parecer algo só de humanos ou de animais domésticos, mas cientistas vêm observando que outros animais também fazem isso. No caso dos polvos, a brincadeira mais comum é com objetos. Um estudo de 2003 listou cinco critérios para identificar se um comportamento é mesmo uma brincadeira: deve ser voluntário e espontâneo; não deve estar ligado a necessidades básicas (como fome); deve ser diferente do comportamento “normal” do animal; acontecer várias vezes e quando o animal não está estressado. Ou seja, o polvo só brinca se estiver calmo, sem perigo e com recursos sobrando. No documentário, tem uma cena marcante em que o polvo estica os tentáculos em direção a um cardume de peixes, sem tentar pegá-los. Craig Foster questiona: “Será que ele está brincando?” Pode ser que sim!  Brincar, nesse caso, pode ser uma forma do polvo de se estimular mentalmente, usar a criatividade e até aprender coisas novas. A teoria do “recurso excedente” (Kuba et al., 2006) explica que os animais só brincam quando têm energia e tempo “sobrando”. Ou seja, a brincadeira não serve para algo imediato, como se alimentar, mas pode ajudar o animal a desenvolver habilidades importantes para a sobrevivência. Estudar o comportamento dos polvos – como a brincadeira – nos ajuda a entender melhor como funciona a inteligência nos animais. Mesmo sendo invertebrados, eles mostram sinais de curiosidade, criatividade e aprendizado, e isso amplia nossa visão sobre o que é consciência e cognição no mundo animal. No caso do Octopus vulgaris , a espécie mostrada no documentário, vemos comportamentos como a cena do cardume de peixe, na qual o polvo não parece estar predando os peixes, mas somente interagindo com eles, o que poderia caracterizar uma brincadeira. Além disso, outras cenas demonstram a complexidade de comportamentos do animal, como se camuflar imitando texturas e cores e estratégias para enganar predadores (como se fingir de alga ou usar conchas para se esconder). Essas ações mostram que os polvos têm uma mente ativa, que aprende com o ambiente e que pode até se divertir. E se brincar é sinal de bem-estar e inteligência, então talvez esses animais tenham muito mais a nos ensinar do que imaginamos. O polvo envolve-se em conchas para se proteger e despistar predadores (Foto de divulgação Netflix ).  A observação dos polvos brincando nos leva a uma pergunta importante: será que só os humanos têm criatividade e curiosidade? A resposta é: não. Os polvos mostram que para eles a brincadeira também pode ser uma forma de aprender, explorar e sobreviver. E isso nos ajuda a entender que, mesmo entre os animais mais diferentes de nós, existem formas riquíssimas de inteligência e que eles têm muito a nos ensinar, como bons professores. Referências: HOCHNER, Binyamin; Strutt, David. Octopuses. Current Biology Vol 18 No 19, 2008. HUGHES, M.. Sequential Analysis of Exploration and Play. International Journal of Behavioral Development, 1(1), 83-97, 1978 . KUBA, Michael. et al.  Looking at play in Octopus vulgaris . Berliner Paläontologische Abhandlungen. 3. 163-169. 2003 KUBA, Michael. et al.   When do octopuses play? Effects of repeated testing, object type, age, and food deprivation on object play in Octopus vulgaris. Journal of Comparative Psychology, 2006.   KUBA, Michael J.; GUTNICK, Tamar; BURGHARDT, Gordon M. Learning from play in octopus . Cephalopod Cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. p. 145–157.  O’BRIEN, C. E., et al . Octopus. Reference Module in Life Sciences, 1–7, 2018.  ZYLINSK, Sarah. 2015. Fun and play in invertebrates . Current  Biology,  25(1): R10-2. 2015. Sobre a autora: Sou uma estudante de Biologia apaixonada pelo mar e pela educação em todas as suas formas. Faço bacharelado e licenciatura em Biologia na Universidade de São Paulo, e já trabalhei com identificação taxonômica de larvas de peixes. Atualmente faço estágio em um colégio com o ensino médio e sou bolsista do Programa Unificado de Bolsas da USP, no Projeto do Bate-papo com Netuno. A ideia desse texto surgiu como resultado de uma pesquisa na São Paulo Ocean Week em 2024, a partir da curiosidade de estudantes que se interessam pelo oceano e buscam mais informações sobre temas como esse!  #Descomplicando #Convidados #ProfessorPolvo #Cefalópodes #Inteligência #Brincadeira #CiênciasDoMar #Zoologia #Polvos #Moluscos

  • Por que a gente enjoa quando está embarcado?

    Por Tatiane Leite e Kenzo Omaki Ilustração: Caia Colla Você já embarcou? Caso já tenha embarcado, existe a possibilidade de ter ficado enjoado. Claro que isso é algo que varia de pessoa para pessoa: para alguns, um pouco de balanço já é suficiente para ficar “mareado”; para outros, o barco pode balançar o que for, que o enjoo não vem.  Por que a embarcação balança? Como sabemos, o oceano não é estático. Por isso, os barcos ainda balançam mesmo estando parados. Esses movimentos (Figura 1a) são devidos, principalmente, à ação dos ventos, que ao soprar sobre a superfície do mar geram ondas de superfície, cujo tamanho varia de acordo com a velocidade do vento, a distância que ele sopra, sua duração e a profundidade .  Em oceanografia, essa relação é feita a partir da escala de Beaufort, que associa a velocidade do vento e a condição do mar (Figura 1b). Além disso, a escala também pode ser um “spoiler” do nível de enjoo que o embarcado pode vir a sentir. Figura 1 : a) Movimentos da embarcação ilustrados por Tatiane Leite e Kenzo Omaki. b) Escala de Beaufort (domínio público) esquematizada por Tatiane Leite e Kenzo Omaki. Ambos com licença CC BY SA. A jornada do enjoo O labirinto, ou aparelho vestibular (Figura 2), é um órgão que atua na audição e no equilíbrio do corpo nos vertebrados, por meio de regiões especializadas na detecção de vibração e sua conversão em sons, possibilitando que o cérebro interprete a orientação do som, sua origem e direção. O processo do enjoo se inicia quando o labirinto é estimulado pelo nível de agitação da água do mar, que movimenta a endolinfa, líquido presente em seu interior, estimulando células emissoras de pulsos elétricos com diferentes magnitudes para o cérebro.  Figura 2 : Anatomia do Sistema Auditivo Periférico. Fonte: Traduzido de Introdução à Audiologia Básica/Sistema Auditivo Periférico/Anatomia - Wikiversidade   com licença CC BY 3.0. Assim, o que ouvimos é uma interpretação das vibrações recebidas. Um exemplo didático são os fones por condução óssea (Figura 3), que não geram sons e sim vibrações, captadas pela orelha e convertidas em som pelo cérebro. Figura 3 : Fones por condução óssea. Flickr/RobandSheila/CC BY-NC-SA 2.0. Além disso, o enjoo pode ser uma resposta a sinais contraditórios entre diferentes sistemas do corpo e o ouvido interno. Por exemplo, ao estar em uma embarcação balançando, o ouvido interno envia sinais ao cérebro indicando movimento, mas outras partes do corpo, como a musculatura das pernas e os olhos, indicam que o corpo está parado, gerando confusão no cérebro. Para as duas causas, a resposta é a mesma: o corpo interrompe a digestão no estômago, impedindo que o alimento chegue ao intestino, estimulando o vômito. Essa resposta é uma reação do cérebro a uma possível intoxicação alimentar que pode ter afetado o equilíbrio do corpo. Desde os primórdios até hoje em dia A teoria mais aceita sobre o labirinto nos vertebrados define sua origem a partir de modificações no sistema de linha lateral, presente desde os vertebrados mais basais, até os anfíbios em sua fase larval. No ambiente marinho, muito mais denso que o ar atmosférico, as ondas sonoras emitem muito mais vibrações ao se deslocarem na água, movimentando o líquido no ouvido interno dos organismos. Já em organismos terrestres, as ondas sonoras vibram menos quando se deslocam, movimentando menos o líquido do ouvido interno, que precisa de mais energia para se mover. Por isso, com a gradual mudança para o meio terrestre, os vertebrados desenvolveram mecanismos para aumentar a captação de sons ambientes como orelhas externas para amplificar as vibrações no canal auditivo.  Manual de prevenção ao enjoo A lição que tiramos de tudo isso é que o enjoo é passível de acometer quem está embarcado, mas calma, existem formas de amenizá-lo e, para isso, fizemos um compilado de dicas de pessoas que costumam embarcar:  dizem que é bom ficar em locais mais próximos ao nível do mar, olhar para o horizonte, não ficar de “estômago vazio”, buscar o/a enfermeira/o ou médico/a da embarcação, evitar ingerir alimentos considerados “indigestos” (Ex.: melancia) e se for vomitar ou estiver se sentindo mal, não use um bordo muito baixo da embarcação devido ao risco de queda. Outra alternativa é o uso de medicamentos para enjoo, mediante prescrição médica prévia, é claro. E se nada der certo, deixe a necessidade do corpo de vomitar falar mais alto que a vergonha.  Relato pessoal dos autores Figura 4 : Embarque pelo Projeto Efeito Spillover das áreas de exclusão de pesca ao redor das Unidades de Conservação (Spillover). Foto: Kenzo Omaki com licença  CC BY NC-ND Em 2022, embarcamos pelo Projeto Efeito Spillover das áreas de exclusão de pesca ao redor das Unidades de Conservação (Spillover) no B/Pq Alpha Delphini , e em um dos pontos de coleta (estação), o mar não estava tão amigável com os nossos labirintos e aí veio aquela mistura de sensações: pressão baixa, azia, suor frio, tontura, entre outras. A gente até tenta lutar contra isso, fingir força, mas acredite, a cara empalidecida entrega que não estamos bem… risos… E, então, no meio do merecido almoço pós-trabalho árduo, é hora de levantar, ir até a área externa do barco e ver a melancia do café da manhã no casco do navio, desencurvar e ter alguém checando se você está bem e sentir que sim, agora você está bem melhor.  Referências: Escala de Beaufort. Marinha do Brasil .   Disponível em:< https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/6303303/mod_resource/content/1/Escala%20Beaufort.pdf >. Acesso em 06 de Nov. de 2024. KARDONG, Kenneth V. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução . Roca, 2014 Sobre os autores: Graduanda do 5° ano do Bacharelado em Oceanografia no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e integrante do Laboratório de Ecologia da Reprodução e do Recrutamento de Organismos Marinhos, coordenado pela Profa. Dra. June Ferraz Dias. Tem interesse na grande área biológica da oceanografia e como ela se relaciona com as demais grandes áreas, com destaque para a oceanografia química e a oceanografia socioambiental.  Graduando do 4° ano do Bacharelado em Oceanografia no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e integrante do Laboratório de Ecologia da Reprodução e do Recrutamento de Organismos Marinhos, coordenado pela Profa. Dra. June Ferraz Dias. Tem grande interesse em Ictiologia, com destaque ao estudo da taxonomia, morfologia e miologia dos grupos de peixes viventes, especialmente Bagres. **Kenzo e Tatiane elaboraram este texto como projeto da disciplina “Divulgação Científica e cultura Oceânica”, ministrada pela Prof.ᵃ Dr. ᵃ Cláudia Namiki, do curso de Bacharelado em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. #CiênciasDoMar #Convidados #ClaudiaNamiki #CaiaColla #Embarcar #Enjoo

  • Genética, cultura e comportamento de cetáceos

    Você sabia que as diferenças culturais podem influenciar na genética de baleias e golfinhos? Por Maysa Miriana Garcia da Silva Ilustração de Joana Dias Ho. Você sabia que os cetáceos , popularmente conhecidos como baleias e golfinhos, possuem uma cultura muito complexa? A cultura inclui nosso jeito de agir, de comer e de falar, por exemplo. Determinadas populações de cetáceos têm um dialeto específico para comunicação e cada integrante tem um nome próprio dentro do seu grupo! A cultura dos cetáceos segue um padrão parecido com a humana, onde o local ou o grupo no qual o indivíduo está inserido afeta seus hábitos alimentares, seu modo de falar e seus comportamentos. Essa característica é muito semelhante às línguas que temos. Uma pessoa que nasce no Brasil fala português brasileiro, enquanto uma pessoa de Portugal também fala português, mas de Portugal.  A organização social e comportamento também é passada de geração em geração, assim como acontece na população humana, moldando suas técnicas de obtenção de alimento, desde o método de caça até o tipo de presa escolhida, além do comportamento e o modo de comunicação entre os indivíduos. Essas características são adquiridas através da  herança cultural , da mãe para o filhote e/ou entre os indivíduos de um mesmo grupo ou de grupos diferentes que se encontram no oceano. Mãe e filhote recém-nascido de Baleia-Jubarte. Lars Bejder. Fonte: https://gizmodo.uol.com.br/baleia-jubarte-recem-nascida/ . (NOAA Permit 20311-01/Universidade do Havaí/Marine Mammal Research Program/Gizmodo) Mas o que é herança cultural? Primeiro vamos relembrar que Genética é a ciência que estuda como se dá a transmissão, de pais para filhos, das características que compõem os seres vivos, ou seja, como são suas células, como é a forma e funcionamento de seus tecidos e órgãos. Todas essas informações e características genéticas estão armazenadas no que chamamos de DNA - sigla para ácido desoxirribonucleico ( deoxyribonucleic acid , em inglês). Mesmo espécies muito diferentes de seres vivos, podem ter o DNA parecido, como entre  os seres humanos e os chimpanzés, que compartilham 99,6% do DNA. Ou  seja, o que nos difere desses animais são alterações de apenas 0,4% nessa molécula.  Agora, finalmente, a herança cultural é composta pelos fatores que podem alterar nossa genética, mesmo não sendo herdados de maneira direta pelo DNA. Para entender esse ponto, precisamos entender melhor um conceito criado por um naturalista, geólogo e biólogo britânico muito conhecido, chamado Charles Darwin: o conceito de seleção natural . Na seleção natural, Darwin afirma que o organismo mais adaptado ao ambiente é aquele que vai sobreviver e passar seus genes adiante na espécie. Isso significa que o ambiente no qual um ser vivo está inserido pode selecionar características vantajosas para sua sobrevivência.  Um grupo de Golfinho-Comum incluindo adultos, jovens e filhotes, capturados na Baía do Sul da Califórnia durante o cruzeiro Delphinus 2009 da NOAA. Fonte: https://animalecologyinfocus.com/2021/05/19/lets-eat-together-atoms-from-amino-acids-reveal-common-dolphins-feeding-strategy/ . (NOAA/NMFS permit #774-1714-10) Logo, a questão de aprendizagem cultural e todas as diferenciações que ela gera, bem como a passagem de caracteres entre gerações levou cientistas a pensarem se esses fatores afetariam a especiação* dos cetáceos. Isso porque as pressões seletivas de genes não seriam as mesmas em diferentes populações de uma mesma espécie, já que elas dependem diretamente dos costumes de cada grupo  e as características transmitidas culturalmente afetam de forma menos óbvia a herança genética, por não serem diretas e imediatas. O que ocorre na verdade é que certos comportamentos favorecem determinadas características genéticas, então indivíduos com essas características têm mais sucesso na obtenção de alimento, migração e reprodução, por exemplo, passando seus genes favoráveis para as próximas gerações. Portanto, em uma escala de tempo longa, pode haver uma alteração genética significativa ao ponto que tais indivíduos são considerados uma outra espécie. Esses aspectos despertaram o interesse da comunidade científica em investigar a relação direta dos genes com a herança cultural. A fim de trazer uma perspectiva real baseada nessas questões, há um exemplo interessante quando observamos as Orcas  ( Orcinus orca ). As diferentes populações dessa espécie já possuem características físicas distintas dependendo da localidade, chamadas ecótipos da espécie, que são alterações físicas desses animais em decorrência da seleção natural, e que servem como identificação do grupo, como pode ser observado nas imagens abaixo. É importante ressaltar que ao falarmos de ecótipos nos referimos a diferenciações físicas e comportamentais observadas numa mesma espécie , pois a diferenciação ainda não afetou significativamente o DNA dessas populações. Diferentes ecótipos de orcas que ocorrem no hemisfério sul com categorização baseada em padrão de cor, formato da cabeça e manchas oculares. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Killer_Whale_Types.jpg  ( Creative Commons   Attribution-Share Alike 3.0 Unported ) Uma pesquisa, realizada por Andrew Foote e colaboradores, publicada na Revista Nature em 2016, avaliou o DNA de orcas e revelou que existem diferenças moleculares, vistas através do DNA satélite  de indivíduos de diferentes grupos, que tinham certa associação com a dieta, habitat e isolamento reprodutivo **, capazes de sustentar a ideia de criação de novas espécies para classificar as diferentes populações desse golfinho. Há também algumas pesquisas sendo feitas que indicam haver uma separação de ecótipos de golfinhos-nariz-de-garrafa em diferentes espécies, como a realizada por Ana P. B. Costa e colaboradores e publicada no Zoological Journal em 2022. Levando em conta tais pesquisas, é possível notar que, dentro de algumas espécies de cetáceos, há uma grande possibilidade de estarmos presenciando uma diferenciação evolutiva entre indivíduos de uma mesma espécie, capaz de levar à separação dessas populações em duas ou mais espécies diferentes, em decorrência da seleção natural. O que é DNA satélite? Entender esses conceitos e desenvolver pesquisas nessa área é muito importante para entendermos como funciona a evolução, porque entendendo como as formas de vida foram se modificando e se adaptando no ambiente, somos capazes de compreender a história do nosso planeta e a nossa própria história. Tais estudos genéticos também nos auxiliam a entender como esses processos ocorrem e, portanto, podemos estimar, mesmo que com pouca precisão, as perspectivas futuras das espécies viventes. * A especiação aqui citada seria a separação de indivíduos considerados de uma mesma espécie em duas novas espécies diferentes ** O isolamento reprodutivo representa a incapacidade de espécies diferentes de se reproduzirem entre si, ou, caso aconteça, não produzirem descendentes férteis. Referências:  WHITEN, Andrew. A second inheritance system: the extension of biology through culture. Interface Focus , v. 7, n. 5, p. 20160142, 2017. - Link: https://royalsocietypublishing.org/doi/full/10.1098/rsfs.2016.0142 DE WAAL, Frans BM. Animal conformists. Science , v. 340, n. 6131, p. 437-438, 2013. - Link: https://www.science.org/doi/full/10.1126/science.1237521 ALLEN, Jenny et al. Network-based diffusion analysis reveals cultural transmission of lobtail feeding in humpback whales. Science , v. 340, n. 6131, p. 485-488, 2013. - Link: https://www.science.org/doi/full/10.1126/science.1231976 FILATOVA, O. A. The Role of Cultural Traditions in Ecological Niche Partitioning in Cetaceans. Biology Bulletin Reviews , v. 14, n. 1, p. 133-140, 2024. - Link: https://link.springer.com/article/10.1134/S2079086424010043 WHITEHEAD, H.   Culture in Whales and Dolphins . In: Encyclopedia of Marine Mammals. 2 ed. Academic Press, 2009. p. 292-294. - Link: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/B9780123735539000687#section-cited-by WHITEHEAD, H. Gene–culture coevolution in whales and dolphins . PNA, vol. 114, n. 30. Jul. 2017. - Link: https://www.pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1620736114 WHITEHEAD, H. et al. The reach of gene–culture coevolution in animals. Nature Communications, vol. 10, n. 2405. Jun. 2019. - Link: https://www.nature.com/articles/s41467-019-10293-y VACHON, F. et al. What factors shape genetic diversity in cetaceans?. In: Ecology and Evolution, vol. 8, p. 1554-1572. Fev. 2018. - Link: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/ece3.3727 FOOTE, Andrew D. et al. Genome-culture coevolution promotes rapid divergence of killer whale ecotypes. Nature communications , v. 7, n. 1, p. 11693, 2016. - Link: https://www.nature.com/articles/ncomms11693 COSTA, Ana P. B. et al. The common bottlenose dolphin (Tursiops truncatus) ecotypes of the western North Atlantic revisited: an integrative taxonomic investigation supports the presence of distinct species. Zoological Journal of the Linnean Society , v. 196, n. 4, p. 1608-1636, 2022. - Link: https://academic.oup.com/zoolinnean/article/196/4/1608/6585199 —------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Sobre a autora: Maysa é uma estudante do curso de Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo que elaborou este texto como projeto da disciplina “Divulgação Científica e Cultura Oceânica”, ministrada pela Prof.ᵃ Dr. ᵃ Cláudia Namiki, do curso de Bacharelado em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Sempre teve interesse pela área de biologia marinha e ciências do mar, assim como pela divulgação científica, então começou a buscar matérias e pesquisas relacionadas a tais áreas, que foi como encontrou a disciplina que gerou este trabalho. Durante a graduação também descobriu um interesse por herpetologia e atualmente faz parte de um laboratório na área no IB-USP. Em paralelo, o gosto pelo mar segue presente na realização de monitorias de visitas no Centro de Biologia Marinha da USP, através de uma bolsa de extensão universitária oferecida pela universidade. #genética #cetáceos #comportamentodecetáceos #Ciências #BatePapocomNetuno

  • Sedimentary organic matter: an endless source of information - Part 1

    By Juliana Leonel English edit by Carla Elliff * post originally published in Portuguese on December 5, 2020 If the thermometer was only invented in the beginning of the 18th century, how is it possible that there are studies that talk about sea surface temperature thousands of years ago? For an oceanographer, who works in marine geochemistry, sediment is much more than simple particles of organic and inorganic matter. When I look at marine sediment , I see a wealth of preserved information that is the key (or one of the keys) to studying the past history not only of the ocean, but of our planet. For example, from information stored in marine sediments we know that during the Cretaceous (approximately 90 million years ago) the temperature of the ocean (and the atmosphere) was much warmer than it is today. Moreover, the amount of dissolved oxygen was very low and a large amount of organic matter produced was preserved in the sediments and, later, gave rise to important oil basins. It was also through studies of marine sediment that we know that the Earth has gone through cycles of glaciation and interglaciation over the last 2 million years. We know when the Isthmus of Panama closed and when the polar ice caps formed in Antarctica. "But how is this possible?" you might be asking yourself. These studies are possible thanks to the use of different tools, ranging from the study of the composition of organic matter preserved in marine sediments to studies of the occurrence/composition of microfossils (such as foraminifera, diatoms, etc.) preserved in the sediment.   Regarding sedimentary organic matter, let's first understand where it comes from, where it goes and how it survives this "journey"... The organic matter (OM)  present in marine sediments comes mainly from two sources: a) terrestrial plants (mainly higher plants); and b) phytoplankton organisms. In the first case, it is allochthonous organic matter (produced in an external environment) and in the second case, it is autochthonous OM (produced in the environment itself). OM goes beyond leaf and algae remains, it is made up of several groups of compounds, such as proteins, carbohydrates, lipids, lignin, among others. Not only the quantity of each of these components, but also the molecules that constitute them, will depend on factors such as: source of the OM (higher plants with C3 metabolism, higher plants with C4 metabolism, phytoplankton, bacteria, etc.) and the characteristics of the environment during its formation (temperature, salinity, oxygen availability, etc.). Differences in the composition of terrestrial and marine organic matter. Once in the water column, the particulate organic matter will sediment and during this process it may be remineralized, that is, it will be degraded until it returns to its inorganic constituents (such as inorganic carbon, nitrogen and phosphorus). However, a small portion will reach the sediment intact or undergoing only minor changes. It is important to emphasize that even in the sediment, organic matter can be remineralized. Under current environmental conditions, it is estimated that, on average, of the total OM produced in the photic zone, only 1% will reach the marine sediment and only 0.1% will be preserved. Although it represents a small portion of all organic particles in the marine environment, sedimentary organic matter contains important information about its source and the conditions in which it was produced and preserved. To retrieve this information, researchers collect samples of surface sediments or sediment cores that are sliced ​​(usually every 1 or 2 cm) and dated (using radioisotopes, which are unstable isotopes that, in search of stability, decay producing other isotopes and releasing energy in the form of radiation). Once the age of each of these layers is known, the organic matter is analyzed and its components identified and quantified. Sediment cores by Juliana Leonel with CC BY-SA 4.0 license . Ok. But how do I use sedimentary OM to find out the sea surface temperature of thousands of years ago?   Among the various components of sedimentary OM, there is a group of compounds called alkenones, which are long-chain ketones (37 to 39 carbons) containing 2 to 4 unsaturations (= double bonds). Produced by two species of coccolithophorids, Emiliana huxleyi  and Gephyrocapsa oceanica , the former of which is widely distributed in the oceans, these compounds are lipids that resist degradation processes throughout their sedimentation in the water column and are part of the sedimentary OM. Emiliana   huxleyi   Source: (2011) PLoS Biology Issue Image | Vol. 9(6) June 2011. PLoS Biol 9(6): ev09.i06 with CC license. Alkenones with 37 carbons and 2 and 3 unsaturations are used as biomarkers to assess sea surface temperature (SST), as they are produced in different proportions depending on the temperature of the water in which the organism is found. To maintain the stability of cell membranes, as the temperature increases, these organisms produce more alkenones with a greater number of unsaturations. Knowing this, researchers created an index, the Uk'37, which is a ratio between alkenones with 2 and 3 unsaturations and which allows calculating the temperature of the water where the alkenones were formed. In addition to alkenones, there are other geochemical tools that can be used to study ocean temperatures in the past, such as Glycerol dialkyl glycerol tetraethers (produced by archaebacteria and affectionately called by the acronym GDGTs) and the ratio between stable oxygen isotopes (δ18O) or the ratio between magnesium and calcium (Mg/Ca) in the calcareous shells of foraminifera.  Organic matter is an incredible tool and helps us understand a lot about Earth's past and present, so I'll talk more about the topic in a future post. #JulianaLeonel #MarineScience #OrganicMatter #Paleoceanography #Paleothermometer #Alkenones #MarineGeochemistry

  • Lei do Mar: antes tarde do que nunca

    Por Yonara Garcia A Lei do Mar (PL 6.969/2013)  é uma proposta legislativa que busca instituir a Política Nacional para Uso e a Conservação do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar) e estava em tramitação no Congresso Nacional há mais de dez anos . Seu objetivo principal é promover a proteção, uso sustentável e a recuperação dos ecossistemas marinhos e costeiros, integrando ações de monitoramento ambiental, pesquisa científica, gestão participativa e ampliação de áreas marinhas protegidas. A proposta também busca promover uma governança nacional mais eficaz sobre os recursos marinhos e enfrentar problemas como poluição marinha e sobrepesca (Para saber mais sobre este projeto, clique aqui ). Nesta semana, a proposta foi finalmente aprovada na Câmara dos Deputados e agora segue para análise no Senado! Ao longo dessa tramitação, em 2023, assisti a uma sessão da Câmara dos Deputados, na qual me deparei com a fala de diversos atores (representantes da indústria pesqueira, da pesca artesanal, ambientalistas, entre outros) ali presentes. Cada um tinha seu ponto de vista, pontos que não concordavam no texto, e cada um teve seu espaço de fala. Quando chegou o momento da Profa. Dra. Leandra Gonçalves, professora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-UNIFESP), ela falou da importância desse projeto ser aprovado e, então, encaminhado para o Senado, pois já havia uma década de tramitação. Para mim, foi incrível a fala dela e quando ela terminou, eu pensei: “Nossa, arrasou! Explicou super bem, deu um sacode em alguns que estavam presentes, acho que todos entenderam”. Eis que um deputado pede espaço de fala e diz (não exatamente com essas palavras): Professora Leandra, foi muito bonito seu discurso, com palavras bem colocadas, mas eu estou aqui para defender os humanos… e continuou sua fala. Aquele momento me causou certa estranheza pela falta de percepção de que os humanos não fazem parte da natureza, o que me lembrou de um filme que ilustra perfeitamente o que eu havia acabado de presenciar. O filme em questão é o “Princesa Mononoke”  (1997), dirigido por Hayao Miyazaki e produzido pelo Studio Ghibli. Ambientado no final do período Muromachi (séculos XIV a XVI) do Japão, este filme segue a história de Ashitaka, um jovem príncipe, condenado por uma maldição enquanto salvava seu vilarejo do ataque de um Deus-javali demonizado. A fim de descobrir a origem de sua maldição e encontrar uma possível cura, Ashitaka parte em uma jornada e se depara com um conflito entre os deuses da floresta e os humanos que exploram os recursos naturais. Em meio a esse conflito, ele conhece San, a Princesa Mononoke, uma jovem criada por deuses-lobos, que carrega um ódio pelos homens e luta ao lado da floresta, e Lady Eboshi, líder da Vila de Ferro que busca progresso às custas da natureza, mas também se mostra uma líder generosa por desafiar o feudalismo japonês, oferecendo dignidade e trabalho a pessoas marginalizadas pela sociedade, como as prostitutas e os leprosos. Ashitaka tenta intermediar a paz, mas a tensão entre a preservação da natureza e o desenvolvimento só aumenta, resultando em uma batalha épica. Em certo momento da batalha, o Espírito da Floresta (Deus-cervo), uma divindade pacífica, é decapitado por Lady Eboshi, pois ela acreditava que dessa forma ela iria conseguir alcançar o progresso para seu povo. Em seguida, o Deus-cervo se transforma em uma entidade demoníaca que destrói tudo ao seu redor, tanto os animais da floresta, quanto a Vila de Ferro, o que causa grande perplexidade em todos os personagens. Mas esta entidade não distingue entre bons e maus, pois quando o equilíbrio é quebrado, todos sofrem. A destruição termina quando a cabeça do Espírito da Floresta é devolvida e ele desaparece, mostrando que o equilíbrio foi perdido. Esse momento do filme é marcado pelo recomeço para ambos os lados, onde a floresta começa a se regenerar, mas não a mesma, e os humanos que sobreviveram voltam a se reconstruir, na esperança da lição ter sido aprendida. Esse filme é uma clara metáfora do que vivemos. Progresso à custa da destruição. Olhar os seres humanos como algo à parte, acima de tudo, onde o planeta Terra é dividido em espécies de fauna, flora e a poderosa espécie humana. Mas vamos pensar o seguinte, imagine uma pirâmide de cartas de baralho, onde cada carta representa uma espécie no planeta, e uma dessas cartas representa a espécie humana. Se começarmos a derrubar algumas cartas, a tendência é que a pirâmide inteira caia. A pirâmide corresponde à biodiversidade do planeta Terra. Quando a base da pirâmide cai, todas as espécies caem, incluindo a espécie humana. Então, quando você vê ambientalistas falando centenas de vezes da importância da biodiversidade, do porquê devemos frear essa constante perda da biodiversidade, não é (só) porque somos seres altruístas, que amam a natureza e querem salvar apenas os animais e as plantinhas. O que buscamos é manter essa estrutura de vida que conhecemos hoje. Nós queremos nos salvar, salvar nossa espécie também. Nós entendemos que ao ocorrer progresso às custas da biodiversidade, estamos dando um tiro no próprio pé.  Por isso, o desenvolvimento e implantação de projetos como a Lei do Mar  são tão importantes, pois buscam regulamentar diversas atividades, promovem o uso sustentável dos ecossistemas e garantem a conservação da biodiversidade. Ou ainda lutar contra propostas como o PL 2.159/2021 , da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, mais conhecida como PL da Devastação , que enfraquecem a proteção ambiental no país. Assim como no filme, se não respeitarmos os limites para coexistir, a Terra não vai acabar, mas pode ser que essa estrutura de vida que conhecemos hoje acabe. E o planeta se reconstituirá, de um outro jeito, com novas formas de vida. "You cannot change fate. However, you can rise to meet it, if you so choose.” (“Não se pode mudar o destino. Mas é possível enfrentá-lo, se você quiser.” – Princesa Mononoke) Sobre a autora: Editora do BPCN, formada em ciências biológicas pela UFJF com mestrado em ciências (Oceanografia Biológica) pelo Instituto Oceanográfico da USP. Atualmente está desenvolvendo seu doutorado no Instituto do Mar da UNIFESP. Sempre despertou interesse pelos ecossistemas aquáticos. Durante a graduação atuou em limnologia estudando, principalmente, os ciclos biogeoquímicos e as comunidades planctônicas. Já na pós-graduação atuou em pesquisas que tiveram como foco o plâncton marinho e o coral-sol. Hoje seu foco principal é o estudo da contaminação, principalmente por microsplásticos, em Áreas Marinhas Protegidas. Gosta de andar de bicicleta, ir à praia, subir montanha, viajar, fotografar, reunir os amigos, estar em contato com a natureza e sempre contar com uma boa leitura. Está aprendendo a cada dia o papel de ser mãe com sua filha Mia. #CiênciasDoMar #PrincesaMononoke #LeiDoMar #Biodiversidade #StudioGhibli #PLDaDevastação #PL6.969/2013 #PL2.159/2021

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